Um especialista alertou hoje que o preço das matérias-primas alimentares tem aumentado desde 2020 e o mundo enfrenta atualmente uma grave crise alimentar, ampliada pela pandemia de covid-19.
“Estou mais preocupado agora, mais do que há um ano, com a situação relativa à segurança alimentar, a nível mundial”, disse Sebastian Abis, diretor-geral do grupo de reflexão sobre a agricultura Demeter, em entrevista à agência France-Presse.
“Já estamos hoje perante uma crise alimentar, a que não chamamos crise alimentar porque é encarada, pela primeira vez, como uma ‘crise pandémica’. Os aspetos da segurança alimentar não estão a ser devidamente explicados”, alertou o também investigador do Instituto de Relações Internacionais e Estratégicas (IRIS).
Segundo Abis, o mundo está perante uma crise social, política e económica comparável à que se viveu em 2007 e 2008, tendo em conta a dificuldade de acesso aos alimentos pelas pessoas “mais fragilizadas”.
Assim, considera que atualmente a perceção de que “os motins sociais” estão relacionados com os confinamentos provocados pelo covid-19 é errada porque, avisa, está na verdade relacionada com a diminuição dos rendimentos e com a queda do poder de compra dos consumidores.
“A fome no mundo ampliou-se com a ‘crise do covid’”, sublinha.
Para o investigador, as zonas mais ameaçadas “pelo cocktail explosivo” que “misturam” tensões geopolíticas, sociais e problemas estruturais dos sistemas alimentares são o Norte de África, Médio Oriente e alguns países a sul do Saara e também a “América do Sul em plena ebulição”.
“Assim que a pandemia chegou, nós estávamos a sair de um contexto global de produção agrícola favorável porque as colheitas em 2018 e 2019 tinham sido bastante boas. Não foi o caso de 2020 por motivos climáticos apesar de os agricultores globalmente se terem mantido ativos e a produzir”, explicou Abis.
Para o investigador, a pandemia de SARS CoV-2 potenciou a insegurança alimentar que ganhou terreno em todo o mundo devido aos confinamentos territoriais, perdas nas margens de lucro e o desemprego acentuado entre os consumidores.
“Muitas pessoas que fazem parte da classe média nos países emergentes estão à beira de cair na pobreza”, alerta o investigador, frisando que a crise pandémica está a acentuar grandes diferenças nos preços dos alimentos.
Um dos fatores sobre a discrepância nos preços foi provocado pelo armazenamento de alimentos, em excesso, por parte de Estados e entidades privadas como medida de precaução.
Por outro lado, a recuperação económica da República Popular da China, “mais rápida do que estava previsto”, também impulsionou a subida dos preços das matérias-primas alimentares em 2020 sobretudo, afirma Abis, quando aumentou exponencialmente a importação de soja e milho para restabelecer a suinicultura no país dizimada pela peste suína africana.
O aumento dos preços nos transportes marítimos e a alta cotação do petróleo também contribuíram para o agravamento do custo dos alimentos.
“Pessoalmente não vejo muitos fatores que conduzam à diminuição dos preços, a curto prazo. Ou ficamos em torno dos preços altos que se praticam atualmente ou podemos até vir a conhecer aumentos adicionais nos próximos meses”, disse o investigador e presidente da Demeter, com sede em Paris.
Sebástien Abis considera ainda que a situação sobre o preço dos alimentos pode agravar-se se a recuperação se verificar de forma rápida, sobretudo nos Estados Unidos porque a “distribuição” dos alimentos – a nível global – não é efetiva.
A pandemia de covid-19 provocou, pelo menos, 3.406.803 mortos no mundo, resultantes de mais de 164,1 milhões de casos de infeção, segundo um balanço feito pela agência francesa AFP.
A doença é transmitida por um novo coronavírus detetado no final de 2019, em Wuhan, uma cidade do centro da China.