Excesso de cabrito e leitão não faz baixar o preço na Páscoa

Há condições de mercado para que, nesta Páscoa, o preço de cabrito e leitão baixem, dado o excesso de oferta, decorrente do fecho do canal Horeca (hotéis, restaurantes e cafés). No entanto, uma ronda pelo comércio permite concluir que não será assim. Os preços ao público estão inalterados, com prejuízo para os criadores.

“Um cabrito de dez quilos está a ser pago ao produtor por 3,2 euros por quilo, quando o normal, nesta época, é 3,5 euros”, lamenta Joaquim Capoulas, presidente da Associação de Produtores de Bovinos, Ovinos e Caprinos da Região de Montemor-o-Novo.

A premissa de que se um talho compra mais barato vende mais barato não se aplica. Segundo Marinela Lourenço, presidente da Associação de Comerciantes de Carne do Concelho de Lisboa e Outros, “o preço do cabrito ao público está igual ao do ano passado por esta altura, nos 14,98 euros por quilo”.

“O cabrito não dá para congelar”, explica Marinela Lourenço, opinião que é defendida também por Joaquim Capoulas: “Também não dá para deixá-los chegar a cabras para produção de leite. O fecho dos restaurantes levou à paragem de pequenas queijarias que compravam o leite aos criadores, deixando-os cheios de prejuízo.

A ministra da Agricultura, Maria do Céu Albuquerque, citada pela Confagri, considera que, apesar de muitas famílias não se puderem juntar na Páscoa, não há razão para não continuarem a consumir o cabrito, “para comprar na mesma”, ou mesmo “comprar para congelar”, como forma também de “ajudar quem o alimenta”.

250 mil leitões para abate
Se a opção for para o leitão, o cenário é semelhante: “Os produtores não sabem como escoar. Estão à procura de uma solução”, afirma Vítor Menino, presidente da Federação Portuguesa de Associações de Suinicultores. Está fora de causa encaminhar os leitões para engorda, por serem “raças locais, não têm características genéticas que permitam a sua engorda, pelo que a única solução é abater os animais e congelar as carcaças”.

A federação prevê a necessidade de abater e congelar 250 mil leitões e, para isso, pede ao governo uma linha de crédito no valor de 40 euros por leitão, “para garantir um preço mínimo e permitir o abate e o congelamento de carcaças por seis meses, o que totalizará uma linha de dez milhões de euros”.

Cerca de 20% dos porcos abatidos são leitões para assar. É mais de um milhão. São consumidos em restaurantes, só menos de 5% são vendidos diretamente ao público. A federação defende que terá de haver uma “resposta política com intervenção europeia, para o recurso à privada, com apoio, para regular o mercado”.

Quanto à venda ao público, a história é diferente. Contactos aleatórios permitiram concluir que o preço das refeições entregues em take-away custam o mesmo que há um ano. No caso do Rei dos Leitões, na Mealhada, apesar de ter oferecido 200 refeições a idosos, bombeiros e profissionais de saúde, as entregas para fora “mantêm o preço”. O mesmo acontece no João dos Leitões, em Águeda: “O preço é igual.”

Sobre a restante carne de porco, Marinela Lourenço refere que “o preço chegou a subir 16% na primeira semana de março, tendo estabilizado desde então”. Aquela subida terá ficado a dever-se “às oscilações do mercado externo, tendo em conta que 40% da carne de porco consumida em Portugal vem de Espanha”.

Preço constante na carne de vaca
Já se a opção for pela carne de vaca, a dirigente associativa assegura que o preço ao público se tem mantido constante. “Os talhos de rua são abastecidos pela produção nacional. As grandes superfícies têm necessidade de recorrer à importação, sobretudo da Polónia e da Argentina”, acrescenta.

No caso da Associação dos Criadores de Bovinos de Raça Alentejana, Pedro Espadinha, diretor técnico, constata haver uma “procura inferior ao normal” por animais vivos, um mercado muito apetecível para os espanhóis. “Como agora deixaram de vir para cá, não se vende tanto”, no entanto, ressalva que a carne alentejana com origem certificada se continua a “vender muito bem”.

Aves: vendas retraem-se e preço sobe
Na produção de carne de aves e ovos, a Federação Portuguesa das Associações Avícolas (FEPASA) adianta que o setor “tem mantido a sua atividade dentro dos níveis habituais”, mas assinala a quebra de encomendas do canal Horeca, entre 60% e 80%, “sem ter sido possível compensar”.

Marinela Lourenço admite ter havido “um aumento no preço, não por especulação, mas porque a maior parte do fornecimento vem de Espanha, em especial a carne de peru. Nos frangos, como não somos autossuficientes, o preço aumentou cerca de 30%”.

Segundo dados do setor, “a produção total de carne de aves até final de março, peso carcaça aprovada para consumo, poderá ter registado um ligeiro aumento que poderá variar até 1,5%. Se existiu um consumo superior, as empresas do setor terão recorrido à venda de uma parte do destinado a exportação”.

Apesar de o foco do setor ter vindo a ser “assegurar a autossuficiência do mercado nacional”, a exportação tem enfrentado um “abrandamento, face a incertezas de comportamento dos mercados e a constrangimentos na circulação de mercadorias, sobretudo, nos transportes aéreos, usado para o envio de ovos de incubação e aves do dia para países terceiros e para as ilhas dos Açores e Madeira”.

A Federação assinala que, “na última semana de março, assistimos a um abrandamento considerável da atividade e do consumo, que desejamos não ver prolongado no tempo, pois causaria prejuízos grave” e “obrigaria à destruição de parte dos efetivos em produção, para evitar excedentes e o desperdício de carne de aves e ovos de consumo”.

Por último, alerta para os “atrasos na entrega de material de embalagem, quer seja importado ou mesmo de produção nacional”, o que tem causado “dificuldades” inesperadas.

No caso da empresa Aviliz, a administradora Amélia Duarte confirma que, apesar do escoamento assegurado por via da grande distribuição, o encerramento do canal Horeca provocou uma “redução na produção”, o que implica “vender com perda”.

Ovos à espera da Páscoa
Os ovos são outro dos ingredientes indispensáveis na Páscoa. Mas nem todos os produtores estão satisfeitos, antes pelo contrário, no caso dos produtores de menor dimensão, que abastecem o canal Horeca, a situação de ausência de atividade é um problema. Já os grandes produtores abastecem a grande distribuição e, para esses, não há quebras na procura, apurámos junto de fontes do setor.

Manuel Sobreiro, administrador do Grupo CAC, refere que na empresa que dirige, o canal Horeca representa 40% do volume de negócios e, apesar de a grande distribuição ser o mercado principal, admite poder vir a “reduzir a produção”, para fazer face a algum excedente.

De acordo com a FEPASA, “existe a expectativa de uma pequena melhoria do consumo de ovos durante a época Pascal, caso não se verifique, haverá sérias dificuldades em colocar toda a produção existente no país”.

Encomendas de enchidos caem 80%
No setor da produção de enchidos e enlatados de carne há também “uma quebra de 80% nas vendas” pelo mesmo motivo, assinala Carlos Ruivo, presidente da Associação Portuguesa dos Industriais de Carnes, que pede às autarquias a reabertura dos mercados tradicionais, no respeito integral pelas normas de segurança sanitária, para assegurar o escoamento deste tipo de produtos”, lembrando que a situação “afeta igualmente os pequenos produtores de mel ou de compotas”.

Já para os grandes industriais, que fornecem as grandes cadeias de distribuição, o problema não se coloca, uma vez que, em alguns casos, “até têm aumentado a produção”.

Carne de coelho: antes fresca que congelada
Quanto à carne de coelho, a queda na venda na versão congelada só não teve um efeito pior para os produtores, porque “o setor orientou a produção para a carne fresca”, revelou Firmino Sousa, presidente da Associação Portuguesa de Cunicultura.

Quanto à forte corrida às compras no início de março, a associação admite que originou “alguns constrangimentos no abastecimento do mercado, tendo-se verificado mesmo falta de produto em alguns pontos de venda, que já se encontra regularizado, realçando-se o facto, de não se ter verificado qualquer aumento de preço, relativamente ao verificado na mesma época, no ano anterior”.

Tanto a importação como a exportação, quer de animais vivos, quer de carne de coelho, não está a sofrer qualquer constrangimento, garante Firmino Sousa. E para os apreciadores, a associação até remete para as 1001 receitas de coelho no carnedecoelhohoje.eu.

Rações: libertem-se os silos para os cereais
Para toda a pecuária fica a indicação de que “a produção de alimentos para animais está a decorrer dentro da normalidade”, embora a Associação Portuguesa de Alimentos Compostos para Animais (IACA) deixe alguns avisos ao governo.

Segundo Jaime Piçarra, secretário-geral da IACA, ultrapassados os constrangimentos provocados pela greve dos estivadores no porto de Lisboa e as dificuldades de acesso a três grandes unidade instaladas em Ovar, o setor considera urgente que o governo atue sobre os biocombustíveis, no sentido de promover uma maior incorporação de óleos de colza e de soja. O objetivo é aumentar o uso das sementes desses dois produtos, para que os silos onde estão a ser armazenadas (devido a uma redução da consumo de combustíveis e do uso alimentar) possam ser usados para reter outras matérias primas, como cereais.

Quanto aos preços das rações, Jaime Piçarra assegura que o setor não irá refletir na pecuária a volatilidade que tem acontecido nos mercados internacionais, desde logo, relacionados com questões logísticas na Europa ou com abastecimento no Brasil, Argentina e Estados Unidos. “No caso concreto dos cereais, temos verificado aumentos na ordem dos 5%, e nas oleaginosas (colza e soja) de 10 a 12%”, detalha Jaime Piçarra.

A médio prazo, a IACA receia que a dificuldade de escoamento de leitões e de algumas aves, bem como de gado caprino possam vir repercutir-se na indústria de rações. Por outro lado, para minimizar problemas, e dada a sua importância, o setor já pediu ao Governo para que as escolas também sejam abertas para os filhos dos trabalhadores do agroalimentar, à semelhança do que acontece para os profissionais da saúde e das forças de segurança.


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