Manuela Varela

Vamos juntar e não separar – Manuela Varela

Temos assistido ao longo do tempo a uma revolta e a um sentimento de injustiça por parte dos agricultores, que a pandemia do Covid-19 veio reacender.

Conscientes do papel que desempenham na alimentação da sociedade, não percebem como é que é possível que isso não seja percepcionado por aqueles que de si dependem.

Perante este cenário culpam-se os ambientalistas, que através das suas posições extremadas e sem conhecerem a realidade agrícola impõem as suas convicções. No entanto, temos que admitir que as suas ideias vão criando raízes junto das grandes urbes, num processo irreversível. O fosso criado entre estes defensores de uma alimentação saudável e ambientalmente sustentável e os agricultores, os produtores destes alimentos, é cada vez maior. Os agricultores recusam admitir esta realidade e estão tentados em reconverter esta situação, através de mais e melhor divulgação do benefício da sua actividade, mas se continuarem a insistir no antigo padrão irão dar a imagem de um sector retrógrado, que se recusa aceitar os problemas ambientais e os interesses dos consumidores.

O mundo agrícola tem que ter consciência que este movimento colhe a simpatia da população e que toda a oposição só contribui para a descredibilização dos sectores agrícola e pecuário.

Ao longo dos tempos temos verificado que não são os mais fortes que sobrevivem, mas os que melhor se conseguem adaptar.

Os agricultores já percorreram um longo caminho impulsionados pelas medidas que lhe foram impostas, estas influenciadas pelos ambientalistas que se anteciparam e passaram a controlar a política agrícola.

Está na altura de a agricultura ocupar o lugar que lhe pertence como a primeira interessada em defender a natureza e em alimentar a população, em vez de se alhear do seu papel e criar uma oposição aos que estão ao lado do ambiente e zelam pelos consumidores junto da opinião pública. Cabe aos agricultores erguerem o estandarte da alimentação saudável, articulando aquilo que os consumidores desejam e aquilo que é, na prática e de acordo com a sua experiência, possível.

A agricultura não se pode dissociar da alimentação, nem das exigências alimentares da população, as quais, inclusivamente, começam a ser valorizadas dentro da comunidade médica. Como é que o principal sector, aquele que produz os alimentos, não assume o papel de principal defensor dos consumidores e do ambiente? Trata-se, apenas, de uma questão de como se posicionam no mercado e como podem ser vistos pela população em geral.

As mudanças vão realizar-se, quer se goste ou não, pois nunca os consumidores tiveram estes slogans tão presentes: ”Somos aquilo que comemos” ou, como dizia Hipócrates – considerado o pai da Medicina –, “Que o teu remédio seja o teu alimento, e que o teu alimento seja o teu remédio”.

O mais sensato é que sejam os agricultores a liderar o processo produzindo de acordo com as novas exigências dos consumidores (aumento do valor nutritivo dos alimentos, em substituição dos suplementos, redução de glúten, etc.), fazendo uma forte divulgação junto da opinião pública.

Pois, produzir mais para alimentar a população e oferecer produtos a preços acessíveis foi um conceito da PAC nos anos 80, o que provocou uma produção excedentária na Comunidade Europeia. Desde os anos 90 que passaram a existir incentivos para produzir de uma maneira mais sustentável, pelo que talvez tenha chegado a altura de produzir com mais qualidade, produtos com valor acrescentado e fazê-lo garantindo o rendimento dos agricultores. Para isso é necessário que os sectores agrícolas se unam num trabalho conjunto de conhecimento, das necessidades dos consumidores, de novas práticas de produção e de capacidade de comunicação junto da sociedade.

Vamos juntar e não separar!

Manuela Varela
Engª Agrónoma


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