Uma política pública deve ser sempre acompanhada por um balanço entre as vantagens e os inconvenientes que a mesma irá ter para os cidadãos.
A Estratégia do Prado ao Prato faz parte do Pacto Ecológico Europeu (European Green Deal), que foi desenhado pela Comissão Europeia fundamentalmente para tornar a economia da UE mais sustentável, mas os cidadãos não foram cabalmente esclarecidos acerca de todas as implicações envolvidas por estas novas políticas.
Até 2030, a aludida estratégia visa consagrar amplas áreas de solos agrícolas ao modo de produção biológica (25%) e à biodiversidade (10%); além disso pretende reduzir em 20% o consumo de adubos inorgânicos e em 50% as vendas totais de produtos fitofarmacêuticos e também reduzir em 50% do uso dos produtos fitofarmacêuticos de maior risco, incluindo os que constam da lista das substâncias ativas candidatas a substituição (e.g. cobre).
Sabemos como é difícil conciliar o inevitável aumento da produção de alimentos no mundo com a sustentabilidade ambiental.
Mas também sabemos que, por um lado, os produtos fitofarmacêuticos podem desempenhar um papel muito importante em termos de saúde pública, basta recordar que, ao longo de três décadas, o primeiro pesticida de síntese (DDT) salvou cerca de 500 milhões de vidas humanas devido à erradicação da malária, conforme foi estimado pela Academia Nacional de Ciências dos EUA (só depois foi detetado que a aplicação do mencionado pesticida tem repercussões ecológicas negativas), e, por outro lado, 2020 foi declarado pelas Nações Unidas como o Ano Internacional da Sanidade Vegetal, estimando-se que até 40% das culturas alimentares em todo o mundo são perdidas devido às pragas e doenças que afetam a sanidade dos vegetais (isto acontece quando, atualmente, ainda cerca de mil milhões de pessoas vivem em pobreza extrema e deitam-se todos os dias com fome).
Ora, a prevista redução, a par também com a retirada do mercado da UE de um tão elevado número de produtos fitofarmacêuticos, que reflexos irá ter na produção de importantes culturas para as quais Portugal dispõe de condições edafo-climáticas privilegiadas?
Concretamente, como nutricionista e fruticultor (pomóideas), por um lado (i) estou consciente do contributo positivo que dispenso à sociedade ao produzir pêras e maçãs cuja composição – nomeadamente em fibras, minerais, vitaminas e outros antioxidantes – lhes confere um valor nutricional excelente e com benefícios na redução das duas causas principais de morte em Portugal – doenças do aparelho circulatório e tumores malignos –, para além de um importante contributo para a riqueza nacional, e, por outro lado (ii) conheço o comportamento dos consumidores portugueses, tanto face à apresentação e qualidade da fruta como ao respetivo preço.
Ora, para responder com sucesso a estes dois últimos requisitos – boa apresentação e baixo preço – para que o consumo de fruta seja o desejável e acessível a toda a população, pois tal é importante em termos de saúde pública, ou seja, para promover a saúde, prevenir a doença e prolongar a vida saudável – é quase sempre imprescindível recorrer à aplicação criteriosa de produtos fitofarmacêuticos seguros e eficazes. É, pois, com expectativa que aguardo pela seleção que os decisores políticos venham a efetuar nesta matéria, inclusive tomando em consideração as diferenças climáticas entre os países mediterrânicos e aqueles que têm um clima frio, ficando na expectativa se tal decisão não irá afetar a produção frutícola europeia, praticada quer em modo eficiente como em modo biológico.
Adicionalmente, é imperioso que se pratique uma agricultura com eficiência produtiva (e, consequentemente, associada também a uma maior atividade fotossintética, portanto a um maior consumo de CO2, contribuindo assim para minorar o aquecimento global e, igualmente, utilizar a água com maior eficiência), suscetível de produzir fruta a custos competitivos, tanto mais que o consumidor dispõe de fontes alternativas, inclusive de países terceiros, cujas eventuais exportações para a UE implicam uma pegada de carbono que vai ao arrepio das atuais preocupações ambientais.
Adicionalmente, importa salientar que no setor frutícola português tende a generalizar-se a prática da agricultura de conservação, recorrendo-se, designadamente na entrelinha, ao arrelvamento espontâneo e, preferencialmente, com predomínio de leguminosas, fixadoras do azoto atmosférico o qual disponibilizam para as árvores de fruta, minorando assim a aplicação de adubos azotados. Deste modo o solo não é mobilizado, o que favorece as propriedades do mesmo, na medida em que eleva o seu teor de matéria orgânica (o que entre nós é particularmente relevante, na medida em que a aplicação de estrumes está condicionada por uma burocracia disfuncional). De salientar que a matéria orgânica constitui não só a base da fertilidade dos solos, mas também representa o principal reservatório de carbono dos ecossistemas terrestres, o que significa que reduz os gases com efeito de estufa na atmosfera, travando assim o aquecimento global, em linha com o Roteiro para a Neutralidade Carbónica 2050, objetivo central do Pacto Ecológico Europeu, onde as florestas e outros usos do solo desempenham uma função essencial no sequestro de carbono.
Atualmente, como fruticultor, contribuo para o PIB português com a minha atividade agrícola e proporciono alimentos saudáveis e a preço acessível aos consumidores, mas interrogo-me se na decorrência da redução dos adubos químicos e dos fitofármacos poderei continuar a servir igualmente bem a sociedade; duvido mesmo sobre a viabilidade económica dos meus pomares, que poderão vir a ficar abandonados, mas certamente “ambientalmente sustentáveis”.
Engenheiro Agrónomo, Ph. D.
Importância do consumo de proteína animal – Manuel Chaveiro Soares