João Vacas

Tristezas não pagam dívidas… e carinho também não – João Vacas

Na sua visita à Agroglobal do passado dia 8 de Setembro, o Primeiro-Ministro reconheceu a «dívida de gratidão» do país para com os seus agricultores pelo modo como o sector se manteve operacional durante todo o período da pandemia. Na altura, António Costa acrescentou que «é uma palavra de estímulo e de carinho que devemos dar». Parece pouco pagamento para tanta dívida.

Por muito simpática que possa ser, «uma palavra de estímulo e de carinho» não é propriamente aquilo de que a fileira agroalimentar mais precisa, a menos que a ela se sigam acções concretas. Os agricultores não suspiram por ternura governamental, antes esperam – cada vez mais e cada vez com mais razão – que o governo os respeite e que, no seu seio, haja conhecimento sério e a sério sobre a sua actividade e que estes se traduzam em estímulos, talvez menos afectuosos, mas significativamente mais palpáveis que a tal palavra.

A omnipresença arrogante de uma certa visão da ecologia que insiste em ver a agricultura e a pecuária como agressores – e que transformou “o ambiente” numa espécie de religião secular – desmente o carinho e o estímulo proclamados. Por maiores que sejam os exercícios discursivos, aguardam-se demonstrações práticas, que passem menos por presenças sorridentes e em loquacidade de ocasião, que sejam garante de coerência na abordagem governamental às necessidades e especificidades da agricultura e da pecuária portuguesas.

O progressivo esvaziamento de competências do Ministério da Agricultura, que acelerou ao longo do mandato do XXII governo constitucional, e que tem sido denunciado por diversas entidades e personalidades ligadas à fileira agroalimentar, bem como a sua subalternização na respectiva orgânica, constituem sinais preocupantes de que a dívida de gratidão para com os agricultores continuará a ser saldada de um modo, no mínimo, intermitente.

Diversos artigos no Agroportal, como o último do senhor Professor Manuel Chaveiro Soares, têm chamado a atenção para as desadequações da nova PAC à realidade nacional e para a necessidade de não se fazer tábua rasa desta em nome do cumprimento de macro-objectivos europeus que parecem ter em ambição o que lhes falta em atenção ao detalhe. Vale a pena reler as suas análises e advertências e valeria, sobretudo, muito a pena que também o governo demonstrasse compreendê-las e agisse em conformidade ao nível europeu.

É certo que nunca como hoje a inovação tecnológica e a investigação foram colocados ao serviço da produção alimentar, assim como as preocupações ambientais passaram a fazer parte do dia-a-dia de quem gere empresas nestes sectores. Mais do que uma mera predisposição para incorporar o que se faz de mais avançado na operação prática das explorações e para, através dela, acautelar a sobrevivência e renovação dos ecossistemas, a tecnologia, a investigação e a protecção ambiental são hoje elementos essenciais a uma produção que combina a intensividade com a sustentabilidade.

Mas essa combinação, que se deseja o mais harmoniosa possível, não dispensa os produtores. Não existirá sem eles. A produção alimentar mostrou não apenas que era capaz de resistir a uma pandemia, mas que era também apta a continuar a colocar no mercado os alimentos mais seguros e saudáveis do mundo, cumprindo as exigências normativas que lhe foram sendo aplicáveis.

Mais do que carinho retórico, o estímulo da consequência parece ser um bem escasso. Urgiria que o governo se aprovisionasse dele em maior quantidade.

João Vacas

Consultor da Abreu Advogados


O autor escreve segundo a antiga ortografia.

Togas num campo de milho – João Vacas


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