Numa altura em que emergem aplicações para enfrentar o desperdício alimentar, a pandemia provou que a mudança de hábitos começa em casa. Menos idas ao supermercado, restaurantes fechados e olhares atentos foram alguns dos contributos para que 36% dos portugueses mandassem menos comida para o lixo, durante o confinamento. Só em Portugal, estima-se que, por ano, um milhão de toneladas de alimentos acabem no lixo – resultados que contrastam com as 820 milhões de pessoas que passam fome no Mundo.
Iva Pires, investigadora, acredita que a pandemia está a ajudar as famílias a olhar para os alimentos de forma diferente. A falta de tempo, até então apontada como a culpada para o não planeamento de refeições e gestão de produtos, deixou de ser argumento. Uma rotina sem imprevistos e passada em casa permitiu que o olhar das famílias portuguesas se fizesse atento às prateleiras do frigorífico: o leite, os vegetais e as frutas foram os menos desperdiçados. Estas conclusões estão presentes no artigo “O Impacto do confinamento pela covid-19 nos resíduos alimentares dos agregados familiares portugueses”, publicado na revista “Human Ecology Review”, e dão conta de que esta paragem pode ter gerado maior “consciência sobre as questões ambientais, económicas e sociais” e, por isso, levaram a comportamentos mais responsáveis.
Além disso, e se noutros tempos a cozinha era, para muitos, encarada como um fardo, foi durante o confinamento um espaço de descompressão: um quarto dos inquiridos disse ter sido mais criativo na hora de cozinhar para aproveitar as sobras e outros apontaram ajustar a quantidade de comida ao que seria consumido e também ter em conta o prazo de validade, como algumas das estratégias para evitar excedentes.
Contudo, existem contrastes que saltam à vista. Mais da metade dos inquiridos disse ter mantido as compras por impulso como uma prática na hora de ir ao hipermercado. Em Portugal, e segundo um inquérito promovido pela Direção-Geral da Saúde durante o primeiro confinamento, 33,2% dos portugueses estão em risco de insegurança alimentar e, no mesmo período, chegaram ao Banco Alimentar cerca de 11 600 pedidos de ajuda. Além-fronteiras, os números não são animadores e, de acordo com a Coordenação de Assuntos Humanitários da ONU (OCHA), a pobreza extrema aumentou pela primeira vez em 22 anos (2020). O alarme parece não ter soado para todos ao mesmo tempo e há, ainda, quem encare o desperdício alimentar com a mesma leveza com que coloca os produtos no carrinho.
Para a investigadora, este tema engloba questões económicas, ambientais, sociais, mas também éticas. Ainda assim, o futuro é de esperança naquilo que ao processo de consciencialização diz respeito: “Felizmente o desperdício alimentar está a ganhar mais centralidade, quer na sociedade, quer em termos políticos”, disse. Para a especialista, os mais jovens têm aprimorado a sensibilização para o tema. Longe de seguirem modas, são ativos na hora de denunciar aquilo que “acham escandaloso”: “Penso que é também o efeito da educação a que são expostos desde muito novos, devido ao sistema educativo estar a introduzir os temas do ambiente, seja do desperdício, das alterações climáticas ou outros.”
Recorde-se que, em 2012, e segundo o PERDA, um estudo realizado por Iva Pires, estimava-se que, por ano, um milhão de toneladas de alimentos acabassem no lixo, só no território português. Todavia, a especialista salientou que estes dados não incluem todas as etapas da cadeia, como a produção agrícola, processamento, supermercado e famílias. Para combater esta lacuna, o Gabinete de Planeamento, Políticas e Administração Geral explicou que o INE e a Agência Portuguesa do Ambiente estão a trabalhar numa metodologia e numa recolha de dados capaz de gerar uma base referencial mais rigorosa.
Mas se “poupar dinheiro é um motivador importante”, Iva Pires não se inibe nos restantes argumentos: “Se cada uma das quatro milhões de famílias de Portugal deitar para o lixo uma laranja por semana, isso significa 16 800 toneladas de