David Vila Pires

Os efeitos da atual pandemia de COVID-19 na Estratégia da Biodiversidade da UE para 2030 – David Vila Pires

O plano estratégico da União Europeia para a Biodiversidade na próxima década, recentemente divulgado, é um projeto deveras ambicioso que visa, finalmente, valorizar a Biodiversidade, baseado na ideia de que “sociedades saudáveis e resilientes dependem de dar à natureza o espaço necessário.”

Se é certo que quase metade do PIB mundial, aproximadamente 40 mil milhões de €, depende diretamente dos recursos naturais, e tendo em conta a situação sanitária global que atravessamos, torna-se cada vez mais relevante enaltecer o gigantesco valor socioeconómico dos serviços dos ecossistemas, que vão do provisionamento – seja de alimentos, materiais ou energia –, aos serviços de manutenção e regulação – que promovem a estabilização do clima local e global, regulação da qualidade da água e do ar, controlo de doenças e reciclagem de nutrientes, entre outros –, passando pelos serviços culturais, associados ao bem-estar das populações, como parques naturais, jardins, rios e lagos, etc. Com efeito, no documento pode ler-se que “a pandemia está a aumentar a consciencialização sobre a relação entre a nossa própria saúde e a saúde dos ecossistemas.”

Com a expansão galopante da população humana e o declínio vertiginoso da Biodiversidade em todo o mundo, é fundamental reestruturar os alicerces da sociedade, cada vez mais assente num consumo desenfreado e pouco consciente da pressão exercida sobre os recursos do planeta. E é precisamente esta a oportunidade que nos traz a pandemia de COVID-19, causada pelo coronavírus SARS-CoV-2: o confinamento, mais ou menos obrigatório, por todo o planeta obrigou-nos a alterar as nossas rotinas e a refletir sobre o estilo de vida que tínhamos antes desta pandemia. A verdade é que a fragmentação de habitats, associada principalmente à expansão humana, e a crescente proximidade com a vida selvagem nos tornam cada vez mais vulneráveis a novas doenças zoonóticas e às suas consequências. A Comissão Europeia considera que “proteger e restaurar a biodiversidade e o bom funcionamento dos ecossistemas são, portanto, medidas essenciais para aumentar a nossa resiliência e impedir o surgimento e a propagação de doenças futuras.”

Tudo o que vivemos desde dezembro de 2019 está intimamente ligado ao declínio da Biodiversidade e, portanto, será cada vez mais indispensável investir na proteção e restauro dos ecossistemas, condição decisiva para a recuperação económica mundial e, particularmente, da economia da União Europeia. “Ao relançar a economia, é crucial evitar recuar e prendermo-nos a velhos hábitos prejudiciais” é uma das ideias-chave deste plano estratégico. A meu ver, será igualmente determinante apostar em investigação fundamental e aplicada, através de projetos inovadores baseados nos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável das Nações Unidas. Por sua vez, a transferência de conhecimento científico e tecnológico impulsionarão práticas agrícolas mais sustentáveis, reduzindo o uso excessivo e descontrolado de pesticidas de síntese e outras substâncias nocivas para a diversidade biológica e saúde do solo. Estas práticas levarão, ainda, a um reajuste de normas e fiscalização mais apertada do uso abusivo e pouco escrupuloso de antibióticos no setor de produção animal. Será também necessário implementar programas de conservação da fauna e flora locais e globais, envolvendo as populações nestas iniciativas, e tentar encontrar formas de fazer prosperar, cada vez mais, a economia circular na nossa sociedade. Tal como se lê no documento, “a perda de biodiversidade e o colapso dos ecossistemas são das maiores ameaças que a humanidade enfrenta na próxima década.”

Dada a urgência em implementar estas medidas, a União Europeia projeta ir bem mais além de 2030: “esta ambição deve ser o ponto de partida para que, até 2050, todos os ecossistemas do mundo sejam restaurados, resilientes e adequadamente protegidos.”

Como vimos nestes últimos meses, tudo o que acontece na natureza tem consequências diretas no nosso modo de vida, na nossa saúde e bem-estar. Será então crucial reestabelecermos uma ligação com o mundo natural, criando uma sinergia com a Biodiversidade e não uma relação antagónica com ela, e repensarmos os nossos hábitos de consumo e o futuro que queremos deixar às próximas gerações.

David Vila Pires

Licenciado em Biologia-Geologia e Mestre em Ecologia pela Universidade do Minho, e investigador em ciências agrárias.


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