Será que tem futuro?

O Luís é um miúdo normal que gosta de brincar a imitar o nosso trabalho e eu sou um pai normal que gosta de fotografar. Esta semana, uma foto com o trator de pedais, junto às vacas, mereceu alguns comentários muito simpáticos, que agradeço, mas também uma pergunta angustiada de um colega: “Será que tem futuro (na agricultura)?” Boa pergunta. É uma questão que tem estado presente muitas vezes no meu pensamento, em particular ao longo deste ano difícil.

Vamos por partes. Quando o Luís concluir os estudos e entrar na vida ativa o mundo será muito diferente do que é hoje. Não vale a pena sofrer por antecipação. O essencial é que tenha saúde para crescer e nós tenhamos saúde para o acompanhar e rendimento para uma vida digna e tranquila. Mas, para além do meu caso particular, pensemos em todos os miúdos que crescem connosco na agricultura. Será responsável da nossa parte encaminhar os nossos filhos para serem agricultores?

Sei que muitos cresceram a ouvir pais, avós ou vizinhos dizerem para deixar a agricultura e procurar um emprego mais confortável e rentável atrás de uma secretária. Havia razões para isso porque a reduzida dimensão de muitas agriculturas não permitia mais do que uma pobre subsistência. Também hoje me interrogo qual será a dimensão mínima que uma empresa agrícola precisará para sobreviver de forma rentável. Ao longo dos anos, o esmagamento dos preços agrícolas obrigou-nos a produzir mais para ganhar o mesmo. Quem parou de crescer, de melhorar a forma de trabalhar ou de investir na segurança e no conforto dificilmente teve ou terá continuadores.

A agricultura tem futuro. Vai evoluir e ser diferente do que é hoje, mas ainda não inventaram melhor forma de alimentar as pessoas, ocupar o território e manter a paisagem. A criação de animais tem futuro, apesar de estar debaixo do fogo de uma minoria barulhenta que não quer deixar os outros comer carne, ovos ou beber leite. A criação de animais é tão antiga como a agricultura. Os ruminantes são capazes de digerir a celulose das ervas dos montes onde nada mais cresce e completar a sua alimentação com rações feitas com os “subprodutos” da alimentação humana e dos biocombustíveis: polpa de citrinos, polpa de beterraba, bagaços de soja e de colza, destilados de milho, etc. E dão-nos ainda o estrume que fertilizou e enriqueceu as terras ao longo de gerações.
Procuro sempre olhar o copo meio cheio e ver as coisas pelo lado positivo, mas este tem sido um ano difícil. O custo das rações cresceu ao longo do último ano e vai continuar a subir. Nos últimos meses, disparou o preço da energia, do gasóleo e dos adubos. Basicamente, subiram todos os fatores de produção que temos de comprar, mas o leite que vendemos subiu apenas 1,5 cts / litro e não vejo vontade ou perspetiva de subir a curto prazo. Toda a gente diz que os produtores têm razão para se queixar mas as cooperativas são incapazes de valorizar o leite, as indústrias dizem que a culpa é da distribuição, as várias cadeias de distribuição dizem que a culpa é dos concorrentes ou da indústria e a ministra da agricultura e quase todos os restantes políticos quase nada dizem ou fazem para nos ajudar.

O mundo precisa de agricultores e haverá gente disposta a continuar a atividade, mas é preciso que todos os que ocupam lugares de poder (nas cooperativas, nas indústrias, nos supermercados, no poder político ou que de alguma forma possam intervir) coloquem a mão na consciência, tomem decisões corajosas e deem a mão aos agricultores neste momento difícil.

#carlosnevesagricultor


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