João Adrião

A conta do fogo: e você, como a quer pagar? – João Adião

Não estamos a pagar a pronto um padrão aceitável de fogo – pagamos a prazo e com juros, uma elevada fatura que não apaga a dimensão trágica deste fenómeno recorrente… É assim que queremos fazer?

 

“Olhem para os vosso pastores, como eu olhei para os índios da América”
E.V.Komarek

Portugal é hoje um dos países com mais floresta na Europa. Uma situação recente: passámos dos 7% em meados do séc XIX (Andrada e Silva, 1815, Rebelo da Silva, 1874 ou Pery, 1875), para os actuais números a rondar os 40%. Este crescimento foi na sua esmagadora maioria impulsionado pelo sector privado. Com efeito, o desenvolvimento socioeconómico oitocentista, muitas vezes erradamente considerado como mais uma etapa de degradação, terá sido antes, o incentivo que motivou a expansão florestal. O aumento abrupto do valor de mercado levou à aposta no Pinheiro-bravo, a norte, (para fornecer madeira, postes, resina, lenha, para milhares de kms de rede telegráfica, linha férrea e suas locomotivas, etc) e no Sobreiro, a sul (com a cortiça a ganhar projecção com a invenção da rolha e a expansão do sector vinícola).

No sul, não só a cortiça, mas igualmente quer a valorização da pecuária (maior procura citadina por carne, exportação de lã) quer as políticas proteccionistas aos cereais, resultaram na expansão dos Montados, enquanto sistemas agro-silvo-pastoris, um 3 em 1! O fogo, na vigência deste modelo, não é uma ameaça. E o modelo vai-se mantendo, porque continuamos a produzir muito e bom vinho, porque a cortiça soube explorar novos mercados, caso da moda, porque toda a nossa produção de vacas cobre apenas metade da procura, porque o pão continua a fazer parte do nosso quotidiano. Assim, enquanto pagamos estes produtos, estamos também a pagar a pronto uma paisagem resistente ao fogo.

 


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