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Bactéria que passa de “mãe para filho” pode ajudar a gerir a principal praga do olival – Tânia Nobre

Quando ouvimos a palavra bactéria associamos frequentemente a doenças e a sujidade. Mas a nossa vida depende de muitas delas. Existem bactérias que nos ajudam a digerir os alimentos, que produzem vitaminas, que nos protegem de infeções, que nos auxiliam em diferentes funções. Ou seja, elas desempenham um papel essencial na nossa sobrevivência. São de tal forma importantes, que muitas espécies de bactérias são passadas diretamente da mãe para o recém-nascido. E isto não acontece apenas connosco.

A mosca da azeitona é um exemplo perfeito desta estratégia. Esta mosca tem como companheira uma bactéria tão importante para a sua sobrevivência, que também ela é passada da progenitora para a descendência. Esta bactéria ajuda a mosca a digerir a polpa das azeitonas, mesmo quando estas ainda estão imaturas e cheias de compostos tóxicos.

Esta mosca é também importante para nós porque ao desenvolver-se dentro das azeitonas, a sua ação resulta em grandes perdas económicas para os olivicultores, já que tanto a quantidade como a qualidade das azeitonas são afetadas. A praga perturba todos os olivicultores da região mediterrânica, onde estão cultivadas 95% das oliveiras de todo o mundo. O combate a este inseto tem se feito sobretudo através do uso de pesticidas, com enormes impactos negativos para o ambiente e para os alimentos, muitas vezes sem sucesso. Um desses pesticidas é o dimetoato, banido da Europa com algumas exceções, mas ainda muito usado [1]. O prejuízo económico mantém-se muito alto e as perdas ambientais também.

Resumindo, a mosca da azeitona é importante para nós porque se alimenta das nossas azeitonas. Mas ela só o consegue fazer porque tem a tal bactéria específica, que é passada de “mãe para filho”.

Num projeto apoiado pela Fundação para a Ciência e a Tecnologia (PTDC/ASP-PLA/30650/2017), estamos a tentar perceber como se desenvolveu e o que condiciona esta relação tão específica entre a mosca da azeitona (Bactrocera oleae) e esta bactéria (Ca. Erwinia dacicola). E porquê? À semelhança do que acontece connosco e com as nossas bactérias, se o equilíbrio for perturbado podem surgir desordens e doenças. Quem já sentiu problemas intestinais após tomar antibióticos, sabe que os antibióticos podem afetar muitas das bactérias que nos auxiliam a processar os alimentos. Se conseguirmos afetar a bactéria da qual a mosca depende para obter o seu alimento, também afetamos a mosca da azeitona.

Este princípio pode ser usado para criar um método de gestão desta praga, específico e sem efeitos secundários no meio ambiente. Claro que não podemos dar antibióticos às moscas, mas existem outras formas de atingir estas bactérias e para as desenvolvermos temos de saber mais sobre esta relação. Este princípio foi analisado pela equipa de investigação num artigo científico [2] que olhava de uma forma crítica para o estado do conhecimento teórico, apontando caminhos para se chegar a aplicações práticas.

A seguir, dedicamo-nos a entender a especificidade e diversidade desta relação, e a variabilidade da população desta bactéria. Acabamos agora de publicar os nossos resultados [3] sobre este tópico, onde descobrimos duas novas variantes desta bactéria (estas variantes são chamadas de haplótipos) e começamos a perceber um pouco melhor como esta relação ocorre no espaço e no tempo.

Também queremos saber quais as outras bactérias que estão presentes e que podem interferir no bem-estar da mosca. Já começamos a trabalhar neste sentido. Com este conhecimento será possível começar a desenhar uma estratégia para gerir a mosca nos olivais com base na simbiose, isto é, com base nestas associações duradouras entre bactérias e a mosca da azeitona. Tal como a simbiose entre nós e as nossas bactérias intestinais quando desequilibrada se torna prejudicial, também o mesmo acontece com a simbiose entre a mosca da azeitona e as suas bactérias.

O artigo foi publicado originalmente em Instituto Mediterrâneo para a Agricultura, Ambiente e Desenvolvimento.


Texto escrito por: Tânia Nobre

Investigadora do MED – Instituto Mediterrâneo para a Agricultura, Ambiente e Desenvolvimento, Laboratório de Entomologia, Universidade de Évora

Investigadora Principal do projeto PTDC/ASP-PLA/30650/2017

Uma estratégia com base na simbiose para a gestão da mosca da azeitona: à procura de potênciais ‘cavalos de Troia’.

Contacto: tnobre@uevora.pt

 

 


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