Qual a diferença entre gestão florestal e ordenamento florestal?
A gestão florestal é a utilização racional dos recursos florestais existentes (que são escassos) como forma de alcançar os objetivos que são estabelecidos. Ordenamento florestal é a forma como se organiza a floresta no território e como se estabelecem as relações entre esta e as pessoas.
O conceito de gestão vem da área da economia. Quando aplicado à floresta, significa equilibrar as diferentes funções dos espaços florestais – produção, proteção, conservação, silvo pastorícia, caça e pesca, lazer e paisagem – com a conservação dos recursos e ecossistemas e a satisfação das necessidades da sociedade.
A ideia de ordenamento florestal surgiu no século XIX, na Europa Central, sob a forma de modelos de gestão florestal sustentada, que tinham por objetivo estabilizar a oferta de madeira ao longo do tempo, explica a “Enciclopédia Luso-Brasileira de Cultura – Edição Século XXI”, da Editorial Verbo. Mais recentemente, em particular desde a década de 60 do século passado, a procura de outros bens e serviços provenientes da floresta levou a que a gestão florestal se tornasse mais complexa. Os diferentes interesses e as decisões participativas, entre outras questões, ampliaram o conceito de ordenamento florestal. O atual tenta, por isso, integrar as vertentes ecológica e socioeconómica da gestão responsável para planear as áreas afetas à floresta e o seu enquadramento com as restantes ocupações do território, sejam elas naturais ou edificadas.
Em Portugal, o ordenamento florestal está apoiado nos PROF – Programas Regionais de Ordenamento Florestal, instrumentos administrativos previstos na Lei de Bases da Política Florestal (Lei n.º 33/96, de 17 de agosto). Revistos em 2019, os PROF abrangem todo o território de Portugal Continental, definindo os modelos gerais de silvicultura e gestão de recursos, o potencial existente e as espécies a privilegiar nas ações de expansão e reconversão dos espaços florestais.
Como dar resposta sustentável à procura crescente de madeira?
A procura crescente de madeira é um dos principais desafios que proprietários, produtores, governos, comunidades locais, empresas, técnicos e investigadores precisam de enfrentar, numa lógica de cooperação transversal. A solução passará por tentar obter mais com menos, um dos princípios básicos do modelo de produção de intensificação sustentável. Isto implica manter o foco na florestação e reflorestação e melhorar a gestão das florestas existentes, de acordo com as características de cada local e ecossistema, com respeito pelos equilíbrios ambiental e social, de forma a assegurar a sua perenidade.
Estima-se que, em 2030, a população mundial chegue a 8,6 mil milhões de pessoas. Em 2050, as previsões apontam para 9,8 mil milhões, podendo elevar-se aos 11,2 mil milhões em 2100. As projeções constam do relatório “World Population Prospects: The 2017 Revision”, publicado pelo Departamento para os Assuntos Económicos e Sociais da ONU – Organização das Nações Unidas, em 2017.
A organização ambiental WWF – World Wide Fund for Nature antecipa que, em 2030, a procura por madeira possa exceder os 7,6 mil milhões de m3 (mais do dobro dos 3,4 mil milhões de m3 registados em 2010). Em 2050 a procura poderá chegar a 13 mil milhões de m3, segundo estimativa da FAO feita no Living Forests Report (capitulo 4).
Para responder a esta procura serão necessários muitos hectares de floresta e aumentos da produção de madeira, sem pôr em causa a matéria-prima de futuras gerações nem destruir as florestas existentes. “Este desafio expande-se a toda a cadeia de oferta, desde onde e como a madeira é produzida e recolhida até quão sábia e eficientemente é processada, usada e reutilizada”, afirma a WWF.
Esta organização destaca alternativas para aumentar a produção e proteger as florestas do planeta, entre as quais:
– Aumentar a área de floresta plantada gerida de forma responsável – serão necessários 251,8 milhões de hectares de novas plantações até 2050 para responder à procura por madeira. Este aumento da área de floresta plantada deve ser feito em terrenos degradados e/ou abandonados e não por substituição de florestas naturais e segundo as melhores práticas de gestão responsável (certificadas), para garantir a produtividade e o respeito pelos valores ambientais e sociais.
– Utilizar tecnologia para uma produção mais eficiente – com processos tecnologicamente mais evoluídos de extração e transformação da madeira é possível obter mais produtos com a mesma matéria-prima. Há exemplos de serrações na Europa e América do Norte que alcançaram maior eficiência do que a média mundial. A indústria da pasta e papel está a usar, em média, quase 2,5 vezes cada fibra, por via da reciclagem, como indica o Relatório de Sustentabilidade 2018 da CEPI – Confederação das Indústrias Europeias de Papel. Além disso, a utilização de plantas e sementes geneticamente melhoradas permite produzir mais com o mesmo número de plantas, de acordo com os princípios da intensificação sustentável.
– Proteger a floresta natural – com a procura intensa por madeira, haverá maior pressão sobre a floresta natural: estima-se que seja necessário um aumento de até 25% da área atual de floresta natural gerida para a produção comercial de madeira. No entanto, nem todas as florestas naturais reservadas à produção são comercialmente viáveis e muitas estão degradadas pela extração excessiva de madeira. Perante o risco de impacte ambiental e social, o aumento de áreas com floresta plantada “pode reduzir a pressão de dedicar áreas de floresta natural à produção”.
– Consumir de forma responsável e reciclar – o aproveitamento de resíduos de matéria-prima ao longo da cadeia de produção e a incorporação de papel reciclado na produção de papel e de outros materiais são algumas das estratégias para responder à procura crescente de madeira. Segundo dados do Portal de estado do Ambiente, em 2017, a taxa de reciclagem de embalagens de papel e cartão situou-se nos 67% (como termo de comparação a taxa de reciclagem do vidro foi de 49%, de plástico de 35% e de metal 44%, no mesmo ano). O Relatório de Sustentabilidade 2018, da CEPI, mostra que a Europa é o maior reciclador de papel no mundo, com uma taxa de 72%. Na Europa, o papel é reciclado, em média, 3,5 vezes por ano, e cerca de 50% da matéria-prima usada pelas empresas associadas da CEPI consiste em papel reciclado. A metade restante é fibra virgem.
O conceito de bioeconomia circular leva este conceito ainda mais longe, promovendo não só a reciclagem, mas a reutilização de resíduos, tirando o máximo partido dos materiais e diminuindo os desperdícios.
Quem garantia a administração florestal no passado?
Desde cedo que os reis portugueses mostraram sensibilidade para os problemas das florestas e tomaram medidas para a sua defesa e ampliação. O rei mais conhecido pela ligação à floresta é D. Dinis, pelo mérito que lhe é impropriamente atribuído na criação do Pinhal de Leiria. Na verdade, antes de D. Dinis, o pinhal já existia, mas foi este soberano que impulsionou as plantações de pinheiro-bravo em extensas áreas.
Foi durante a primeira Dinastia que foi criado o cargo de Monteiro-mor, que tinha como função defender os “Montes” – expressão que é ainda hoje utilizada em Espanha para designar as áreas silvestres. Ao Monteiro-mor cabia a tarefa de defender as Coutadas reais e manter a fauna cinegética abundante e diversificada para satisfazer os membros da corte nas suas caçadas. Além disso, tinha a seu cargo a sementeira de pinhais e a defesa das matas contra roubos e incêndios.
A primeira nomeação de um Monteiro-Mor que se conhece data de 1385 e foi feita por D. João I, já na segunda Dinastia. Dele estavam dependentes os monteiros, cuja influência se estendia sobretudo na faixa litoral de Setúbal ao Porto, e noutros locais do país, como a Peneda-Gerês e a região de Évora. Na parte restante do país, a floresta era administrada segundo os forais dos concelhos e dos terrenos da nobreza e do clero.
O cargo de Monteiro-mor deu origem, por via de evolução académica, ao Engenheiro Silvicultor (engenheiro do cultivo silvestre) que passou a designar-se, mais recentemente, Engenheiro Florestal.
Em 1751, a falta de madeira para a indústria naval motiva a passagem da gestão das matas para a Marinha. Os Monteiros-mor ficam apenas responsáveis pela gestão cinegética nas Coutadas Reais, cabendo a gestão e exploração florestal aos Guarda-mor e Superintendente.
Em 1801, José Bonifácio de Andrada e Silva foi nomeado intendente-geral das Minas e Metais do Reino, tornando-se o primeiro técnico florestal português. Em 1803, passa a ocupar o cargo de Guarda-mor dos Bosques e Matos, criado na altura, tornando-se o responsável pela “plantação de pinhais nas praias do mar”. Em 1805 foram iniciados os primeiros trabalhos de fixação de dunas.
No início do século XIX, as Coutadas são extintas e, com elas, o cargo de Monteiro-mor e seus subordinados.
Na sequência de um período de incêndios que destruíram quase integralmente o pinhal de Leiria, foi criada, em 1824, a Administração Geral das Matas do Reino. O engenheiro Frederico Luiz Guilherme Varnhagen (alemão que se naturalizou) foi convidado para primeiro Administrador Geral das Matas. Com sede na Marinha Grande e na dependência do Ministério da Marinha e Ultramar, esta administração florestal tinha por missão gerir os 14500 hectares de matas do Estado e foi a antecessora dos atuais serviços públicos florestais.
Faz sentido “acabar com o fogo”?
Não faz sentido “acabar com o fogo”. O fogo esteve e estará sempre presente nos ecossistemas com clima mediterrânico temperado (com período seco no verão), tal como o que existe em Portugal continental.
São de salientar os registos fossilizados de carvão vegetal que indicam a existência de fogos desde que existem plantas terrestres, há 420 milhões de anos. Estes registos sugerem que o fogo teve um efeito importante na evolução da flora e da fauna de muitos ecossistemas.
No que concerne à região mediterrânica, a vegetação existente é também resultado da ação repetida do fogo e, ao contrário das opiniões que erradamente se tornaram comuns, o fogo é parte integrante e necessária à sua manutenção. Sendo parte integrante e estruturante dos ecossistemas, o importante não é acabar com o fogo, mas garantir que este tenha baixa intensidade, resultando em impactes menores. Resumidamente: é preciso prevenir os incêndios de alta intensidade e gerir aqueles de baixa intensidade.
Como sublinha a Greenpeace, “os incêndios de baixa intensidade são necessários em certos ecossistemas”. São estes que permitem reduzir a vegetação e prevenir maiores impactes. A supressão de todos os incêndios leva ao aumento da carga de vegetação combustível e, dessa forma, ao aumento da probabilidade de ocorrência de incêndios com elevada intensidade e efeitos devastadores, acima da capacidade de extinção, independentemente dos meios de combate disponíveis.
O artigo foi publicado originalmente em Florestas.pt.