Entrevista | Investigadores portugueses tentam “criar” arroz com vitaminas do complexo B

Professora Margarida Oliveira, investigadora no ITQB NOVA. Edição e imagem: Joaquim Miranda/CiB

No laboratório de Genómica de Plantas em Stress, no ITQB NOVA, em Oeiras, a Professora Margarida Oliveira e a sua equipa estudam estratégias de adaptação que permitem a algumas plantas sobreviver a stresses ambientais como o sal, a seca e a temperatura. O arroz é o foco principal, mas tem muito trabalho feito noutras plantas como a amendoeira e o sobreiro. E é graças ao trabalho de Doutoramento da sua primeira estudante (Célia Miguel) que o primeiro Protocolo de Transformação Genética da Amendoeira é português.

Entrevista: Margarida Paredes /CiB

Fotografia e vídeo:  Joaquim Miranda

Na investigação que desenvolve, qual é a componente mais virada para a biotecnologia?

O meu trabalho [no laboratório GPlantS – Genómica de Plantas em Stress] é muito virado para a investigação fundamental, porque os projetos inovadores para desenvolvimento de conhecimento obtêm mais facilmente financiamento da FCT (Fundação para a Ciência e a Tecnologia) do que os projetos para aplicação.  

Mas já desenvolveu trabalho em arroz que foi aplicado no campo…

Sim, o nosso trabalho em arroz começou por ser investigação aplicada, em finais de 1999, para atender ao problema da anemia em Moçambique, em especial na população feminina. No âmbito de uma parceria tripartida entre Portugal, Moçambique e Filipinas, onde se localiza o IRRI – Instituto Internacional de Investigação do Arroz, tentámos melhorar os teores de ferro no endosperma do grão, expressando a proteína ferritina através de técnicas de engenharia genética. Este trabalho foi desenvolvido por outra estudante de Doutoramento (a Marta Vasconcelos) e publicado na Plant Science, merecendo-lhe um prémio internacional do CGIAR que a Marta foi receber ao México. Continuámos a investigação em arroz, mas desta vez focando-nos em problemas de interesse para Portugal. De facto, analisando a situação do arroz no nosso País a interrupção do Programa Nacional de Melhoramento de Arroz (nos anos 70, 80) levou a que a produção do sector só se tenha conseguido manter pela atividade de empresas importadoras de semente (sobretudo de Itália).

Créditos: Joaquim Miranda/CiB

Porque escolheu o arroz como foco principal de investigação?

Na verdade foi por influência de um amigo da India (Swapan Datta), na altura a trabalhar no IRRI, mas que já tinha estado vários anos a trabalhar no melhoramento de arroz no laboratório de Ingo Potrykus, o líder do projeto de desenvolvimento do “Golden Rice” [arroz dourado, enriquecido em pró-vitamina A]. Foi ele que me alertou para a parceria que havia entre Portugal, Moçambique e o IRRI para o Melhoramento do Arroz em Moçambique. Este trabalho em arroz alertou-me para o valor desta planta como modelo de estudo, não só por ter o genoma mais pequeno entre os principais cereais, mas também por ser a cultura que alimenta mais pessoas no mundo inteiro.

Percebo a importância de Moçambique ter variedades de arroz ricas em ferro. No caso de Portugal, para quê desenvolver arroz geneticamente modificado?

Há 20 anos atrás, a motivação para trabalhar em arroz para Portugal foi tentar contribuir para retomar e inovar o programa de melhoramento, olhando para variedades nacionais que os agricultores portugueses não comercializavam, mas que produziam para consumo próprio. Estas eram bem mais saborosas que as variedades italianas, embora com características agronómicas menos desejáveis (palha alta, baixa produtividade e maior sensibilidade às doenças).

Começámos com as variedades portuguesas Estrela A e Allorio, consideradas as mais saborosas pelos agricultores. Utilizando marcadores moleculares  e variedades dadoras que obtivemos do IRRI, fizemos melhoramento dirigido para aumentar a produtividade e a resistência à piriculariose, uma das doenças mais danosas para a cultura do arroz (causada pelo fungo Magnaporthe oryzae). Com a colaboração do colega Arlindo Lima (do ISA), conseguimos focar o trabalho nas estirpes mais virulentas deste fungo existentes em Portugal. As plantas melhoradas que obtivemos (por cruzamentos direccionados e seleção assistida por marcadores moleculares) foram testadas no Centro de Orizicultura [atual COTArroz] e no Mondego (Direção Regional de Agricultura, com o Eng. Serafim Andrade). Em paralelo começámos a olhar para outras situações problemáticas para o arroz, nomeadamente os stresses ambientais.

Quais?

Por exemplo, a salinidade, não só em regiões costeiras (oeste e sul) e margens de rios, mas também em alguns solos agrícolas. Embora, por exemplo, no Mondego a salinidade esteja bastante controlada pela irrigação, as alterações climáticas tendem a agravar o problema. No Sado, os maiores problemas de salinidade relacionam-se diretamente com a falta de água, com o facto de a seca a limitar muito a capacidade de diluição do sal. Em alguns solos no Tejo e no Sorraia também existem muitos problemas de salinidade, sobretudo pela qualidade dos solos e práticas agrícolas. As alterações climáticas – o aumento da temperatura e a redução da disponibilidade de água – certamente irão agravar o problema da salinidade. 

Que outros stresses ambientais afetam a produção de arroz em Portugal?

A temperatura, sobretudo o frio nas zonas mais a norte de produção. Embora não seja tão grave quanto a salinidade, o frio impede a cultura do arroz a norte do Mondego. Contudo, pelo interesse do arroz a nível mundial, temos vindo a estudar mecanismos de adaptação a vários stresses (défice hídrico, salinidade, temperatura sub-óptima, submersão) a fim de identificar estratégias e desenvolver ferramentas, que possam melhorar a produtividade em situações de stress ambiental, por exemplo recorrendo a técnicas de melhoramento dirigido (via seleção assistida por marcadores moleculares, engenharia genética ou edição de genomas).

Como é que a biotecnologia, neste caso a engenharia genética e a edição de genomas, pode ajudar a resolver esses problemas?

A engenharia genética é sem dúvida uma ferramenta poderosa para o melhorador, mas, na Europa, ainda é pouco compreendida e mal-aceite no mercado, o que limita o seu uso para conseguir introduzir melhorias. A edição do genoma ainda está em discussão, embora, na minha opinião, não faça sentido discutir uma técnica em vez de discutir o resultado final. Posso dizer-lhe que dos nossos estudos de resposta a stress ambiental, neste momento, já temos plantas com genes modificados por edição de genoma, em que não há qualquer alteração adicional além da mutação específica desejada (que poderia ter ocorrido espontaneamente ou por uma qualquer via). Isto significa que é impossível identificar nestas plantas qual a metodologia utilizada no melhoramento.

Créditos: Joaquim Miranda /CiB

Como assim?

A modificação genética final também podia ter ocorrido espontaneamente ou sido conseguida por mutagénese química ou por radiação (metodologias não sujeitas a legislação). Ou seja, certos métodos de edição genética não têm qualquer cicatriz que permita identificar o método de obtenção. Na minha opinião, querer legislar um produto final de origem vegetal com base na estratégia usada para o obter, não só não é inteligente, como é uma gestão danosa de recursos públicos que poderiam ser muito melhor utilizados para avaliar a qualidade do produto final.

Claro que não aplico esta filosofia a tudo. Quando o método de obtenção de um produto não respeita os direitos dos seres humanos ou dos animais, ou não acautela a sustentabilidade da natureza ou ambiental, a metodologia tem necessariamente de ser considerada.

E com a utilização da edição genética na planta do arroz o que pretende alcançar?

Um dos nossos interesses é tentar perceber quais são as funções de diferentes alelos [variações específicas do gene, que determinam como é que uma determinada característica irá expressar-se] no comportamento da planta, sobretudo em resposta a stress ambiental. Havendo uma planta que apresenta uma característica melhor, em se identificando um alelo responsável por essa melhoria (eventualmente afetando um gene regulador de uma via metabólica), podemos usar uma variedade já aceite no mercado e, através da edição de genomas, introduzir adicionalmente apenas a pequena alteração que a pode dotar da vantagem acrescida (obviamente a comprovar por ensaios laboratoriais e de campo). Para estes estudos, o facto de haver já três mil variedades de arroz com o genoma sequenciado é uma vantagem adicional muito útil na nossa investigação. Temos atualmente várias linhas de estudo para caracterizar genes reguladores de vários comportamentos da planta e procuramos identificar pequenas mudanças nesses genes que causem efeitos benéficos (em termos de crescimento, produtividade, qualidade…).

A que resultados chegou nestes 20 anos de trabalho com arroz geneticamente modificado?

Na investigação fundamental, ou seja, no que respeita à produção de conhecimento, obtivemos muitos resultados. Por exemplo, e só para elencar alguns: desenvolvemos plantas de arroz resistentes à piriculariose, com palha mais baixa e maior capacidade de produção (as que resultaram do nosso trabalho inicial em arroz e que depois foram transferidas para o Programa Nacional de Melhoramento, para recuperar as qualidades organolépticas perdidas); identificámos vários mecanismos de resposta à salinidade e compreendemos agora melhor a razão de algumas variedades serem capazes de lidar melhor com o sal do que outras; e, por fim, desenvolvemos a ferramenta de edição de genoma que já está a funcionar muito bem em arroz. Chamo no entanto a atenção para o facto de que a modificação genética em causa só ocasionalmente se enquadra na categoria de “engenharia genética”. As plantas que cedemos ao programa foram obtidas por melhoramento convencional assistido por marcadores moleculares.

O laboratório trabalha em colaboração com o COTArroz, apoiando o Programa Nacional de Melhoramento Genético do Arroz. Na prática, este programa permite o quê?    

O Programa agora é liderado pela Dra. Ana Sofia Almeida (INIAV) em estrita colaboração com o COTArroz (Eng. Paula Marques). Já não fazemos seleção assistida por marcadores moleculares pois não temos financiamento específico para tal. Assim, atualmente, os cruzamentos são feitos no COTArroz e a seleção é feita só com avaliação fenotípica nos vários ambientes da cultura, do Mondego ao Sado, com intervenção de diversas entidades (COTArroz, DRAP Centro, e diversas associações de produtores).

Tendo em conta o posicionamento da União Europeia relativamente à autorização de novas variedades geneticamente modificadas, que expectativas tem relativamente ao trabalho que desenvolve em arroz? Acredita que chegará ao mercado?

Temos em curso diversos tipos de trabalho em arroz cujos resultados poderão chegar ao mercado, mais tarde ou mais cedo. Um deles é um pouco na linha do que foi feito com o arroz dourado. O arroz dourado incorpora genes novos de biossíntese do betacaroteno, uma fonte de Vitamina A, que lhe permitem produzir e acumular esta pró-vitamina ao nível do endosperma (mesmo após o polimento do grão). No caso do “nosso” arroz, estamos a estudar as vias biossintéticas da produção das vitaminas B1 e B2, porque no arroz ainda não estão claramente identificadas. Usamos informações de outros organismos, para reconstruir as vias biossintéticas destas vitaminas no arroz. O que sabemos é que o arroz branco (polido) tem muito pouca vitamina B1, B2 e B12.

Créditos: Joaquim Miranda

Há necessidade de o arroz ter esse aporte de vitaminas do complexo B?

Em Portugal não é particularmente relevante, pois a alimentação é diversificada, mas em países em desenvolvimento com alimentação fortemente dependente de arroz, as pessoas carecem destas vitaminas. Repare, também fazemos investigação em arroz para perceber a capacidade de resistência à submersão – uma situação que em Portugal não é crítica, mas que é problemática em alguns países asiáticos.

Portanto, estamos a tentar caracterizar as vias biossintéticas das vitaminas B1 e B2 e depois tentaremos enriquecer o arroz com essas vitaminas, não tanto para obter o produto final, mas sim como prova-de-conceito. 

Não tem receio que o “seu” arroz enriquecido com vitamina B1 e B2 fique 20 anos na gaveta, como aconteceu com o arroz dourado?

Se conseguirmos atingir o nosso objetivo, tenho a certeza que a solução será rapidamente pegada por países como a China. Contudo, quanto à aceitação da modificação genética na União Europeia (UE), ainda tenho esperança que os responsáveis e a sociedade em geral entendam que perdermos a capacidade de produzir plantas melhoradas não é opção. Para podermos inovar e progredir sem ser à sombra e na dependência dos países que usam a tecnologia avançada que já temos à disposição, a UE tem de também poder usar as mesmas ferramentas. Se a UE mantiver a política que tem seguido relativamente à aplicação da engenharia genética e da edição de genomas na agricultura, continuaremos a comprar aos outros aquilo que não estamos autorizados a produzir nós próprios. Agora, se a UE quiser acompanhar o mundo, deverá mudar a sua posição. A minha expectativa é que perceba que é completamente anticientífico rejeitar técnicas como a edição de genoma. Algumas destas técnicas são mesmo indetetáveis, não deixam marcas. Como é que se pode legislar algo que não se pode identificar? Por outro lado, a edição de genoma oferece elevado grau de precisão, a um nível nunca antes conseguido. A rejeição desta técnica pode ter muitas motivações, mas a apregoada segurança do consumidor está longe de ser a verdadeira ou de ter fundamentação científica.

Créditos: Joaquim Miranda /CiB

O arroz GM tem sido usado como modelo para dar resposta a questões relacionadas com os possíveis efeitos da engenharia genética. Há razões para preocupação?

Não, não há. Em parceria com o Instituto Ricardo Jorge (INSARJ), contribuímos para esclarecer sobre a potencial maior alergenicidade dos produtos geneticamente modificados. Foram feitos muitos estudos em arroz, soja e milho, envolvendo equipas multidisciplinares coordenadas pela Dra Rita Batista (INSARJ), e os resultados foram muito conclusivos:  o processo de engenharia genética que originou os produtos geneticamente modificados que estão comercializados não causou qualquer diferença em termos de alergenicidade. Claro que se introduzíssemos um alergéneo por engenharia genética, a planta modificada causaria alergia, mas não é isso que se faz! A engenharia genética é uma tecnologia muito direcionada e essas variáveis são monitorizadas.

O que pensa da morosidade no processo que envolve as variedades GM? Justifica-se?

Não, não se justifica, mas acontece por questões políticas e económicas. Invocam-se argumentos pseudocientíficos, como o princípio de precaução, para defender interesses económicos. Por vezes, impedir a entrada de determinados produtos GM na UE, significa garantir o mercado da produção nacional/europeia, embora a preços eventualmente mais elevados para o consumidor. Se a Europa continuar a rejeitar este tipo de estratégias, fica impossibilitada de acompanhar os avanços que se estão a fazer no resto do mundo neste domínio e de conseguir lançar para o mercado variedades melhoradas recorrendo a estas tecnologias. Isso significa que perdemos competitividade e que mais tarde ou mais cedo teremos que comprar ao estrangeiro produtos que agora não podemos desenvolver cá. Do ponto de vista estratégico e de segurança alimentar não é muito inteligente, já que existem soluções que permitem desenvolver produtos mais eficazes, mais seguros e mais amigos do ambiente.

Com a edição do genoma, vale a pena continuar a investir na engenharia genética?

A edição de genomas também permite introduzir fragmentos de DNA de outros organismos ou de algum modo modificados, sendo, nesse aspeto, semelhante à engenharia genética, em que se faz corte e costura e se insere um gene novo que pode ser formado por vários pedacinhos oriundos de diferentes proveniências. A diferença é que na edição de genomas, se quisermos introduzir um gene específico, podemos direccioná-lo para o local certo onde o queremos ter. Uma das estratégias que a edição de genomas utiliza, permite introduzir apenas mutações pontuais sem deixar cicatriz da entrada de qualquer DNA estranho. Mas nem sempre as modificações pontuais permitem obter uma solução para determinado problema. A ferramenta é poderosa, só que não permite resolver tudo, tal como a engenharia genética também não permite resolver tudo. Uma tecnologia não substitui a outra, pode substituir parcialmente, mas não totalmente.  É nosso dever usar todas as tecnologias ao nosso alcance, da melhor forma, para resolver os problemas que a humanidade enfrenta.

Além do arroz, também tem interesse na amendoeira, estando a desenvolver várias ferramentas biotecnológicas e moleculares pioneiras. Que ferramentas são essas e para que servem exatamente? 

Temos vindo a trabalhar em muitas culturas diferentes. Na amendoeira, foram muitos anos de investigação e de desenvolvimento de ferramentas biotecnológicas, desde metodologias para identificar a presença de infeções virais até estratégias para introduzir resistência às mesmas. Descobrimos, por exemplo, que um dos vírus da amendoeira – o vírus do nanismo das prunóideas (frutos com caroço duro) – é transportado dentro dos grãos de pólen. Uma vez que a amendoeira é auto-incompatível e tem que ser polinizada por abelhas, isso significa que as abelhas podem transportar grãos de pólen infetados contaminando rapidamente pomares limpos de amendoeira. Também desenvolvemos várias ferramentas para caracterização molecular da diversidade existente nas coleções do Algarve e de Trás-os-Montes. Neste momento já estão desatualizadas, como é evidente, mas esse trabalho permitiu-nos, por exemplo, identificar variedades que supostamente eram diferentes e, afinal, eram a mesma e outras que estavam classificadas como a mesma e eram diferentes, o que em termos de gestão de coleções é importante. Temos também ferramentas moleculares para identificar alelos de auto-incompatibilidade e de auto-fertilidade (estes existentes nas variedades auto-compatíveis), uma preciosa ajuda para prever as combinações de variedades a introduzir no campo para garantir produção de semente. Claro que só isso não basta, e é também importante garantir a sobreposição dos tempos de floração.

À sua equipa se deve também o primeiro protocolo de transformação genética da amendoeira. O primeiro no mundo, é verdade?

É verdade, foi uma estudante minha de doutoramento, a Célia Miguel, que desenvolveu o primeiro protocolo de regeneração de plantas de amendoeira geneticamente transformadas. Até então, não havia qualquer método publicado, embora houvesse um artigo de revisão de um investigador da Universidade de Davis, na Califórnia, que referia ter obtido transformação genética da amendoeira. Mas a realidade é que, se esse trabalho foi mesmo feito, nunca ninguém o encontrou. Com o tempo melhorámos o nosso protocolo e desenvolvemos também métodos de engenharia genética para introduzir resistência ao vírus do nanismo das prunóideas.

Fizemos também um estudo mais fundamental para perceber quais são os genes que estão envolvidos na capacidade das células de se desdiferenciarem [regredirem a um estádio de “juventude”] conseguindo desenvolver-se quase como se fossem células de um embrião. Essa capacidade é muito importante na engenharia genética e depende muito das variedades com que trabalhamos, o que tem implicações evidentes na escolha daquelas que podemos melhorar.

Na prática, qual é a importância desse trabalho?

É tentar utilizar esse conhecimento para melhorar o protocolo de transformação e regeneração da amendoeira. Se compararmos com as plantas modelo, o sucesso da regeneração de plantas transformadas de amendoeira é muito baixo, o que significa que se quisermos produzir 300 linhas de plantas transformadas (que não é muito) vamos precisar de trabalhar com milhares de pedacinhos de folhas (o material que transformamos e do qual regeneramos plantas completas). A eficiência do método de transformação pode ser crítica para se poder trabalhar com rapidez.

Créditos: Joaquim Miranda/CiB

Então, no campo ainda não há aplicação desse conhecimento?

Não, estamos muito longe desse passo. Não há autorizações para isso, nem a nível internacional.

Não sente frustração por ter alcançado conhecimento que pode ser aplicado e não é, por questões alheias à ciência?

Claro que sim, é justamente por essa razão que deixei de trabalhar em amendoeira. Mesmo sem usar engenharia genética tentei iniciar programas de melhoramento, quer com a Direção Regional de Agricultura do Algarve, quer depois com a Direção Regional de Agricultura de Trás-os-Montes, mas percebi que o interesse era muito relativo (além de que no norte a geada comprometia muitas vezes o sucesso dos cruzamentos controlados). Encontrei maior interesse no nosso trabalho por parte de investigadores e produtores da Austrália e da Califórnia. Por cá dava-se prioridade às variedades francesas. Acresce que aqui ao lado, na nossa vizinha Espanha, só em programas de melhoramento de amendoeira, havia três activos (em Tarragona, Murcia e Saragoça). A questão é esta, se a investigação aplicada que fazemos pelo nosso património genético não serve para os nossos (quem está no terreno a explorar as amendoeiras) e apenas vamos dar proveito a empresas, produtores e melhoradores estrangeiros que não pagam o nosso trabalho, então não vale a pena o nosso esforço. Por essa razão comecei a investir mais em arroz.

Tem ainda trabalho feito em sobreiro e purgueira. Nestes casos, também utilizou técnicas de engenharia genética?  

Na purgueira, aplicamos algumas técnicas de engenharia genética, mas apenas para validação funcional de genes envolvidos na fotossíntese. Uma vez que não havia um método eficaz de transformação genética da planta, utilizamos um método alternativo em que o agente de transformação era um vírus. Mas, reforço, apenas com o objetivo de análise funcional.

Pretendia produzir biodiesel a partir da purgueira. Não resultou?

De facto, a nossa ideia não era produzir biodiesel ou explorar os mecanismos da sua produção, mas sim explorar a conhecida capacidade da purgueira de aguentar a seca e investigar a base molecular do mecanismo de resistência. Fizemos uma parceria com uma empresa internacional estabelecida em Cabo Verde (onde iniciaram um Centro de Melhoramento), para obtermos semente de qualidade para os nossos estudos.  Sabíamos que apesar de estar espalhada por grande parte do hemisfério sul, a purgueira praticamente não apresenta diversidade genética, a não ser na América Central, zona de origem da espécie. Curiosamente, a responsabilidade dessa falta de diversidade é dos Portugueses, que na época das Descobertas levaram a purgueira para todos os lugares onde atracaram. Ou seja, as plantas introduzidas em África, Índia, Indonésia e outras zonas tropicais ou sub-tropicais têm praticamente todas o mesmo genótipo e apenas se encontra diversidade no México e América Central.

Mas como dizia, a purgueira pareceu-nos aliciante pela sua tolerância à secura, e uma vez que estávamos empenhados em estudar a resposta a este stress, pensámos que podia ser um bom modelo. Então, no âmbito de um projeto financiado pela FCT [Fundação para a Ciência e a Tecnologia], estudámos a purgueira, analisando a performance da planta em condições de stress e investigando a expressão de genes da raiz e da folha em condições controlo versus stress e em recuperação pós-stress. Verificámos que a planta tem uma capacidade extraordinária para lidar com a secura sem perder funcionalidades e arranjando mecanismos de protecção contra o excesso de luz solar e de aumento de temperatura que se verifica quando a planta não tem água para transpirar. Numa parceria com a Universidade de Hokkaido, no Japão, a nossa investigadora Helena Sapeta, encontrou indicações de que esta capacidade resulta de um acréscimo de pigmentos que protegem a maquinaria fotossintética da purgueira prevenindo a “queimadura solar”.

Relativamente ao sobreiro, em que consiste a investigação e qual é a finalidade?

Temos vindo a investir muito em sobreiro, quer incentivando a implementação de projetos nacionais (num programa financiado pela FCT há uns anos trás), para obter uma extensa coleção de genes expressos (em diversas condições de desenvolvimento, de stress, de diferentes tecidos, etc.), quer no apoio ao programa de sequenciação integral do genoma do sobreiro.

Em parceria com o Instituto Superior de Agronomia (equipa da colega Leonor Morais-Cecílio), também desenvolvemos estudos que nos permitem associar variações na qualidade da cortiça a variações epigenéticas (alterações na conformação do DNA, sem alteração na sequência das bases), potencialmente devidas a condições ambientais.   

Tem-nos interessado agora, particularmente, identificar as vias metabólicas da produção de suberina (o principal componente da cortiça) e sobretudo perceber como é que estas são afetadas pelo ambiente.

Créditos: Joaquim Miranda/CiB

MARGARIDA OLIVEIRA tem Doutoramento e Agregação em Biologia pela Universidade de Lisboa e é Professora Associada com Agregação na Universidade Nova de Lisboa, Instituto de Tecnologia Química e Biológica António Xavier (ITQB NOVA). Lidera o grupo de investigação de Genómica Funcional de Plantas da unidade GPlantS – Genómica de Plantas em Stress, no ITQB NOVA, em Oeiras. Estuda o efeito de fatores ambientais na regulação da expressão génica e no desenvolvimento das plantas, combinando diferentes abordagens do nível morfo-fisiológico ao genómico.

Esta entrevista é um conteúdo CiB. Foi publicado em primeira mão na revista Vida Rural de junho (págs 6 a 17).


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