Francisco Castro Rego: Governo tem “alguma dificuldade” em apresentar um “edifício completo” para as florestas

O presidente do Observatório Independente dos incêndios avisa que precisamos de “uma floresta menos inflamável” e dá nota negativa à AGIF – Agência para a Gestão Integrada de Fogos Rurais. É “uma oportunidade pouco ganha”, lamenta.

Falta “consistência” ao “edifício” das florestas. Francisco Castro Rego, presidente do Observatório Técnico Independente dos incêndios, criado pelo Parlamento, lamenta que o Plano de Defesa da Floresta Contra Incêndios, de 2017, que “precisava de ser trabalhado e modificado”, tenha dado lugar, em 2020, ao Plano de Gestão Integrada de Fogos Rurais sem uma “avaliação do que correu mal do plano anterior”. E sem qualquer plano de acção, o que é “completamente incompreensível”.

Iniciou funções como presidente do Observatório Técnico Independente dos incêndios, criado pela Assembleia da República em Agosto de 2018. Que balanço faz destes dois anos?

Primeiro, pessoalmente, um balanço muito positivo. Foi uma maneira também de ter oportunidade de olhar mais profundamente para algumas destas áreas. E o Observatório é muito interessante, com pessoas da área florestal e de áreas muito diferentes da minha, mas muito complementares em termos de formação. E temos funcionado todos numa missão permanente.

Um observatório, como o próprio nome indica, é uma estrutura que tem por missão observar. Tendo o Observatório sido criado pela Assembleia da República, considera que é um olho clínico em cima da problemática dos incêndios?

Tem funcionado assim. Mas com a vantagem de serem muitos olhos clínicos, que vêem muito melhor do que um só. É como na medicina, quando há um problema grave, há uma junta médica que se reúne para tentar fazer o diagnóstico e fazer uma proposta de intervenção.

E que grande olhar têm lançado sobre as florestas e os incêndios?

Há, desde logo, uma questão muito importante, que é a ligação destas ciências [florestais] com as alterações climáticas. Esse é o contexto em que há pouca intervenção e em que a intervenção não é directamente em relação ao clima, mas na adaptação das nossas florestas às alterações climáticas. E uma das nossas primeiras constatações – e essa foi completamente pacífica, central, consensual – foi a de que teríamos de ter uma floresta diferente.

Diferente em que sentido? Mais ordenada?

Diferente no sentido de menos inflamável. E menos atreita aos grandes incêndios. A questão tem que ver com a acumulação de combustível na floresta e, aí, entram muito as questões da gestão florestal e da gestão florestal associada à gestão de combustível, para resolver os problemas de uma acumulação excessiva. Uma vez escrevi [um estudo] para a Ordem dos Engenheiros mostrando que temos de ser inteligentes de modo a usar a energia do fogo sem ser no incêndio. Isto é, [usar] a energia para a biomassa, utilizar os próprios arbustos para alimentação animal, a função das lenhas… E sobre essa matéria da biomassa temos um relatório escrito muito interessante.

Portanto, a primeira das regras era adequar a floresta às novas alterações climáticas, à nova dimensão da população – e com cada vez menos população no interior é cada vez mais difícil fazer gestão – e, por isso, fizemos umas recomendações muito fortes no sentido de que fossem alteradas as metas da Estratégia Nacional para as Florestas e dos planos regionais de ordenamento florestal.

“É pela transformação da paisagem que as soluções podem existir”

Essas recomendações foram acolhidas?

Essas recomendações não foram acolhidas, mas julgo que o Observatório muitas vezes é ouvido mesmo se as suas recomendações não foram acolhidas. Portanto, as metas da Estratégia Nacional para as Florestas não foram modificadas, os planos regionais de ordenamento florestal também não foram modificados, mas apareceu o Programa de Transformação da Paisagem, que tenta, de algum modo… O secretário de Estado das Florestas e o ministro do Ambiente têm apostado muito nesse Programa. É muito por aí, pela transformação da paisagem, que as soluções podem existir.

Falou no Ministério do Ambiente. Como sabe, nesta legislatura, a tutela das Florestas passou da Agricultura para o Ambiente. Pareceu-lhe uma decisão acertada?

É uma questão em aberto. O Observatório, enquanto observatório, não se pronunciou sobre essa matéria. Mas posso dar-lhe a minha posição pessoal. E a minha posição pessoal é que as florestas têm, tiveram sempre, uma dupla tutela.

Porque é impossível dissociar a Agricultura?

É muito difícil dissociar. Mas essa dupla tutela não quer dizer que as entidades não estejam só dependentes de um ministério. Tem de haver uma lógica partilhada. E, por isso, o facto de estar no Ministério da Agricultura, como estava anteriormente, ou o facto de estar no Ambiente, como está agora, para mim não faz muita confusão. Talvez seja melhor qualquer das instalações do que uma dupla tutela. Depende muito também dos intervenientes e das políticas de cada um dos ministérios. E por isso não vejo mal nenhum que o sector florestal tenha passado, do ponto de vista governamental, para o Ministério do Ambiente. Na Assembleia da República é tratado pelas duas comissões, pela comissão ligada ao Ambiente e pela comissão ligada à Agricultura. É inevitável que a parte das florestas seja trabalhada pelas duas. E por mais uma terceira. É que esta área florestal está tão associada à área dos fogos que depois a Administração Interna também tem de ter um papel nesta matéria. Enfim, é difícil perceber onde deve ficar pendurada. Desde o início as florestas dependiam do Ministério da Economia. Tem havido estas alterações [de tutela], mas julgo que é mais uma questão de políticas.

O Observatório publicou um relatório referente ao primeiro semestre de 2020, mas gostava de o questionar sobre um outro, de Junho, em que falam de três anos após os incêndios de Pedrógão, deixando a questão “Onde estamos e para onde queremos ir?” e uma nota crítica, dizendo que não há ainda um plano global para a floresta. O que está a falhar?

Vou decompor esta matéria em duas. Uma parte mais ligada à floresta e outra mais ligada aos incêndios rurais ou florestais. Na parte ligada à floresta, o que me parece é que muitas das acções com este Programa de Transformação da Paisagem e outras vão no bom sentido, mas não são enquadráveis do ponto de vista nacional e regional. E por isso o nosso enfoque em que as metas da Estratégia Nacional para as Florestas e os planos regionais de ordenamento florestal pudessem ter um enquadramento que permitisse perceber que as iniciativas do ponto de vista legislativo apontam para as florestas uma certa direcção. E esse enquadramento global não está efectuado, exactamente por alguma deficiência ou dificuldade do Governo de alterar estas metas.

“Uma das nossas primeiras constatações foi a de que teríamos de ter uma floresta diferente. (…) Menos inflamável. E menos atreita aos grandes incêndios”, explica o presidente do Observatório. “A primeira das regras [é] adequar a floresta às alterações climáticas, à nova dimensão da população.”

Falta “uma peça completa e consistente”


por

Etiquetas: