Isto é um ovo. Foi com esta imagem que Josh Tetrick, fundador e CEO da JUST desafiou a audiência da Silicon Valley Web Conference a pensar no futuro da alimentação. O empreendedor norte-americano está a trabalhar lado a lado com agricultores, chefs com estrelas Michelin e cientistas para criar a proteína do futuro e acredita que em 20 anos a nossa comida virá toda da terra (ou de um laboratório).
Criada em 2011, a JUST criou um ovo de origem vegetal que depois de cozinhado se parece e sabe a um ovo. Livre de colesterol, este ovo precisa de menos água para ser produzido do que um ovo convencional e emite menos dióxido de carbono para a atmosfera durante a sua produção do que a proteína animal convencional.
“Uma das assunções mais importantes que estamos a questionar é a de que a proteína animal mais convencional do mundo, o ovo de galinha, precisa de vir de um animal. Nós não acreditamos que tem de vir de um animal. Entendemos que um ovo pode ser uma planta e quando pensamos num ovo como uma planta acabamos por ter um ovo que usa menos água, que é mais saudável, que está a mitigar os riscos associados à segurança alimentar e que está muito mais próximo dos valores de que todos partilhamos, como a sustentabilidade. É esse o princípio da JUST. Queremos construir um sistema alimentar mais saudável para nós e para o planeta”, partilhou o CEO da JUST.
Em agosto deste ano, a empresa de foodtech norte-americana tinha já vendido o equivalente a 50 milhões de ovos, usando menos 98% de água e com uma pegada ecológica 93% mais pequena do que a produção convencional de ovos de galinha.
“O ovo de galinha é a proteína animal mais consumida do mundo, estimando-se que cerca de 1,4 biliões de ovos sejam produzidos por ano. Começámos a pensar: será que é possível encontrar uma planta que possa ser ‘mexida’ como um ovo? Há cerca de 350 mil espécies de plantas no mundo e apenas 1% delas foram estudadas para tornar a nossa alimentação melhor. E foi isso que fizemos. Descobrimos que o feijão mungo tem uma proteína no seu interior que se comporta como um ovo, que pode ser mexida como um ovo”, acrescentou Josh Tetrick.
Sistema alimentar sustentável precisa de inovação
O fundador da JUST acredita que nos próximos 20 anos “passaremos a ter mais humanos a comer ovos provenientes de plantas do que ovos provenientes das galinhas. O nosso objetivo agora é tornar o nosso ovo no mais saboroso, no mais saudável e no mais eficiente em termos de custos.”
O próximo passo, contou ainda, é o desenvolvimento de carne em laboratório, a partir de células de carne: “Estamos a trabalhar com vários parceiros e acreditamos que estaremos preparados para lançar em dois anos. Em termos de composição não é diferente da carne que comemos habitualmente. É carne, mas é produzida de forma diferente.”
Mas antes que a ‘tecnologia’ avance, a indústria enfrenta grandes obstáculos, nomeadamente encontrar um nome que faça sentido para os consumidores e para os reguladores. Recorde-se que o Parlamento Europeu irá votar alterações à Política Agrícola Comum (PAC) que poderão proibir as empresas europeias de designar os seus produtos como “hambúrguer vegetariano” ou “salsicha de origem vegetal”, restringindo ainda mais a nomeação de alternativas lácteas de origem vegetal, proibindo termos como “estilo iogurte”, “alternativa ao queijo” e “substituto da manteiga”. O objetivo, dizem os proponentes da medida, é evitar a confusão dos consumidores, mas a proposta não está a ser bem aceite pelos cidadãos e pela indústria europeia. Atualmente, já mais de 150 mil cidadãos europeus se juntaram a uma petição que pede aos eurodeputados para rejeitarem a proposta que visa proibir as empresas de utilizar termos como hambúrguer, salsicha ou bife para descrever produtos vegetarianos.
Além dos cidadãos europeus, são várias as organizações e empresas europeias que também já se mobilizaram contra estas alterações legislativas. A European Alliance for Plant Based Foods, que inclui empresas como a Nestlé, Upfield e Beyond Meat, defende que ambas as emendas são contrárias à direção política progressista da União Europeia em relação à promoção de uma alimentação sustentável, como estabelece o ‘Pacto Verde Europeu’ e a estratégia ‘Do Prado ao Prato’.
Numa carta conjunta aos eurodeputados, estas empresas argumentam que os planos contradizem diretamente uma promessa da UE para promover uma alimentação de base vegetal, como parte da sua estratégia de sustentabilidade alimentar, uma posição defendida também por Josh Tetrick, fundador da JUST, que defende a manutenção dos nomes dos produtos para facilitar a comunicação com o consumidor.
“Em termos de composição, o nosso produto é carne, por isso achamos que se deve chamar carne. Se tiveres uma alergia à carne de frango e eu te der um peito de frango criado em laboratório vais ter uma reação alérgica. Só porque não temos de matar um animal para produzir não quer dizer que não seja carne”, defendeu ainda Josh Tetrick.
“Há muitas formas de criar um sistema alimentar mais saudável, mais seguro e mais sustentável. Eu não acho que a única forma seja tirar células de um animal ou identificar nutrientes e cultivá-los ou identificar uma proteína no feijão mungo que cozinhada fica como um ovo mexido. Não precisa de ser tão complicado. Também podemos nivelar o ‘campo de batalha’ para plantarmos couve da mesma forma que plantamos milho, por exemplo”, acrescentou.
Além da carne cultivada em laboratório, a JUST irá lançar no próximo mês na cadeia de distribuição Whole Foods uma nova versão do seu ovo vegan “mais saborosa”, “mais cremosa” e “mais semelhante ao ovo convencional” e prepara-se para abrir, em Shanghai, na China, uma escola de culinária para ensinar a cozinhar proteínas à base de plantas – a Future Food Studio.
“A mudança para proteínas à base de plantas veio para ficar e o impacto da covid-19, das alterações climáticas e a insegurança alimentar aceleraram o ritmo de mudança. Vemos cada vez mais oportunidades de colaboração e inovação”, concluiu o CEO da JUST.
A Silicon Valley Web Conference continuará a debater ao longo de todo o mês de outubro a inovação tecnológica em sectores de atividade como o Turismo, Saúde, Construção e Imobiliário, Cultura, Educação, Justiça, Finanças, Transportes e Mobilidade e a VIDA RURAL marcará presença para lhe dar conta de como o setor tecnológico está a ajudar a desenhar o futuro da agricultura.