Apesar do contributo da floresta como sumidouro de carbono ser positivo em muitos países, incluindo em Portugal (na maioria dos anos), o saldo entre gases com efeito de estufa emitidos e retidos está longe da neutralidade. Esta realidade tem acelerado as alterações climáticas em Portugal e no mundo, com impactes também para as florestas.
Os efeitos das alterações climáticas fazem-se sentir por todo o globo, com aumentos da temperatura, do número e dimensão dos fogos e da frequência de secas, cheias e furacões. Portugal não é exceção, com temperaturas médias mais elevadas, menos chuva e períodos de seca mais prolongados.
- Desde 2003, com exceção do ano de 2008, que o valor médio da temperatura máxima do ar tem estado acima do valor médio verificado de 1971 a 2000, ou seja, ao valor da normal climatológica neste período.
- Os quatro anos mais secos, com valores de precipitação mais baixos, aconteceram depois de 2003: em 2004, 2005, 2007 e 2017.
- O ano de 2017 foi o segundo mais quente e o terceiro mais seco desde 1931, com uma média de temperatura máxima (22,8°C) 2,3°C acima do valor médio verificado de 1971 a 2000. Registou-se também um desvio em relação à precipitação média de -340,8 mm.
Os dados do Relatório do Estado do Ambiente revelam ainda que, no século XXI, quase todos os anos registaram valores de precipitação média anual abaixo da normal e valores médios de temperaturas máximas próximas ou superiores à normal 1971-2000.
Em Portugal, as temperaturas médias poderão subir entre 3°C e 7°C entre 2080-2100, especialmente nas regiões do interior norte e centro, segundo projeções do projeto SIAM. Prevê-se também um aumento na frequência e intensidade das ondas de calor. Tudo indica que haverá mais precipitação nos meses de inverno e menos nos meses de primavera, sobretudo em abril e maio. Apesar da incerteza dos modelos climáticos, a redução da precipitação média anual poderá atingir os 20% a 40%, com o sul do país a ser mais afetado.
A Agência Europeia do Ambiente lista 25 impactes das alterações climáticas na região mediterrânica. Consequências como o aumento dos períodos de seca e das ondas de calor, a diminuição da precipitação e do caudal dos rios ou o aumento do nível da temperatura e acidez do mar, entre outros impactes, deverão afetar a produtividade e distribuição potencial das espécies florestais.
Os fenómenos climáticos extremos são, atualmente, a causa direta de um número crescente de desastres naturais, que obrigam à deslocação de muitas pessoas. Estima-se que até 2050 as alterações climáticas possam criar 150 milhões de “refugiados do clima”.
Temperatura e precipitação anual em Portugal continental, 1931 – 2018: desvios em relação à normal
Consequências graves para as florestas
Em termos globais, 800 milhões de hectares de floresta foram destruídos ou danificados, entre 1996 e 2015, por desastres relacionados com o clima, como furacões, tufões, cheias, secas e tsunamis, entre outros, estima o “The State of the Word’s Forest 2018” da Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO). De lembrar que a destruição da floresta tem também consequências diretas no agravamento das alterações climáticas, criando assim um círculo vicioso.
Entre 2006 e 2013, 26 eventos (cerca de 90% dos quais tempestades) causaram danos ou perdas para a silvicultura no valor de 737 milhões de dólares (cerca de 660 milhões de euros), de acordo com o mesmo relatório. Entre 2003 e 2012, uma média de 67 milhões de hectares arderam anualmente, em especial na região tropical americana e em África, o que corresponde a 1,7% de área florestal global. Só na Europa, 768 milhões de hectares foram afetados pela seca e 97 mil hectares sofreram danos pelo vento, entre 1996 e 2001.
Relativamente a pragas e doenças, 75 países (representando 70% da área florestal global) reportaram um total de quase 100 milhões de hectares de floresta afetados. Só a América Central e do Norte reportaram 58 milhões de hectares de danos, maioritariamente atribuídos a escaravelhos.
Espécies florestais portuguesas sofrem impactes na produtividade e distribuição
O espaço florestal português será afetado pelas alterações climáticas. A partir dos resultados do projeto SIAM (Climate Change in Portugal: Scenarios, Impacts and Adaptation Measures), a equipa de trabalho responsável pela área de florestas da Estratégia Nacional de Adaptação às alterações Climáticas apresentou previsões para alguns dos impactes potenciais na produtividade e distribuição das diferentes espécies florestais:
- Pinheiro-bravo com diminuição geral de produtividade
No norte litoral pode haver ganhos de até 10% em termos de volume de madeira, mas no resto do país prevê-se um decréscimo deste valor, com reduções entre 12% no norte interior e mais de 50% no sul do país.
- Eucalipto com decréscimo geral de produtividade
No norte litoral, a produtividade pode aumentar em função do aumento das temperaturas, mas no resto do território a produtividade diminui. Na região centro a diminuição de produtividade será mais acentuada no interior (-30%) do que no litoral (cerca de -15%). Na região sul as reduções podem chegar aos 50%.
Em ambas as espécies (eucalipto e pinheiro-bravo) as simulações apontam para a diminuição da área de distribuição potencial, com retração a sul e aumento nas zonas de maior altitude.
- Sobreiro com menor produtividade primária líquida (PPL) e diminuição da área potencial
No norte, a subida da temperatura pode levar a aumentos de até 25% na PPL. Na região centro, os aumentos máximos serão de até 10%. No litoral e no sul, a PPL poderá ter decréscimos de até 60%. A área de distribuição potencial desta espécie poderá ser afetada, em particular no sul e interior do continente, em resultado do aumento da aridez. A maior área de sobreiro está na zona sul do país, pelo que estas alterações poderão ter também elevados impactes económicos no sector da cortiça.
- Azinheira com diminuição da área potencial
O agravamento do clima, aliado à situação de debilidade atual dos povoamentos, poderá levar a que a azinheira só consiga persistir em zonas mais húmidas, substituindo o sobreiro.
- Carvalhos com menos área de distribuição potencial
A redução será mais evidente no Norte interior, embora se possa assistir a um aumento da produtividade no Litoral Norte, em zonas de maior altitude e de bons solos.
O projeto SIAM estudou os cenários, impactes e medidas de adaptação às alterações climáticas. Os modelos de produção existentes para as várias espécies florestais foram utilizados com cenários climáticos, sem considerar novas formas de gestão ou tecnologias adaptativas.
De acordo com as previsões, os aumentos de produtividade obtidos no Litoral Norte não serão suficientes para compensar as perdas no restante território.
O artigo foi publicado originalmente em Florestas.pt.