José Diogo Albuquerque

Outra crise de preços nos alimentos? – José Diogo Albuquerque

O índice de preços alimentares da FAO (Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura) registou em janeiro de 2021 o oitavo mês consecutivo de aumento de preços, o aumento seguido mais longo da última década e o maior aumento desde 2014.

A questão que se está a perguntar é se iremos voltar aos níveis de 2010, com subidas de preços de alimentos record e uma grande volatilidade.

Os ingredientes para uma receita de aumento de preços estão todos lá. E têm sobretudo que ver com a conjuntura atual e com as implicações da pandemia.

Primeiro, a China está a constituir stocks de cereais à medida que vai repondo o seu efetivo de porcos, reduzido pela peste suína africana, o que baixa a disponibilidade para os outros países.

Segundo, a produção de cereais foi menor do que a esperada nos Estados Unidos e as perspetivas são baixas na União Europeia, Rússia, Tailândia e América do Sul.

Terceiro, as taxas às exportações de cereais pela Rússia e, possivelmente, pela Argentina, limitam a oferta.

Finalmente, temos as implicações dos confinamentos e desconfinamentos por causa da Covid. Por um lado, levaram as pessoas a comprar alimentos e medicamentos para armazenar em casa. Por outro, os desconfinamentos impulsionaram as pessoas a gastar mais. Ora, ambos os fatores contribuem para uma inflação dos preços. Os artigos de Jaime Piçarra e Maria Carvalho no Agroportal explicam bem esta conjuntura.

Não sabemos o futuro próximo, mas os especialistas do sector alimentar e agricultura, em geral, consideram que o risco de aumento de preços é real, embora talvez não tão generalizado como em 2008.

Voltamos a ficar preocupados, como estivemos há 13 anos. Mas também como estivemos no ano passado, aquando do aparecimento do Coronavírus.

A verdade é que existe uma tendência natural para dar por garantidos o abastecimento de alimentos e a agricultura. Em 2008, com a crise de preços altos, houve falta de alimentos em alguns pontos do mundo, açambarcamentos e motins. Viveu-se uma realidade que não se imaginava.

No entanto, bastaram uns anos de normalidade para voltar-se a dar como garantida a produção de alimentos. Aliás, pior que garantido, o sector foi injustamente criticado nas eleições legislativas portuguesas, o Ministério da Agricultura foi reduzido e tiraram-lhe competências.

Chegámos ao ponto de um reitor proibir o consumo de carne de vaca na Universidade e de termos a telescola a apresentar um slide que, em traços largos, ensinava aos alunos que os impactos da exploração de recursos agropecuários eram nocivos para a saúde humana e para o ambiente.

E tivemos a agricultura nas últimas eleições legislativas como tema de troca de argumentos baseados em desconhecimento, ideias pré-concebidas e agendas políticas (os candidatos a Presidente da República neste tema foram mais razoáveis).

No ano passado, em março, apanhámos um susto. Com o primeiro confinamento, houve a dúvida se teríamos alimentos suficientes. Felizmente, o susto durou pouco tempo: foi pedido ao sector agrícola para continuar a trabalhar, ainda que com novas restrições e dificuldades.

O sector deu resposta, mostrando-se resiliente, e continuou a produzir. Os supermercados organizaram-se e o escoamento de alimentos foi assegurado.

Chegamos à data de hoje, com uma conjuntura mundial que pode afligir. Mas com a certeza, porém, que temos um sector agrícola nacional e europeu mais moderno, resiliente, com as ferramentas de inovação tecnológica e gestão chaves para produzir mais com menos impactos no ambiente e com uma política agrícola europeia que confere aos empresários agrícolas estabilidade e modernização.

Haja reconhecimento social e governamental aos nossos agricultores e um Ministério com dimensão e competências técnicas para o apoiar.

O artigo foi publicado originalmente em Eggas.

Olhem bem para a agricultura, meninos da cidade – José Diogo Albuquerque


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