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Investigadora estuda potencial dos feijões cabo-verdianos no combate da segurança alimentar

Os feijões congo, o mais conhecido, e pedra, o mais resistente, podem ser a chave para a segurança alimentar em Cabo Verde, onde a importação massiva de alimentos alterou a dieta local com impactos na saúde das populações.

A conclusão surge numa pesquisa da cientista cabo-verdiana Anyse Pereira, licenciada em Genética Molecular e Biomedicina pela Universidade Nova de Lisboa, e que é uma etapa de um projeto de investigação mais vasto sobre a valorização dos recursos naturais de Cabo Verde, para o seu doutoramento em Conhecimento e Gestão Tropical.

“O feijão sempre foi um dos alimentos de eleição e faz parte do cardápio de todos os cabo-verdianos. Está extremamente bem adaptado ao país, em termos de sustentabilidade e resiliência, e, em termos nutricionais, é muito completo”, explicou Anyse Pereira em entrevista à agência Lusa.

A investigação analisou cinco tipos diferentes de feijão, incluindo o congo, reconhecido por ser o mais usado na cachupa, o prato emblemático de Cabo Verde, e o pedra, um feijão que Anyse Pereira se lembra de ver a avô guardar durante anos em bidões de ferro, por causa do “trauma provocado pelas fomes”, que, nos anos 40 do século XX, assolaram o arquipélago, onde a chuva é esporádica e os solos muito pobres.

“Com a modernização dos transportes e a globalização, existe uma substituição do cardápio habitual por alimentos transformados que são, muitas vezes, muito menos nutricionais e exigem muito mais até chegar ao prato”, disse.

Por um lado, há a plantação de novas espécies não adaptados aos áridos solos cabo-verdianos, que exigem mais recursos, nomeadamente água, e por outro, as necessidades de transporte, que representam uma “muito maior pegada carbónica”.

“Vamos pondo de lado as espécies que até agora sustentaram o nosso povo”, considerou Anyse Pereira, assinalando também os “custos de saúde” causados pela “nova dieta”.

“Comemos cada vez pior, muito mais alimentos industrializados, cheios de açúcar e isso vai-se refletir na saúde da população. Verifica-se um aumento da diabetes, de cancro infantil, que era praticamente inaudito em Cabo Verde, ou de doenças coronárias. Tudo isso reflete principalmente da alimentação”, afirmou.

A investigadora sublinhou que existe uma desvalorização crescente dos recursos naturais que sempre foram usados na alimentação dos cabo-verdianos.

“Em vez de os complementarmos com novas opções que surgiram com a globalização, substituímo-los”, frisou.

Num artigo para a revista académica ‘The Conversation’, Anyse Pereira sublinhou que a dependência da importação de alimentos coloca Cabo Verde “numa situação vulnerável” no que diz respeito à segurança alimentar, vulnerabilidade acentuada com a pandemia de covid-19, num país que depende fortemente do turismo.

Dados da Food and Agricultural Organisation, citados no artigo, revelam que Cabo Verde não atingiu ainda o objetivo de erradicação da fome e cerca de 5,3% da sua população sofre de insegurança alimentar.

A agricultura cabo-verdiana é baseada em alimentos como o milho e feijão, mas também na abóbora, mandioca, cana-de-açúcar, tomate e batata-doce, e a dieta da população depende principalmente de cereais – milho, arroz, e trigo – vegetais e peixe, explicou a investigadora.

Por isso, a pesquisa, debruçou-se sobre a forma como as leguminosas poderão ajudar a prevenir e combater a insegurança alimentar, tendo concluído que os feijões cultivados no arquipélago são “uma excelente” e “relativamente barata”, fonte de nutrientes e minerais essenciais.

“O feijão seco é de baixo custo, baixo teor de gordura, baixo colesterol e baixa manutenção – equilibrado com elevado teor de macro e micronutrientes, fibra elevada, alta versatilidade e muito longo prazo de conservação”, apontou Anyse Pereira.

Do trabalho resultou a elaboração de uma lista das leguminosas utilizadas como alimento, dados sobre a sua distribuição no arquipélago e no mundo, bem como uma avaliação mais específica sobre as espécies consumidas e comercializadas na ilha de Santiago, a maior e mais populosa do país.

Segundo Anyse Pereira, todo este conhecimento pode ser utilizado na implementação de políticas públicas e no desenho de estratégias de conservação e valorização dos recursos naturais do país.

Por outro lado, considerou, vai criar bases para alargar a investigação à valorização do conhecimento tradicional, onde se incluem além da alimentação, a medicina tradicional ou as técnicas tradicionais de agricultura.

“O conhecimento tradicional tem sido desvalorizado por causa do fenómeno de ocidentalização e vai havendo uma substituição, em vez de uma integração e de um enriquecimento da cultura, de valores muito antigos, mas que são válidos, por valores mais modernos e inadequados e inadaptados à nossa realidade”, concluiu Anyse Pereira.


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