São as instalações da Algaplus, uma empresa “de produção primária, aliada à biotecnologia azul, que tem por objeto principal o cultivo de algas”, que emprega 18 pessoas a tempo inteiro e tem reconhecimento internacional, estando já a desenvolver processos de transferência de tecnologia.
“No início não nos ligavam nenhuma e achavam que éramos uns doidinhos com isso das algas. Hoje estão a contactar-nos e já estão a desenvolver produtos com algas. Foi preciso um período de seis anos de resiliência, mas começa a haver uma mudança de mentalidades”, diz à Lusa Helena Abreu, jovem bióloga co-fundadora da Algaplus.
Numa manhã encoberta, com os cuidados devidos por se tratar de uma zona ambientalmente sensível, é para o Bolho da Malhada que se dirige um autocarro cheio de biólogos de várias nacionalidades.
Na variante circular que contorna Ílhavo mete por um caminho de saibro e transpõe um portão de rede, quedando-se quase junto à água, como intruso numa paisagem que mesmo a névoa deixa perceber plana, formada por antigas salinas onde se sucedem os pequenos tanques desenhados a torrão e lodo, como se fosse um vitral deitado, e a pouca luz é espelhada nos contentores que dão guarida a técnicos e cientistas da Algaplus, mais concentrados nos vidros de tubos de ensaio, pipetas e provetas do laboratório.
Abre-se a porta do autocarro para entrar Helena Abreu, que há seis anos, concluído o curso, se meteu com um colega a produzir macroalgas e que na viatura faz uma primeira preleção sobre a atividade aos visitantes, participantes no “Living Labs” que, ao abrigo do projeto europeu de aquacultura multitrófica integrada (INTEGRATE) vieram ver como funciona a integração sustentável do cultivo de macroalgas e da produção de peixe.
Outras caras vão-se juntar da parte da tarde, num “workshop” sobre a “avaliação dos benefícios sócio ambientais da aquacultura de algas”.
Enquanto esperam para sair, conseguem ver das janelas do autocarro, entre os cinzentos do dia, um acastanhado e verde na outra margem do canal: são as matas das Gafanhas e a antiga colónia agrícola.
Os antigos colonos das Gafanhas, que à custa do moliço – massa de plantas aquáticas recolhidas para serem usadas na agricultura -, muito dele descarregado na Malhada, conseguiram transformar extensas dunas e areais em terras produtivas, mal sonhariam que duas espécies que constituem esse moliço, o “cabelo de velha” e a “alface do mar”, seriam no século seguinte “cultivadas” para a alimentação humana.
É basicamente o que faz a Algaplus, aproveitando e controlando a água que sai dos tanques de criação de robalos e douradas, carregada de nutrientes, para produzir as algas, sobretudo para a indústria alimentar.
É principalmente na indústria alimentar humana, que lhe absorve cerca de 90% da produção em mercados externos, que a empresa aposta como destino para as algas, “pelo valor nutricional que têm e pelos benefícios associados para a saúde”.
Segue-se a cosmética, um setor de menor volume, mas de maior valor acrescentado.
“Embora seja mais competitivo, permite-nos também manter acesa a nossa veia de investigadores, de inovação, porque é preciso estarmos sempre a trabalhar muito com os nossos clientes de cosmética para desenvolver novos produtos”, comenta Helena Abreu.
“Vendemos algas para as entidades do sistema científico nacional e internacional que estão a apostar muito no desenvolvimento de produtos, nomeadamente corantes para a indústria têxtil, para aditivos funcionais para animais e bioestimulantes para a agricultura, mas esses são setores que ainda estão numa fase de desenvolvimento inicial”, acrescenta.
O consumo de algas na alimentação humana, em Portugal e não só, é ainda ténue, porque é devagar que se mudam mentalidades, mas há progressos, a que não são alheios os grandes chefes de cozinha e o gosto pela alimentação vegetariana.
“Já vamos tendo empresas tradicionais da grande distribuição, que toda a gente conhece, a procurar utilizar as algas nos seus produtos. Porque é que eles procuram agora as algas? Porque tem de haver menos adição de sal nos produtos alimentares e as algas, com o sabor que têm, ajudam a ter aquela sensação de salgado”, explica a bióloga.
Helena Abreu diz que a incorporação de algas no produto final é uma mais valia, também pela parte nutricional, porque se pode obter um produto rico em minerais como o ferro, magnésio e cálcio, para uma dieta saudável.
As pequenas plantas que se vêm no borbulhar dos tanques da Algaplus ou nos vidros “iluminados a néon” do laboratório não estão ali para preservar espécies em extinção. Apesar de os barcos moliceiros hoje se dedicarem ao turismo, não faltam algas na Ria de Aveiro, de crescimento espontâneo.
Helena Abreu defende que essas algas podem ser aproveitadas “de forma mais organizada e que traga um maior valor acrescentado para os apanhadores também”, mas a biomassa terá de ser para outros fins que não o alimentar.
“A qualidade da água é importante, e não só: as algas quando estão em contacto com o sedimento absorvem tudo e nós temos zonas da Ria de Aveiro que são mais limpas do que outras”, observa a bióloga.
A apanha das algas “selvagens” terá de ser uma atividade regulada, discutindo-se se deve ser o Estado ou as próprias empresas a fazer a monitorização.
“Na maré baixa, se levantarmos um pedaço da alga, por baixo vamos ter dezenas ou centenas mesmo de caranguejos bebés, de juvenis, de isco para os pescadores. É preciso que haja alguém que se responsabilize pela gestão do recurso natural porque as algas têm um papel muito importante nos ecossistemas e isso tanto se aplica a Aveiro como a outras zonas costeiras”, explica.
A produção de bioplásticos poderá ser uma aplicação futura, mas o mais provável é o moliço poder vir a ser aproveitado como extrato de algas já otimizado.
“Em relação aos bioplásticos, estivermos a trabalhar num projeto europeu, em que éramos 14 parceiros. O nosso papel foi desenvolver os protocolos de aquacultura para ter uma biomassa mais adaptada à possibilidade de utilização de bioplásticos. Conseguimos fazer protótipos, mas ainda há muito a fazer para otimizar a produção de plásticos usando algas como matéria prima, a um custo que seja competitivo”, justifica Helena Abreu.
Desde 2018 que a empresa assegura também a gestão da componente de aquacultura, mais precisamente dourada e robalo. O objetivo é produzir peixes acima dos 500 gramas, para ter uma diferenciação no mercado, e manter o peixe durante mais tempo a produzir alimento para as algas.
“Estamos a trabalhar também na certificação, para podermos no futuro ter todo um sistema que, além de sustentável por estarmos a fazer aquacultura integrada, seja também com certificação biológica, o que nos obriga a cumprir requisitos específicos desse modo de produção”, adianta.
“Vamos fazer a primeira pesca na primavera/verão e estamos a fazer a produção em modo de produção biológico, o que é uma inovação porque o peixe alimenta-se principalmente do que vem na Ria na maré alta”, anuncia.