José Rafael Marques da Silva

Desafios da Agricultura de Precisão em análise

Autor de vários artigos científicos publicados em revistas internacionais, José Rafael Marques da Silva, professor do Departamento de Engenharia Rural da Escola de Ciências e Tecnologia da Universidade de Évora e investigador do Instituto de Ciências Agrárias e Ambientais Mediterrânicas (ICAAM) tem incidido a sua investigação na agricultura de precisão.

O também fundador da Agroinsider, uma Spin Off da Universidade de Évora que tem o seu foco na área da Agricultura de Precisão, realça, entre outros aspetos que “este modelo de agricultura é muito exigente do ponto de vista técnico, contudo, quando bem praticado, pode proporcionar retornos do investimento muito elevados ao empresário agrícola”.

Envolvido no projeto SOIL4 EVER – Aumento da produtividade do regadio através do uso sustentado do solo -, a equipa de investigadores pretende desenvolver até 2021 uma plataforma WebGIS (Sistema de Informação Geográfico online) para o estado de salinidade do solo, de modo a contribuir para o aumento da consciencialização face a este risco de degradação do solo e promover o uso de práticas agrícolas sustentáveis. A plataforma WebGIS integrará os resultados da extrapolação dos modelos para o perímetro da Barragem do Roxo, validados com os dados monitorizados nas áreas experimentais, e fornecerá soluções adequadas para diferentes casos, de modo a minimizar os riscos de salinização do solo e maximizar o rendimento das culturas.

Consciente da necessidade de um trabalho articulado entre a ciência e os novos modelos de agricultura, aliado a uma visão empreendedora, José Rafael Marques da Silva acredita que os alunos do mestrado em Tecnologias de Agricultura de Precisão da Universidade de Évora, curso em associação com a Universidade Nova de Lisboa, “irão seguramente conceber sistemas mais sustentáveis e resilientes, sejam eles mais ou menos intensivos, pois é esse o caminho e a visão que as gerações mais jovens desejam seguramente trilhar”.

Universidade de Évora (UÉ): O que é a Agricultura de precisão?      

José Rafael Marques da Silva (JRMdS): Existem definições mais complexas e menos complexas. Gosto particularmente de uma delas, por ser simples, e que diz o seguinte: A agricultura de precisão permite fazer uma diferenciação do objeto de estudo, de forma a tratar cada qual de maneira personalizada, promovendo assim sistemas produtivos mais sustentáveis do ponto de vista económico, ambiental e social, usando para tal modelos agronómicos robustos e tecnologias resilientes. 

UÉ: Que vantagens apresenta este modelo de agricultura?

JRMdS: Neste modelo de agricultura sobressai uma visão de empreendedor e não de agricultor, como tal, competências na área da economia e da gestão aplicadas são fundamentais ao exercício deste tipo de agricultura. Trata-se de um modelo de agricultura muito exigente do ponto de vista técnico (Economia, Agronomia, Ambiente, Tecnologia…), contudo, quando bem praticado, pode proporcionar retornos do investimento ao empresário agrícola muito elevados.

UÉ: Como está desenhado o Mestrado em Tecnologias em Agricultura de Precisão da Universidade de Évora?

JRMdS: Este mestrado é um mestrado em Associação com a Universidade Nova de Lisboa, mais especificamente com a Faculdade de Ciências e Tecnologia desta Universidade, onde são valorizadas competências de base na área ambiental e agroindustrial. Por sua vez a outra metade do tempo letivo do mestrado é desenvolvido na Universidade de Évora, onde as competências técnicas na interface entre agricultura e tecnologia são amplamente desenvolvidas. Ambas as universidades têm laboratórios e projetos de investigação na área científica do mestrado e como tal propiciam uma experiência pedagógica e cientifica inesquecível aos seus alunos.

UÉ: Que respostas pretende dar esta formação aos desafios da área?

JRMdS: Se olharmos para os 9 objetivos da nova Política Agrícola Comum (PAC) apercebemo-nos rapidamente que as competências formativas atuais já não são suficientes, pois novas competências são exigidas aos agricultores e aos técnicos que os assessoram, nomeadamente, competências na área da produção, da qualidade e segurança alimentar, da preservação do ambiente e da biodiversidade, já para não falar da gestão da paisagem (incluindo o carbono) e dos seus impactos sobre os ecossistemas.

UÉ: Quais são os fatores diferenciadores deste curso?

JRMdS: Destaco o corpo docente altamente qualificado em duas instituições universitárias de referência na área científica em causa, bem como o conjunto vasto de publicações internacionais em revistas de impacto internacional na área científica da agricultura de precisão. Por outro lado, um vasto conjunto de projetos de investigação aprovados na área científica do curso e ainda a grande ligação ao meio empresarial através da proximidade a grandes empresas produtoras de alimentos ou a empresas tecnológicas (startups e spin offs) da área científica do curso. É sem dúvida uma formação muito sólida na qual sobressai o factor experiência.

UÉ: Em que sentido é que a tecnologia, nomeadamente os processos de digitalização e monitorização das produções, podem beneficiar o setor agrícola?

JRMdS: A digitalização da agricultura propiciará em muito a utilização de alguns automatismos que até há bem pouco tempo estavam vedados à maioria dos seres humanos, quer pela dimensão dos problemas, quer pelo tempo útil disponível para os resolver. Ou seja, a digitalização da agricultura propiciará a utilização de técnicas de inteligência artificial que irão seguramente surpreender nos próximos anos pela capacidade que têm de encontrar respostas para muitas das questões complexas e difíceis da atualidade produtiva.

UÉ: Como pode a tecnologia desencadear novas cadeias de valor?

JRMdS: Até há bem pouco tempo a tónica societária centrava-se em como produzir alimentos ao menor custo possível, atualmente, a sociedade começa a valorizar mais a ecologia que a economia, nomeadamente quando se avizinha a era da robotização na agricultura onde o atual custo do trabalho passa a ser quase irrelevante. O sector agrícola deixará de ser visto com um sector que apenas produz alimentos e passará a ser visto muito rapidamente como o sector guardião de todo um ecossistema frágil e decisivo na manutenção da espécie humana. Nesse sentido, a atual cadeia de valor entre produtores e consumidores será bem mais complexa e com outro tipo de produtos/valores associados, pois os produtores de alimentos deixarão de ser apenas produtores de alimentos e passarão a ser produtores de outro tipo de ativos fundamentais às sociedades futuras, nomeadamente sequestradores de carbono; promotores de maior biodiversidade; preservação de paisagens dinâmicas e resilientes, etc…  

UÉ: Pode a Agricultura de Precisão dar resposta ao aumento de produtos biológicos?

JRMdS: A robotização da agricultura, nomeadamente ao nível dos nano-robots, irá seguramente dar resposta a um conjunto de atuais problemas que proporcionarão uma maior qualidade e segurança alimentar futura.  

UÉ: Dentro desta área, que projetos/estudos/investigações efetuadas na Universidade de Évora destacaria?

JRMdS: Destaco os projetos que relacionam os sensores geoelétricos com o solo e a gestão da sua fertilidade, bem como os projetos que associam o uso das imagens de satélite da agência espacial europeia com a gestão do solo, da água e das plantas. Por outro lado, são também importantes os projetos que relacionam os sensores multiespectrais próximos e sensores remotos com a estimativa da produtividade e da qualidade das culturas e os projetos que conjugam os satélites meteorológicos de segunda geração com a zonagem de doenças e pragas nas culturas agrícolas. E não esquecendo ainda os projetos que estudam a aplicabilidade dos sensores IoT em agricultura e os projetos que utilizam técnicas de monitorização e fiscalização remota no que toca à gestão florestal e ao sequestro de carbono, entre outros.

UÉ: Que resultados foram entretanto alcançados através do projeto SOIL4 EVER e que benefícios trouxe ou são esperados para os agricultores?

JRMdS: O uso sustentado do solo é fundamental na manutenção da sustentabilidade de qualquer atividade humana, seja como depurador da água dos aquíferos que usamos, seja como digestor de muita matéria orgânica que não utilizamos (resíduos de ETARs e outros), seja como reservatório de carbono que não emitimos, seja como suporte físico para o desenvolvimento de alimentos, fibras e energia de que necessitamos, etc. Hipotecar a sua capacidade produtiva é hipotecar a sustentabilidade e resiliência da espécie humana, nomeadamente em períodos de mudanças climáticas.

UÉ: De que forma pode a Agricultura de Precisão favorecer a negociação direta e o diálogo entre produtores e comerciantes?

JRMdS: Eu diria que o tipo de agricultura que menciona já não é propriamente, por definição, Agricultura de Precisão, pois esta última está mais focada à otimização dos processos produtivos no espaço rural e dentro das quintas ou herdades. À agricultura que tenta otimizar processos em toda a cadeia de valor (Produtor – Consumidor) dá-se normalmente o nome de Agricultura Inteligente (“Smart Farming”). Este tipo de agricultura irá seguramente surgir muito rapidamente pelo efeito das redes sociais, pois a redistribuição do poder na cadeia de valor é fundamental para os agricultores, uma vez que a maior parte do valor da cadeia de valor não está na produção, mas sim na comercialização e distribuição. Nesse sentido, os agricultores ou as suas associações têm todo o interesse em cortar intermediários na cadeia de valor, contudo, este tipo de agricultura é bem mais exigente no que toca à transparência dos processos produtivos, bem como, à qualidade e segurança alimentar.

UÉ: Que avanços e potencialidades da Agricultura de Precisão foram registados nos últimos anos no nosso país?

JRMdS: Os chamados “Front runners” já se encontram a beneficiar das tecnologias de agricultura de precisão, contudo mudar processos é sempre difícil e em agricultura ainda mais. Todavia algumas técnicas já se vulgarizaram de forma muito rápida, nomeadamente: i) a distribuição de fatores de produção pelo uso do balizamento eletrónico através de GNSS (“Global Navigation Satellite Systems”); ii) o uso do Auto guiamento nos tratores; iii) o uso de sensores geoelétricos na elaboração de cartas de condutividade elétrica aparente do solo; iv) o uso de imagens de satélite e/ou de drones na monitorização e inspeção de culturas agrícolas; v) o uso de sensores na gestão de parâmetros do solo e/ou outros…

UÉ: Estão os agricultores portugueses preparados para a crescente utilização de tecnologia?

JRMdS: Tal como mencionei anteriormente, mudar processos não é fácil, nesse sentido a limitação é mais do foro humano do que propriamente do foro tecnológico. Por outro lado, a preparação implica também novos conhecimentos e atualizações e, nesse sentido, julgamos fundamental a formação permanente pois temos consciência que as exigências vão ser sempre crescentes. Em resumo, não é um caminho fácil pois é um tipo de agricultura com um nível técnico muito elevado, contudo, como diz o ditado, «para trás nem para tomar balanço».

UÉ: Que impactos são esperados na região do Alentejo?

JRMdS: Existem fundamentalmente 3 tipos de barreiras para a adoção deste tipo de tecnologias: i) o custo; ii) o conhecimento; e iii) a confortabilidade. Penso que estamos numa fase em que o custo já não é propriamente uma barreira, contudo o conhecimento sim e a confortabilidade também. O conhecimento resolve-se, pois é possível resolver a sua ausência com formação contínua ao longo da vida, contudo, a confortabilidade é bem mais difícil de eliminar já que está associada a processos que muitas vezes não dependem do próprio. Um exemplo claro tem a ver com as próprias subvenções da PAC, que normalmente trazem muita confortabilidade associada. Se a futura PAC apresentar instrumentos que estimulem a adoção deste tipo de técnicas não tenho dúvida que as mesmas serão adotadas pelos agricultores e que os impactos serão relevantes, vencendo assim a barreira do conhecimento.

UÉ: Como avalia a discussão em torno da agricultura intensiva e superintensiva – das vantagens e desvantagens -, nomeadamente no Alentejo e que papel tem a Agricultura de Precisão para minimizar eventuais riscos/desvantagens dos primeiros?

 JRMdS: Muitos dos argumentos utilizados em discussão relativamente a estes temas são normalmente baseados em aspetos meramente emocionais e pouco técnicos. Pessoalmente prefiro um sistema intensivo, mas que use todos os fatores de produção dimensionados para as suas necessidades, do que um sistema menos intensivo e que não use todos os fatores de produção dimensionados para as suas necessidades. Dou um exemplo: imagine duas parcelas uma ao lado da outra; uma, mais intensiva, foi-lhe administrada a quantidade de 100 unidades de azoto (N) por hectare, outra, menos intensiva foi-lhe administrada uma quantidade de 50 unidades de azoto por hectare, pois tinha metade das árvores da anterior. A primeira produziu 100 unidades de produto por hectare enquanto que a segunda apenas produziu 30 unidades de produto por hectare. Face ao exposto posso-lhe devolver a pergunta, qual é que apresentou maior impacto ambiental? A primeira, ou a segunda? Do ponto de vista da utilização do nutriente azoto (N) aquela que foi mais eficiente foi a primeira, pois utilizou o fertilizante numa razão de 1 (100/100), ou seja, consumiu mais, mas também produziu mais, enquanto a segunda utilizou o fertilizante azotado numa razão de 0.6 (30/50), ou seja, só consumiu parte do seu potencial máximo de consumo, a outra parte perdeu-se nas linhas de água ou nos aquíferos tendo por isso sido mais ineficiente na utilização do nutriente azotado. Neste caso o sistema menos intensivo é o que provoca maior impacto ambiental no que toca à utilização do nutriente azoto. Em resumo, a resposta nunca poderá ser linear pois existem sistemas intensivos que provocam grandes impactos ambientais, contudo, também existem sistemas menos intensivos que provocam tanto ou mais impactos ambientais que os primeiros. Acredito que os alunos do mestrado em Tecnologias de Agricultura de Precisão da Universidade de Évora em associação com a Universidade Nova irão seguramente conceber sistemas mais sustentáveis e resilientes, sejam eles mais ou menos intensivos, pois é esse o caminho e visão que as gerações mais jovens desejam seguramente trilhar.

O artigo foi publicado originalmente em UÉvora.


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