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Incêndios rurais em Portugal: 4 fatores centrais e uma nova visão

Existem quatro fatores centrais que estão a aumentar o risco de incêndio, não apenas em Portugal, mas em toda a zona mediterrânica da Europa. Saiba o que podemos mudar.

A expansão e abandono das áreas florestadas, os aumentos da carga combustível, das ignições e da temperatura, assim como a irregularidade da precipitação são apontados pelo European Forest Institute e por Beighley e Hyde, responsáveis pelo relatório Gestão de Incêndios Florestais numa Nova Era (2018), como fatores determinantes para a ocorrência de incêndios rurais catastróficos. Fique a conhecê-los em maior detalhe.

1. Expansão e abandono das áreas florestadas.

A área florestal aumentou gradualmente desde o início do século XX . No entanto, a partir dos anos 40-50 observaram-se os primeiros sinais de abandono rural em Portugal, como resultado da diminuição de rendimento agrícola. A paisagem rural tradicional, constituída por mosaicos de vegetação quase desaparece. As zonas-tampão à volta das aldeias, com hortas, pomares e pastos, vão sendo abandonadas e criam um contínuo de vegetação que leva o fogo até às aldeias. O envelhecimento da população rural agudiza o problema, tornando-o estrutural no espaço rural. Há milhares de hectares, divididos em pequenas parcelas de áreas de floresta e matos, deixados ao abandono. Muitos proprietários não têm condições para investir na gestão florestal.

As zonas com mais ignições são aquelas que estão mais densamente povoadas, perto de grandes centros urbanos, enquanto as maiores áreas ardidas se encontram em zonas elevadas, de terreno acidentado, com grande homogeneidade da paisagem e fracamente povoadas.

2. Aumento da carga de combustível (vegetação) e sua continuidade.

Com muitas zonas rurais abandonadas ou sem gestão, proliferam os matos e as plantas invasoras, e acumulam-se no solo folhada seca e combustíveis finos, que funcionam como rastilho em caso de incêndio. Em 2012, cerca de 25% do território rústico (matos, incultos e áreas dispersas) estava abandonado e sem gestão.

Para além disso, o crescimento de matos por baixo das copas das árvores cria uma continuidade vertical na vegetação que facilita a passagem do fogo para as copas, aumentando a intensidade dos incêndios.

3. Aumento do número de ignições relacionadas com causas humanas.

Embora em Portugal a densidade de ignições e a área ardida estejam espacialmente desencontradas, os incêndios continuam a ter origem, na sua maioria, causas humanas.

Fonte: Relatório O Mediterrâneo Arde (2019), WWF

4. Aumento da temperatura e irregularidade da precipitação

Têm-se registado cada vez mais fenómenos meteorológicos extremos, com períodos prolongados de tempo quente e seco associados a fenómenos de vento. Algumas destas ocorrências estão a acontecer fora daquela que é chamada, tradicionalmente, a época de risco de incêndios (julho a setembro) e têm contribuído para incêndios maiores (em extensão e intensidade) na primavera e no outono. Em simulações efetuadas no âmbito do projeto SIAM, foi previsto um prolongamento da época de incêndios para o outono.

Em 2017, por exemplo, os dois incêndios mais devastadores em Portugal aconteceram em junho e outubro. Outubro foi o mês mais crítico devido à secura acumulada de fim de verão e à ocorrência do furacão Ofélia que trouxe ventos fortes e secos. Este foi, aliás, o mês responsável por mais de metade da área total ardida em 2017: 53,5% segundo o relatório do European Fire European Forest Fire Information System (EFFIS).

A temperatura, a humidade relativa e a velocidade do vento definem o risco de incêndio. O risco de incêndio torna-se elevado ou crítico quando a temperatura do ar é superior a 30.° C, a humidade relativa é inferior a 30% e a velocidade do vento é superior a 30 Km/h. A capacidade de extinção de incêndio nestas condições é diminuta, embora dependa também dos meios operativos disponíveis e da intensidade da frente.

Um estudo publicado nos finais de 2018 sugere que, mesmo que se cumpra o Acordo de Paris e o aumento de temperatura fique pelos 1,5°C, a superfície queimada nos países europeus de clima mediterrânico aumentará 40% face aos valores atuais. Se a temperatura aumentar em 3°C, a área ardida anualmente irá duplicar.

A estes quatro fatores, acresce o facto de, durante muito tempo, Portugal ter privilegiado o combate em detrimento da prevenção, com custos elevados todos os anos. O relatório da WWF sobre os incêndios na Europa mediterrânica indica que, em Portugal, o orçamento investido na luta contra os incêndios se tem dividido em 74% para extinção e 26% para prevenção (números estimados, já que não há dados oficiais com valores exatos).

Nova Era de incêndios exige o envolvimento de todos

Atualmente, é preciso uma nova visão, com foco em estratégias de longo prazo para a gestão florestal e a prevenção de incêndios.

O novo regime de incêndios que se regista na Europa e em especial nos países de clima mediterrânico mostrou que os incêndios são consequência da paisagem que herdámos, fruto da alteração de uso do solo. São um problema social, sendo a atividade humana a sua principal causa e também a sua potencial solução. A extinção dos incêndios é uma resposta a curto prazo que não resolve o problema. É preciso uma nova visão, envolvendo os diversos intervenientes no espaço rural, para:

  • Alterar comportamentos que envolvem o uso do fogo, de forma a evitar as ignições (por exemplo, através de políticas, de sensibilização ou de sanções);
  • Orientar os esforços para a prevenção, com reforço da consciência e preparação da população. A prevenção facilita a extinção e a preparação pode diminuir os impactes;
  • Promover a gestão integrada do fogo, com o objetivo de minimizar os danos potenciais e maximizar os seus benefícios;
  • Promover a gestão mais efetiva dos incêndios, baseada na tomada de decisão com base no risco. É necessário partilhar e considerar informação sobre o comportamento do fogo, os efeitos das alterações climáticas, entre outras;
  • Desenvolver políticas coerentes para resolver os conflitos socioeconómicos e de alterações de uso do solo, promovendo a gestão agrupada do território;
  • Aumentar a resiliência da paisagem, por exemplo, ao promover a diversidade de mosaicos de vegetação, identificar zonas de alto risco de incêndio, diminuir a carga combustível e a sua continuidade;
  • Melhorar as capacidades de combate e salvamento por parte dos primeiros a responder em situação de emergência. A deteção rápida de um foco de incêndio é fundamental;
  • Adaptar as políticas europeias às características nacionais e locais, sendo fundamental definir/coordenar funções, responsabilidades e tarefas das múltiplas entidades envolvidas na gestão do fogo;
  • Promover e melhorar mecanismos de ajuda internacional na luta contra incêndios.

A resposta a estes desafios implica compromissos concertados, que envolvem o poder central e local, mas também as populações. As estratégias devem incidir fundamentalmente na prevenção e gestão de fatores estruturais complexos, como a ocupação e uso do solo, o êxodo rural, o abandono das terras agrícolas, a fragmentação da propriedade e o envelhecimento da população. É também fundamental criar bases científicas e tecnológicas para definir novas práticas e políticas de gestão integrada do fogo, assim como definir mecanismos eficazes de transferência de conhecimento.

Para garantir a sustentabilidade económica desta visão, há que tirar partido das oportunidades fornecidas pela bioeconomia e usar o retorno obtido para investir na gestão responsável do espaço rural. Uma paisagem mais diversa, com ocupações e idades variadas, resiste melhor ao fogo.

O artigo foi publicado originalmente em Florestas.pt.


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