Vivem-se dias de alto risco neste final de 2021. O petróleo disparou, a eletricidade bate recordes e as notícias de subida do preço de vários produtos sucedem-se. Os sinais em Portugal já são visíveis: no abastecimento de cereais, nos alimentos e na indústria. A ‘escassez’ pode estar ali, ao virar da esquina
Sector alerta para aumento das dificuldades de fornecimento internacionais. Em caso limite, Portugal só tem stock para 15 dias. Escassez faz preço do bacalhau disparar 15%, multiplica custo das matérias-primas e ameaça prendas de Natal
A partir de janeiro “ficamos totalmente expostos ao que os outros países nos quiserem vender” para nos alimentarmos em termos de cereais. “Se houver um bloqueio ou apenas se um navio não puder atracar ou não conseguir chegar a tempo aos portos portugueses, só teremos cereais para pouco mais de 15 dias.”
É desta forma que Jorge Neves, presidente da Associação Nacional dos Produtores de Milho e Sorgo (AMPROMIS), descreve o estado a que chegou o sistema produtivo nacional. Fica assim exposta a fragilidade de um sector que luta agora em várias frentes para garantir comida na mesa dos portugueses: a extrema dependência dos transportes internacionais, cujos preços dispararam para valores historicamente elevados nos últimos meses [e Portugal importa 75% do milho de que precisa e mais de 90% do trigo para pão e massas]; a vulnerabilidade geopolítica dos países fornecedores [economias instáveis como a Rússia, a Ucrânia, a Argentina ou o Brasil, que não hesitarão um segundo em fechar a torneira das exportações para atender a necessidades internas], e ainda a escalada internacional nos preços da energia, que está a tornar cada vez mais complicado não apenas os sistemas de produção, mas o acesso às matérias-primas em geral.
À beira da tempestade “mais que perfeita”
Ou seja, e em suma, estamos “perante uma tempestade mais que perfeita para, de um dia para o outro, podermos ter um problema grave de segurança de abastecimento de alimentos básicos a Portugal”, sublinha aquele responsável.
E se a situação é crítica no abastecimento de milho (cuja produção deste ano ainda está no terreno), “no trigo para pão e para massas e em todos os restantes cereais ainda é mais preocupante”, assegura José Palha, presidente da Associação Nacional de Produtores de Proteaginosas, Oleaginosas e Cereais (ANPOC).
Este dirigente associativo nota que em toda a União Europeia só Malta está em pior posição que Portugal, mas a situação ainda vai ficar mais complicada porque na campanha deste ano a produção caiu em relação ao ano anterior. Como se todo este cenário de variáveis internacionais críticas não chegasse, a produção nacional de cereais ainda se debate com outro problema.
Em cada ano perde cada vez mais terreno para outras culturas muito mais rentáveis. Tudo começou com o olival — há já cerca de 15 anos — e agora está a ceder terra ao amendoal e, mais recentemente, à plantação de abacateiros.
E não é difícil compreender as opções de quem investe na terra. Perante a frieza dos números, muitos agricultores não hesitam e trocam rapidamente de estratégia. Enquanto um hectare de trigo pode render €500 ao produtor […]