Miguel Vieira Lopes

Estará o abacate condenado pela opinião pública?

Artigo originalmente publicado na revista Agriterra

Têm crescido recentemente as críticas à cultura do abacate, essencialmente com argumentos de falta de sustentabilidade ambiental. Uma das principais faltas que lhe apontam tem a ver com o consumo de água de rega, que será excessivo. Na minha opinião, uma das maiores dificuldades que o sector agrícola enfrenta actualmente não é de origem técnica, mas reside em pressões e ideias infundadas de alguns grupos que julgam estar a defender o ambiente, e que são largamente difundidas pela comunicação social. Esta dificuldade é mais um dos resultados do incremental, mas constante, afastamento entra a população urbana e o mundo rural. Recentemente, em Portugal, o abacate tornou-se uma das vítimas deste fenómeno.

Num estudo recente sobre a importância da cultura no Algarve, a AGRO.GES fez uma análise de cariz técnico a três vertentes principais: a contribuição do abacate para a economia, o seu valor nutricional e como isso serve de driver para uma procura crescente e sustentada, e os potenciais impactos ambientais da sua produção e estratégias de mitigação para que esses impactos sejam bem geridos.

Quanto ao primeiro destes factores, o económico, o abacate tem um lugar de destaque. O referido estudo, feito para a ALGFUTURO e apresentado publicamente em Junho, mostra como os apenas 1833 ha existentes na região serão capazes de gerar um valor acrescentado bruto (VAB) de cerca de 40 M€ quando estiverem a produzir em ano cruzeiro. O VAB é escolhido para medir este contributo para a economia porque inclui não só o rendimento bruto do agricultor, mas também a riqueza gerada para o Estado e a paga à mão-de-obra. O nível de geração de emprego e a consequente contribuição para a coesão social são também muito importantes na região.

Quanto ao segundo dos pontos referidos, o fruto do abacateiro tem um conjunto muito alargado de benefícios de saúde como prevenção de doença cardiovascular e oncológica, osteoartrite, diabetes, entre outras. Isto é particularmente importante porque, para além de oferecer uma nova ferramenta no meio dos alimentos funcionais e da alimentação saudável, sustenta de forma muito sólida uma crescente procura pelo fruto, o que permite que a fileira se desenvolva em Portugal e noutras partes do mundo.

Finalmente, quanto aos impactos ambientais e às respectivas estratégias de mitigação, importa começar por referir que há sempre algum impacto associado à reconversão de uma qualquer área para um outro uso agrícola, especialmente quando se faz uma importante mobilização do solo. Assim, a plantação de um pomar de abacate tem sempre se ser analisada deste ponto de vista e em relação às características especificas da parcela. No entanto, e apesar do grande desconhecimento da opinião pública a este respeito, esta fase é acompanhada de um conjunto muito extensivo de regulamentos e condicionantes que pretendem salvaguardar esta situação e evitar os impactos nos locais mais importantes. Estes regulamentos e condicionantes são ditados pela RAN, REN, ferramentas de ordenamento do PDM, pelo DL 152B/2017, pela lei de protecção ao sobreiro e à azinheira, e por outras eventuais serventias de utilidade pública.

Não obstante este inevitável impacto da reconversão para cultura permanente, o que se passa a seguir, durante todo o resto da vida útil do pomar, também pode ter um impacto ambiental, havendo já o conhecimento e as ferramentas para o gerir da melhor forma. É aqui que o abacate se destaca como mais favorável que a maioria das culturas permanentes em Portugal, por dois motivos principais: porque só faz anualmente dois tratamentos fitossanitários e porque é uma cultura essencialmente nova no país, pelo que é produzida maioritariamente com tecnologia que privilegia a eficiência dos recursos.

Os principais recursos naturais que importa bem gerir no contexto de culturas permanentes são quatro: solo, água, biodiversidade e carbono.  Ora, o abacate faz naturalmente uma cobertura de folhas no solo, que o protege e incorpora matéria orgânica. Além disso, a maioria de explorações promove o enrelvamento da entrelinha. Quanto à água, a cultura é regada com sistemas gota-a-gota com eficiências superiores a 95%, além de, em muitos casos, usarem tecnologia adicional para poupar água de rega, como sondas de humidade e estações meteorológicas. Adicionalmente, a cultura não consome mais água anualmente que outras com que normalmente compete. Quanto à biodiversidade, a cultura tem uma excelente prestação porque apenas aplica um inseticida, com duas aplicações por ano. Não há herbicidas, fungicidas ou outros inseticidas que possam prejudicar a biodiversidade. Finalmente, em relação ao carbono, cada exploração deve fazer uma gestão cuidada do seu balanço de carbono, mas à partida, a cultura tem a grande vantagem de ter poucas aplicações, logo poucas operações mecanizadas, e de ter árvores de grande porte, que funcionam como stock temporário de carbono. Estratégias já existentes, que levam à a acumulação da matéria orgânica de folhas e lenha de poda no solo também têm um impacto positivo.

Assim, pode-se concluir que o abacate tem uma forte importância nas regiões em que se consegue desenvolver, gerando benefícios socioeconómicos localmente, produzindo alimento com elevado valor nutritivo e funcional, e permitindo uma gestão adequada dos impactos ambientais. Toda a actividade humana tem impactos, não demonizemos esta, mas antes estimulemos os agricultores a gerir para minimizar esses impactos e cumprir a sua importante função social de produzir alimentos.


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Miguel Vieira Lopes
COLABORADOR TÉCNICO
mvieiralopes@agroges.pt

O artigo foi publicado originalmente em AGRO.GES.


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