Observatório técnico independente

Três anos após Pedrógão: onde estamos e onde queremos chegar?

NOTA INFORMATIVA 2/2020

O dia 17 junho de cada ano foi, por decisão da Assembleia da República em 2019, na sequência de iniciativa do seu Presidente, Dr. Eduardo Ferro Rodrigues, consagrado como o Dia Nacional em Memória das Vítimas dos Incêndios Florestais.

O Observatório Técnico Independente associou-se de imediato a esta iniciativa da Assembleia da República, com a profunda convicção de que a criação deste Observatório se insere no processo de construção de melhores soluções que permitam minimizar as consequências dos grandes incêndios florestais e impeçam a repetição das tragédias de 2017.

Assim, não poderia o Observatório deixar de, nesta oportunidade, prestar de novo homenagem à Memória das Vítimas dos Incêndios Florestais e de dar a conhecer a sua visão coletiva sobre o caminho que foi feito e o que, na opinião deste Observatório, falta fazer.

O sobressalto cívico de 2017 e a obrigação de encontrar respostas

Os acontecimentos de junho e outubro de 2017 representam um momento de viragem na forma como a sociedade e o poder político interpretam os incêndios florestais. As mais de uma centena de vítimas mortais verificadas então, provocaram um sobressalto cívico sem antecedentes, obrigando a que fossem levantadas todas as questões e exigidas todas as consequentes respostas.

Uma das respostas mais determinantes foi a criação pela Assembleia da República de uma Comissão Técnica Independente (CTI) para avaliação independente dos incêndios ocorridos em junho de 2017. O Relatório produzido por esta CTI foi entregue na Assembleia da República a 12 de outubro de 2017, apontando falhas estruturais e operacionais no modelo de prevenção e combate aos incêndios florestais e ao Sistema de Proteção Civil que ficaram expostas durante os incêndios de junho. As fragilidades do sistema voltaram a evidenciar-se de forma dramática poucos dias depois, nos incêndios de 14 a 16 de outubro de 2017.

Logo a 21 de outubro de 2017 o Conselho de Ministros aprova uma Resolução (RCM) em que, com base no Relatório da CTI e noutros estudos, resolve “adotar um conjunto de medidas sólidas que configuram uma reforma sistémica na prevenção e combate aos incêndios florestais”, indicando que tal reforma deveria “ser profunda, nos termos propostos pela CTI, mas levada a cabo sem ruturas, contando com a intervenção e valorizando todas as instituições que têm assegurado o Dispositivo contra Incêndios Florestais”. Para permitir uma ação coordenada das entidades envolvidas e a instalação do Sistema de Gestão Integrada de Fogos Rurais (SGIFR), o Governo decidiu criar uma Unidade de Missão cuja continuidade seria assegurada pela Agência para a Gestão Integrada de Fogos Rurais (AGIF), na sequência das recomendações formuladas pela CTI.

Entretanto, a Assembleia da República, como consequência dos incêndios de outubro de 2017, recria a CTI e depois, pela Lei nº 56/2018 de 20 de agosto, cria o Observatório Técnico Independente para “análise, acompanhamento e avaliação dos incêndios florestais e rurais que ocorram no território nacional” o qual, a partir da sua criação, procedeu à avaliação do Sistema de Proteção Civil no âmbito dos Incêndios Rurais bem como à elaboração de diversos Estudos Técnicos e Notas Informativas nesse mesmo âmbito.

Chegados a junho de 2020, impõe-se ao Observatório uma reflexão sobre o caminho percorrido nos últimos três anos, na perspetiva da avaliação da sua eficácia e eficiência perante os objetivos definidos para a defesa da floresta portuguesa face ao risco de incêndio e ao potencial de dano, humano, material e ambiental que, de forma dramática, o ano de 2017 revelou.

Houve na realidade uma mudança no sistema?

Na resposta do Governo ao desastre de 2017 a RCM apontava para uma mudança de modelo, que deveria assentar no SGIFR, subdividido em duas componentes interdependentes e complementares: a Gestão de Fogos Rurais, orientada para a defesa dos espaços florestais, e Proteção Contra Incêndios Rurais, orientada para a salvaguarda das pessoas e bens.

Adotava-se o princípio da aproximação entre prevenção e combate e, logo em março de 2018, era aprovada uma Diretiva Única de Prevenção e Combate para uma maior coordenação do dispositivo operacional durante todo o ano. O caminho parecia estar a iniciar-se.

A concretização da nova orientação política deveria ser coordenada pela unidade de missão e depois pela AGIF. A essa entidade caberia coordenar a elaboração e execução de um novo Plano Nacional de Gestão Integrada de Fogos Rurais (PNGIFR), a aprovar até abril de 2018. No entanto, passados mais de dois anos após a data esperada de aprovação do PNGIFR o País não dispõe ainda desse Plano. Foi preciso esperar por fevereiro de 2020 para se conhecer e se poder discutir os documentos de Estratégia e de Cadeia de Valor, que estão longe de constituir o esperado Plano. O Observatório produziu um Relatório sobre a Estratégia 20-30 do PNGIFR com um conjunto de considerações e sugestões. A Estratégia e a Cadeia de Valor terão sido aprovadas pelo Governo no passado dia 21 de maio, mas falta ainda definir, discutir e aprovar as restantes peças essenciais para completar o esperado PNGIFR, que clarifiquem, por exemplo, a governança, a monitorização e a avaliação do sistema, fundamentais na construção da sua arquitetura, e as peças para a sua operacionalização, um Programa de Ação com definição de metas e indicadores mensuráveis, recursos e responsabilidades, que se espera sejam disponibilizados em setembro ou outubro de 2020.

A questão do planeamento da Defesa da Floresta Contra Incêndios foi objeto de um estudo técnico do Observatório que chamou a atenção para diversos aspetos ainda não resolvidos. Não é certo que a elaboração do novo PNGIFR tenha tido em consideração qualquer avaliação do Plano Nacional de Defesa da Floresta Contra Incêndios (PNDFCI) que vigorou entre 2006 e 2018, de modo a corrigir falhas detetadas nesse Plano. Sem uma adequada avaliação do passado e uma perspetiva dos cenários futuros não é possível delinear um bom planeamento.

Por outro lado, a inexistência de um Plano Nacional (PNGIFR) completo que substitua o anterior PNDFCI tem consequências importantes nos restantes níveis de planeamento e operacionalização, em particular nos Planos Municipais de Defesa da Floresta Contra Incêndios (PMDFCI) e nos Planos Diretores Municipais em que se tem baseado o sistema ainda vigente. A sociedade tem exigido, e bem, que haja um planeamento municipal atualizado e que as ações aí vertidas tenham consequência. A mesma exigência, ou ainda maior, deveria ser feita em relação ao planeamento nacional que estrutura os restantes níveis. Um aspeto bastante negativo a corrigir rapidamente.

Qual o papel da Agência para a Gestão Integrada de Fogos Rurais (AGIF)?

A AGIF, na perspetiva da proposta que lhe deu origem (CTI), tinha como objetivo central abordar o sistema de forma integrada e integradora, no apoio ao planeamento, à decisão e intervenção, mantendo a estabilidade organizacional das entidades existentes e pugnando pela interação destas, através de uma intervenção transversal e autónoma.

À AGIF foi atribuída a missão de concretizar a reforma do sistema, o que tem resultado na promulgação de múltiplas leis, no recrutamento de quadros para a sua estrutura interna, com o suporte político e orçamental da Presidência do Conselho de Ministros. A AGIF dispôs e continua a dispor de condições que nunca antes tinham sido dadas a estruturas análogas, no âmbito da defesa da floresta contra incêndios.

É de salientar que ao abrigo do Decreto-Lei nº 12/2018 de 16 de fevereiro, cumpre à AGIF

“coordenar, de forma estratégica, integrada e transversal, a implementação do SGIFR por parte das entidades responsáveis” (Autoridade Nacional de Emergências e Proteção Civil ANEPC,

Guarda Nacional Republicana GNR, e Instituto para a Conservação da Natureza e Florestas ICNF), permitindo o funcionamento integral dos chamados três pilares (do anterior SNDFCI). Por outro lado, a Resolução do Conselho de Ministros nº 12/2019, de 21 de janeiro, aprovou o SGIFR e destaca a elaboração do Plano Nacional, da responsabilidade da AGIF, para vigorar no período de 2019-2030. A AGIF deveria proceder à avaliação anual global do sistema, integrando a análise da eficácia e da eficiência dos investimentos efetuados no âmbito do SGIFR, o que ainda não aconteceu.

O inexplicável atraso na elaboração do PNGIFR, a falta de avaliação anual do SGIFR, bem como a evidente falta de integração da estrutura da AGIF no próprio sistema faz com que o papel da Agência seja, no mínimo, pouco claro. A decisão do Governo de integrar a estrutura operacional da AGIF no ICNF, bem como a enorme discrepância entre as atribuições que a AGIF pretende assumir e as responsabilidades que, de facto, cabem às entidades operacionais do sistema tornam o problema irresolúvel no contexto atual. Estas circunstâncias fazem com que a criação da AGIF se tenha transformado num fim em si mesmo, deixando pelo caminho o objetivo virtuoso da proposta que presidiu à sua criação, ou seja, um instrumento de potenciação técnica no âmbito da prevenção, da pré-supressão e da supressão de incêndios, através da imprescindível utilização das complementaridades das entidades envolvidas. A missão central da AGIF enquanto instrumento de cooperação entre entidades, constitui assim uma promessa adiada, à espera de plena concretização.

De modo a procurar uma solução para esta questão não resolvida três anos após os incêndios de 2017 que inspiraram a criação desta agência, o Observatório tem proposto a transformação da AGIF numa interagência com participação das entidades envolvidas no sistema.

O conhecimento científico está a ser melhor incorporado na formação dos agentes?

A resposta do sistema científico no período em análise foi significativa. Do lado da oferta, ou da produção do conhecimento científico há a registar o lançamento, logo no final de 2017, de um programa de financiamento específico para a investigação científica sobre incêndios florestais em Portugal. A Fundação para a Ciência e Tecnologia lançou já desde 2017 três concursos que financiarão cerca de seis dezenas de projetos num montante aproximado de 15M€.

Outra iniciativa, com um potencial importante no sentido da aproximação da oferta e da procura de conhecimento científico, foi a criação, em 2018, do Laboratório Colaborativo do Fogo e da Floresta (ForestWISE) do qual se esperam resultados num futuro próximo.

É também de referir como muito positiva a evolução do IPMA na sua abertura e integração do conhecimento meteorológico na ligação às entidades operacionais, em particular a ANEPC.

Apesar dos aspetos positivos anteriores, a incorporação do conhecimento científico e da experiência na formação dos agentes não está suficientemente desenvolvida.

Era competência da AGIF, de acordo com a RCM de outubro de 2017, rever o plano de formação para todas as entidades do dispositivo. Um ano depois, o Governo, através de uma Resolução do Conselho de Ministros em outubro de 2018, decidia sobre a criação de uma rede nacional de formação e investigação em proteção civil envolvendo a Escola Nacional de Bombeiros, instituições de ensino superior, unidades de investigação e laboratórios colaborativos, sob a égide da ANEPC. O Observatório, na sua avaliação do sistema em 2018 recomendava ao Governo “a maior urgência na criação, regulamentação e financiamento de um Programa Nacional de Formação específica para a gestão integrada de fogos rurais”, mas só muito recentemente se registaram desenvolvimentos nesta matéria.

Passados quase três anos sobre 2017, o documento da Estratégia 20-30 do PNGIFR apresentou finalmente indicação de que seriam dados passos nesse sentido com o anúncio de que seria publicado um roteiro para um novo modelo de qualificação. A AGIF apresentou depois ao Observatório um documento Guia para o Desenvolvimento de um Programa de Qualificação dos agentes do SGIFR. Este é um tema de extrema urgência e importância sobre o qual o Observatório chamou à atenção desde o seu início e para o qual trabalhará, articulando a sua reflexão com a AGIF. Não se pode ir adiando mais o inadiável.

Uma melhor perceção do risco na proteção de pessoas e bens

A constatação mais significativamente positiva desde 2017 foi a da redução do número de ignições, o que é particularmente importante em dias de condições meteorológicas adversas. As razões para essa diminuição não estão ainda suficientemente analisadas. Esta redução poderá ser interpretada como resultante da redução área com potencial para arder, da alteração de comportamentos da sociedade, da maior sensibilização e maior atividade da GNR, também na identificação e detenção de suspeitos, da perceção do melhor funcionamento do sistema judicial ou das campanhas nos meios de comunicação social (Portugal Chama). Registe-se, no entanto, que a descida do número de ignições depois de 2017 segue claramente a tendência de anos anteriores, pelo que poderão ser apenas fatores já existentes que continuaram a ser ativos após 2017 na determinação da redução de ignições. No entanto, subsistem ainda situações de incompreensão do risco e comportamentos inaceitáveis que obrigam a que se mantenha toda a atenção sobre este problema. Mas importa registar como muito positivo que o número de ignições tenha diminuído nos períodos de meteorologia adversa e desejar que essa tendência, resultante do esforço de todos, continue no mesmo ritmo também nos próximos anos.

A mobilização de recursos para a gestão de combustíveis na envolvente de habitações, povoações e infraestruturas constitui uma mudança positiva notória. A negligência generalizada anterior deu lugar a empenhada intervenção na interface entre a floresta e as zonas urbanas da parte de particulares, autarquias, empresas e organismos públicos. Igualmente, destaca-se o esforço do Governo na aposta num programa de proteção dos aglomerados rurais, pela implementação dos Programas “Aldeia Segura” e “Pessoas Seguras”, com a definição anual de freguesias prioritárias. Esta mudança deve-se à maior sensibilidade das pessoas e entidades, como resultado dos incêndios, à melhor perceção do risco, e ao facto de se ter passado a verificar maior respeito pela lei. De registar também como positiva a maior intervenção dos municípios nesta matéria. Estas tendências são todas positivas. Apesar desta melhoria, subsistem ainda muitos casos em que a legislação não é cumprida e o esforço tem de ser continuado.

Os aspetos positivos da melhoria da mobilização não são, no entanto, acompanhados pela melhoria do enquadramento técnico das opções de gestão de combustível na interface entre o espaço rural e urbanizações ou edificações individuais. A regulamentação prescrita no Decreto Lei nº 10/2018 necessita de ser revista. O Observatório produziu um estudo técnico específico sobre esta matéria, fazendo uma síntese do conhecimento atual, que poderá ser útil nesta revisão.

Finalmente, destaca-se o esforço na monitorização do risco quer pela implementação da plataforma do ICNF para o registo de queimas e queimadas, quer a evolução e disponibilização por parte do IPMA da informação meteorológica de apoio à decisão.

Para quando uma floresta diferente?

Todas as reflexões feitas sobre incêndios florestais apontam para a necessidade da existência de uma mudança estrutural da nossa floresta que a torne mais resiliente. A Estratégia 20-30 reconhece, como o anterior PNDFCI já identificava, a necessidade de valorizar e cuidar dos espaços rurais, apontando para objetivos como os do redimensionamento da propriedade rural, o aumento da remuneração dos proprietários com a reforma do modelo de gestão florestal, a disponibilização dos correspondentes incentivos jurídicos e financeiros, a promoção de uma paisagem diversificada e em mosaico, ou a diminuição da carga de combustível à escala da paisagem. Entretanto, o Governo aprovou em maio de 2020 o regime jurídico da reconversão da paisagem através de Programas de Reordenamento e Gestão da Paisagem (PRGP) e de Áreas Integradas de Gestão da Paisagem (AIGP), instrumentos que integram o Programa de Transformação da Paisagem. O Observatório produziu também parecer prévio sobre esse Programa, registando a importância da escala da paisagem na abordagem do problema dos incêndios rurais.

A questão que sempre se coloca é a dos mecanismos que podem promover essa mudança de paisagem num contexto de uma floresta que é sobretudo privada e muito fragmentada, com muitas áreas no Norte e Centro do País com pequenas parcelas de eucalipto ou pinhal com reduzida rentabilidade para os seus proprietários, o que torna quase sempre inviável uma gestão florestal adequada. Tem havido desde 2017 iniciativas legislativas variadas, desde o que o Governo designou na altura como a “reforma da floresta” até às recentes e interessantes iniciativas que pretendem viabilizar a sustentabilidade da gestão da paisagem como o Programa de Remuneração dos Serviços dos Ecossistemas em Espaços Rurais, que se ensaia nas áreas da Paisagem Protegida da Serra do Açor e do Parque Natural do Tejo Internacional.

O País precisa, no entanto, de resolver duas questões básicas: a de quem pertence a floresta, e a de que floresta precisamos.

No primeiro caso, a questão recorrente do cadastro. De cada vez que os incêndios ganham dimensão há iniciativas piloto ou simplificadas que se anunciam para a resolução deste problema. Quando estará concluído o verdadeiro cadastro?

No segundo caso, a questão de qual o ordenamento florestal e do território de que o País precisa. A repartição entre custos e benefícios associados à floresta entre o público e o privado exige maior clareza. As discussões a nível nacional no âmbito da revisão da Estratégia Nacional para as Florestas e a nível regional para os Programas Regionais de Ordenamento Florestal (PROF) deveriam ser os momentos de decisão política sobre a floresta que queremos para o País e para as regiões. E é nesse âmbito que o Observatório considera que tanto os incêndios florestais em si, como os contextos climáticos e sociais em que se inserem, deveriam aí ser contemplados.

Desde 2017 surgiram diversos diplomas legais com reflexos no ordenamento florestal. No entanto, o quadro global do ordenamento florestal e das metas a atingir permanece insensível às catástrofes ocorridas. Os segundos Planos Regionais de Ordenamento Florestal (PROF), tinham sido elaborados e discutidos antes dos incêndios de 2017, não integrando, por isso, as importantes alterações evidenciadas como necessárias depois daqueles eventos, incluindo a questão das previsíveis alterações climáticas. Nesse aspeto, em dezembro de 2018 o Observatório produziu uma nota informativa específica sobre esta matéria, recomendando que o Governo aproveitasse a oportunidade da aprovação final dos PROF para aí integrar essas considerações e a necessidade de que fossem revistas as metas da composição da floresta de modo a torná-la menos inflamável e mais resiliente. Em fevereiro de 2019 foram publicadas as revisões dos Planos Regionais de Ordenamento Florestal (PROF) sem qualquer alteração, o que foi comentado pelo Observatório como “uma oportunidade perdida”. A manutenção das metas dos PROF continua a ser uma das questões que o Observatório identifica como exigindo alteração. Sem existirem metas adequadas não será possível dirigir os instrumentos e incentivos públicos nas melhores direções.

Sobre a gestão florestal o Observatório produziu igualmente dois estudos técnicos sobre aspetos específicos associados à gestão florestal, sobre a gestão da biomassa e sobre a estabilização de emergência pós-fogo, assuntos sobre os quais ainda há muito por fazer. O Observatório propôs soluções concretas que poderão permitir uma intervenção rápida nas áreas ardidas, aproveitando o conhecimento técnico e científico existente e agilizando os procedimentos que dificultam o sucesso das intervenções.

Uma melhor gestão do combate?

Uma melhor gestão do combate consegue-se seguramente com a diminuição do número de ignições como se tem verificado. É muito diferente para o dispositivo de combate enfrentar, nos dias de condições meteorológicas mais graves, mais de quatro centenas de ocorrências diárias, como acontecia há alguns anos, ou enfrentar nas mesmas condições quatro vezes menos ocorrências, como tem acontecido nos últimos dois anos. A aposta na redução do número de ignições em dias de meteorologia complexa é, por isso, duplamente importante.

Uma eficaz gestão do combate é, de qualquer forma, essencial. O Observatório analisou os incêndios mais significativos nestes anos e produziu relatórios específicos sobre o incêndio de Monchique (2018) e de Vila de Rei – Mação (2019), e posteriormente, um estudo técnico sobre a primeira intervenção no combate aos incêndios. Desses relatórios conclui-se que foram dados alguns passos positivos desde 2017, mas ainda não suficientes.

No que respeita à primeira intervenção esta é em geral rápida, com a complementaridade entre bombeiros, sapadores florestais e a muito influente componente aérea protagonizada pelas Unidades de Emergência de Proteção e Socorro (UEPS), que sucederam ao GIPS, da GNR, cumprindo em média o objetivo de uma intervenção em menos de 20 minutos. No entanto, este valor médio esconde importantes diferenças entre locais. A localização estratégica dos diversos meios (aéreos e terrestes, bombeiros e sapadores florestais) deve ser otimizada no seu conjunto, aproveitando as complementaridades. Estas análises deverão ser continuadas utilizando as bases de dados do SADO (gerida pela ANEPC) e do SGIF (gerida pelo ICNF). Uma plataforma de informação comum está a ser desenvolvida, o que é de registar muito positivamente. Muitas vezes a discussão faz-se pela quantidade de meios disponíveis quando a melhoria da eficácia e eficiência poderia muitas vezes, com os mesmos custos, ser procurada pela otimização da localização dos meios.

A análise dos incêndios de Monchique e de Vila de Rei – Mação evidencia fragilidades já detetadas nos incêndios de 2017, como o não aproveitamento suficiente do período noturno, em que as condições são em geral mais favoráveis. As operações neste período são mais eficazes, mas mais exigentes, o que obriga a uma formação mais especializada dos agentes intervenientes. Neste aspeto registou-se, a partir de 2017, um desenvolvimento positivo importante com maior formação dirigida aos operacionais, em particular no que concerne à segurança dos agentes e à coordenação e ao planeamento estratégico de operações. É especialmente significativa a constituição do Núcleo de Apoio à Decisão (NADAIR) no âmbito da atual ANEPC em ligação com as estruturas operacionais da Força Especial de Bombeiros (FEB, atual FEPC). Regista-se como muito preocupante que esta componente de que o Estado dispõe para o ataque ampliado não tenha ainda as condições de estabilidade contratual nem o investimento que potencie a sua atuação e a sua desejável ampliação

Há seguramente um caminho ainda a fazer no ponto de vista da sustentação das operações de combate, através de investimento na profissionalização; formação e qualificação dos agentes; reforço de mais e melhores equipamentos; rentabilização da capacidade instalada a nível local, regional e nacional; recrutamento de técnicos para o desempenho qualificado de funções especializadas na gestão de emergência; planeamento da intervenção de todos os agentes do sistema numa lógica de complementaridade territorial, entre outras medidas.

Nota final

Em 2017 quase todos afirmaram que as consequências que resultaram dos incêndios de junho e outubro desse ano não poderiam voltar a repetir-se. Apesar das melhorias nalguns componentes do sistema não estamos seguros de que o país esteja suficientemente preparado para enfrentar eventos da mesma magnitude, sobretudo porque as variáveis determinantes permanecem sem alterações estruturais, a saber: ordenamento, gestão florestal, recuperação de áreas ardidas e mitigação do risco desadequados; insuficiente formação e qualificação dos agentes; indefinição no modelo de organização territorial a adotar pelos serviços do Estado com particulares responsabilidades no sistema; a precariedade laboral de diversos agentes; falta de recrutamento para lugares de comando operacional; e a manutenção de alguns comportamentos de risco pela população em condições favoráveis à ocorrência de incêndios.

O planeamento e operacionalização em matéria de prevenção e defesa da floresta contra incêndios carecem ainda de uma visão inclusiva de todos os agentes, numa conjunção de esforços entre as várias entidades envolvidas a partir de um modelo de interagência.

Houve passos dados desde 2017, mas um longo caminho está ainda por fazer, e o contexto de risco tende a agravar-se como resultado das mudanças na paisagem e das alterações climáticas em curso. Importa, assim, agir hoje para prevenir este tipo de risco e suas consequências, a médio e longo prazo. Estas circunstâncias justificam que, três anos após 2017, o País não se possa sentir ainda satisfeito pelo quanto já foi feito, mas antes que se concentre, com considerável e avisada humildade, no muito que está ainda por fazer.


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