Joao Adriao

Os Dragões da nossa Floresta – João Adrião

“A natureza nunca nos engana, somos sempre nós que nos enganamos”

Jean Jacques Rousseau

Lendas de fadas, de bruxas, de gnomos, de feras aterradoras, etc… A floresta sempre se prestou ao nosso imaginário. Muitas destas histórias serão antiquíssimas, transversais a muitos lugares, culturas e gerações.

Por cá, continuam bem vivas. Afinal de contas, ainda há poucos dias o governo reciclou a fábula da fonte da juventude. Passou-se na apresentação do que será o Plano de Recuperação e Resiliência para as florestas. Promessas de milhões para transformar o país, uma nova paisagem, fazer diferente…

Temos assim, três pilares essenciais:

  • O Cadastro que, constava da Reforma da Floresta de 2016, tal como da Lei 31/2014, ou dos Decretos-Lei 65/2011, 224/2007, 172/1995, 74/1994 ou 513/1980, ou ainda do Decreto 11859 de 1926, de Decreto de 1848, e até de Alvará Régio de 1801. Uma medida jovem, esta;
  • A famosa transformação da paisagem, com, para além das faixas do Plano Nacional de Defesa da Floresta Contra Incêndios, de 2006, o sonho que vem do Liberalismo da reestruturação fundiária (a estrutura herdada do Antigo Regime sempre foi o Bode Expiatório, apesar de tanto ter mudado depois disso…), forçada, que já muito conflito social trouxe, por exemplo com a Revolução da Maria da Fonte, ainda no século XIX. Sintomático: o único Plano de Paisagem aprovado, o de Monchique, já está em tribunal;
  • A Maria mais nova, a Biomassa, ainda assim também ela da Reforma de 2016, como também da Estratégia Nacional para as Florestas de 2006 ou até do Decreto Lei 189 de… 1988, mas que teve o seu episódio mais paradigmático na sequência do Decreto Lei 5/2011, nos governos de José Sócrates, quando com condições muitíssimo favoráveis – eletricidade com preferência na rede e subsidiada a quatro vezes o valor de mercado – de quinze centrais a concurso, apenas duas avançaram.

Só um crédulo pode ver aqui algo diferente (até em algo que não cabe aqui: ah e tal que é pouco para o combate, quando ainda este ano continua o gáudio pelo “maior dispositivo de sempre). Uma falsa fonte da juventude que, tal como na lenda, acabará em desgraça com o mortífero ataque do dragão. E nós por cá já vimos muitos, de Monchique ao Gerês, passando por Pedrogão, Mação, Sintra, Leiria, etc., etc. E muitos continuarão à espreita para cuspir o seu fogo destruidor.

Já devíamos estar vacinados para este entusiasmo com grandes montanhas que acabam por parir pequenos ratos. Gastam-se muitos milhões? Pois, mas quando falamos do nosso espaço florestal, também os hectares se tratam por milhões. Não, não é falta de planeamento, já que planos não faltam (pelo contrário, vomitam-se planos em cima de planos). O problema é que estes não têm uma base económica, o que os mata à nascença. É que, sim, as paisagens transformam-se, mas transformam-se em resultado de mudanças socio-económicas, não a despejar euros sobre uma visão ideológica específica. Basta aliás recordar que dos 220 milhões prometidos para esta rubrica, menos de 20% são efetivamente para gestão.

Urge perceber que quer o Estado tem um alcance muito limitado para fazer a diferença face a tanta gente e tanto território – mais ainda quando quer impor a sua ideologia, em vez de apoiar quem está, quem faz – quer a própria bazuca não é propriamente um poço de petróleo governamental, já que o dinheiro europeu para os próximos seis anos é basicamente o mesmo que usufruímos nos seis anos anteriores.

Os problemas da nossa floresta, do nosso mundo rural, da nossa paisagem, são antigos e profundos e não vão desaparecer com um estalar de dedos. Pelo contrário, é bem mais fácil desaparecerem os milhões sem que nada de diferente se veja. Mas também não é preciso inventar novamente a pólvora. Falar delas ocuparia outro artigo, mas não deixam de existir algumas boas propostas, algumas até já prometidas também, como sejam a remuneração de serviços de ecossistema, emanados da Conferência do Rio em 1992, e que até constam do PRR, ou um sólido programa de fogo controlado ou ainda a gestão ativa e exemplar das Matas Nacionais, coisas prometidas na campanha eleitoral de António Costa em 2015. Mas como nada têm de épico, vão ficando na gaveta. Até porque nós, destinatários das políticas, parece que gostamos de ser enganados.

João Adrião

Gestor Ambiental e Florestal

Anjo e Demónio: o Javali – João Adrião


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