Ricardo Braga e Gonçalo Rodrigues

Será possível estimar a evapotranspiração de referência a partir do espaço? – Gonçalo Caleia Rodrigues e Ricardo Braga

A escassez recorrente de água, juntamente com a maior competição pelos recursos hídricos disponíveis, requer o conhecimento preciso do consumo de água pelas culturas. A evapotranspiração (ET) tornou-se sinónimo desse consumo. A gestão de água em agricultura requer a estimativa precisa das necessidades de água de cada cultura, exigindo uma estimativa precisa da evapotranspiração cultural (ETc). Segundo a Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO) a determinação da ETc resulta da combinação da evapotranspiração de referência (ETo) com um coeficiente específico para cada cultura (o coeficiente cultural, Kc). Assim, a ETo torna-se um dos elementos-chave para estimar as necessidades de rega. Além disso, permite inúmeras aplicações, como a gestão de água, o projeto e gestão de sistema de rega, a programação da rega e a modelação dos sistemas de produção. Há um elevado número de métodos empíricos, semi-empíricos e de base física disponíveis para estimar ETo, tendo por base com base em variáveis agrometeorológicas, como temperaturas máxima e mínima, velocidade do vento, humidade relativa e radiação solar. Contudo, a informação agrometeorológica continua a ser insuficiente, quer seja pela insuficiência de pontos de observação, pela sua qualidade, ou pela limitação (tanto física como monetária) de acesso à fonte dos dados.

Num artigo já publicado aqui no Agroportal, fazíamos a pergunta “Vamos continuar a precisar de mais estações meteorológicas?”. Concluímos que, recorrendo aos dados da NASA, através da sua plataforma Prediction Of Worldwide Energy Resources, conseguimos encontrar uma alternativa fácil, fiável e sem custos às observações das tradicionais Estações Meteorológicas Automáticas (EMAs).

Mas poderemos então questionar: Serão esses os dados suficientemente robustos para determinar necessidades de água de uma determinada cultura?

Num estudo que recentemente publicámos1 (que pode ser consultados em https://www.mdpi.com/2073-4395/11/10/2077) tentou-se dar resposta a esta questão. Procurou-se estimar a ETo a partir dos dados fornecidos pela NASA POWER e, através da comparação com a evapotranspiração com base em dados observados recolhidos por EMAs, determinar a sua precisão. Para tal, foram utilizados diferentes métodos para tentar quantificar a ETo e avaliar a precisão da estimativa. Dos métodos enumerados nesse estudo, destacamos o método FAO Penman-Monteith (PM), considerado como a referência internacional para estimar a evapotranspiração (mas que requer dados de  diversas variáveis agrometeorológicas), e um método bastante mais simples2, que denominámos de MaxTET, onde é apenas necessária a temperatura máxima para proceder à estimativa de ETo.

Os resultados demonstraram que, independentemente da forma de cálculo, os dados do NASA POWER permitem estimar, com erros raramente superiores a 10%, a ETo diária para a região do Alentejo. Quer seja pelo método da FAO ou pelo método MaxTET, os erros são pouco impactantes, pois tende a haver alguma sobrestimação da ETo, não provocando perdas de produtividade por falta de água aplicada. Há ainda espaço para melhoria; se os dados de base fornecidos pela NASA forem corrigidos, eliminando o erro da sua modelação, o erro da estimativa da ETo baixa consideravelmente, não vão além dos 5%. O estudo também comprova que, apesar da simplicidade do cálculo, é possível estimar a evapotranspiração de referência a partir apenas a partir da temperatura máxima, sem que haja erros de estimativa significativos.

Tais resultados permitem concluir que plataformas gratuitas como a NASA POWER podem ser úteis para acesso a dados meteorológicos para determinação da evapotranspiração de referência, permitindo adensar a informação disponível para uma melhor e mais eficiente tomada de decisão, nomeadamente de rega.

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Evapotranspiração de referência diária em Beja (01/04/2019 a 31/10/2019): dados observados PM vs. dados NASA POWER PM

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Evapotranspiração de referência diária em Beja (01/04/2019 a 31/10/2019): dados observados PM vs. dados NASA POWER MaxTET

No artigo anterior, terminávamos dizendo “se tentarmos estabelecer uma relação benefício/custo entre ter acesso a uma plataforma gratuita (…) e o esforço humano e financeiro de instalar e manter uma estação meteorológica, parece-nos que na maioria dos casos, o benefício se sobrepõe ao custo”. A nosso ver, estas conclusão apenas reforçam tal afirmação.

Referência Bibliográfica

1Rodrigues, G.C.; Braga, R.P. Estimation of Daily Reference Evapotranspiration from NASA POWER Reanalysis Products in a Hot Summer Mediterranean Climate. Agronomy 2021, 11, 2077.

2 Rodrigues, G.C.; Braga, R.P. A Simple Procedure to Estimate Reference Evapotranspiration during the Irrigation Season in a Hot-Summer Mediterranean Climate. Sustainability 2021, 13, 349. (https://www.mdpi.com/2071-1050/13/1/349)

Gonçalo Caleia Rodrigues, Professor Auxiliar do Instituto Superior de Agronomia

Ricardo Braga, Professor Auxiliar do Instituto Superior de Agronomia

Vamos continuar a precisar de mais estações meteorológicas? – Gonçalo Caleia Rodrigues e Ricardo Braga


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