As perdas provocadas por incêndios, a falta de apoios públicos ao setor e o efeito de pesticidas aplicados na agricultura estão a deixar os produtores de mel do Algarve em situação de “calamidade”, advertiu uma associação apícola regional.
O presidente da Melgarbe – Associação de Apicultores do Sotavento Algarvio, Manuel Francisco, disse à agência Lusa que a “situação neste momento é de calamidade, porque todas as colmeias, mesmo as que não arderam” nos incêndios do verão passado na região, “têm de ser deslocadas dessa zona, porque estarão um período de alguns meses sem nada para comer”.
Os incêndios registados no Algarve, nomeadamente, em Monchique e no sotavento algarvio, nos concelhos de Castro Marim, Vila Real de Santo António e Tavira, causaram perdas de colmeias e vão ser necessários “dois a três anos” para recuperar a vegetação das zonas afetadas, sem a qual as abelhas ficam sem alimento.
O presidente da Melgarbe agradeceu a intervenção de emergência que a Direção Regional de Agricultura e Pescas (DRAP) do Algarve fez para assegurar a sobrevivência das colmeias que resistiram ao fogo, com a disponibilização “provisória” de açúcar como alimento, mas considerou que esta opção “não deve ser feita” sob pena da perda de qualidade do mel do Algarve, a principal região apícola do país.
“O que nós precisamos é de uma ajuda como existe noutros países europeus, em que as próprias Câmaras e Governos dão apoios diretos ao apicultor. Mas nós aqui, para esses fins, não temos apoios”, lamentou, sugerindo a adoção de ajudas “por colmeia” ou “por quantidade produzida” para os apicultores poderem suportar o aumento dos custos de produção e reporem efetivos destruídos ou afetados por mortalidade.
Paulo Ventura, técnico da Melgarbe, lembrou que a “região Alentejo e Algarve” tem “por volta de 20% das colmeias nacionais” e produz “o equivalente, aqui no Algarve, a mais de 1.100 a 1.200 toneladas, muito dele para exportação”, mas sublinhou que os “incêndios, as alterações climáticas e a seca têm baixado imenso a produção”.
“Aqui na região, vamos ter aqui 6.000 hectares – onde estavam por volta de 3.500 colmeias -, que vão estar um bocado estéreis durante, pelo menos, dois anos”, afirmou, sublinhando que no incêndio do sotavento (leste) algarvio “perderam-se por volta de 700 a 800 colmeias” e “as outras que estão no terreno ainda continuam a definhar e a morrer” pela falta de alimento.
Paulo Ventura considerou que “um apoio direto à colmeia seria imprescindível para continuar a lutar contra as alterações climáticas, contra os incêndios e contra os pesticidas”, porque nas zonas junto aos pomares, nas quais “não se deslocaram as colmeias”, as baixas foram “acima de 50%” do efetivo.
O diretor regional de Agricultura e Pescas do Algarve, Pedro Valadas Monteiro, reconheceu que os incêndios causaram perdas diretas de colmeias e da vegetação que serve de alimento às abelhas e justificou o recurso ao açúcar como uma “solução de recurso” para evitar o “duplo prejuízo” de ficar sem efetivo e sem alimento disponível para as abelhas produzirem o mel, “do qual dependem as suas receitas”.
O diretor regional disse que os apicultores costumam relacionar a mortalidade das abelhas com o uso de pesticidas em pomares próximos, mas frisou que, para confirmar essa hipótese, é necessário recolher espécimes e analisá-los para garantir que a morte foi causada por um produto proibido na agricultura, até porque há doenças “altamente prejudiciais” para as abelhas como a varroose e predadores como a vespa velutina, que afetam as colmeias.
Só depois os serviços de fiscalização podem ir ao terreno verificar quem utilizou a substância e atuar em conformidade, sublinhou Pedro Valadas Monteiro, considerando que a “influência que decorre da própria alteração dos padrões climatéricos afeta os seres vivos e afeta as abelhas”, criando “um misto e uma conjugação de vários fatores” que prejudicam a apicultura.
“Mas um dos calcanhares de Aquiles [do setor] sempre foi a questão da comercialização e comercializarmos com pouco valor acrescentado, nomeadamente, a comercialização a granel, que já se sabe que tem preço, um valor unitário, pago ao produtor apícola, substancialmente inferior àquele que existiria se o mel fosse vendido todo embalado, com rotulagem”, disse, admitindo que esse trabalho ainda tem de ser feito.