“Cada fogo destrói anos de captura de carbono”

Projetos Expresso. “50 para 2050”, uma iniciativa do Expresso e da BP, voltou a acontecer esta terça-feira, como sempre às 11h no Facebook do Expresso. Foi já o sétimo de dez debates digitais e teve como tema os sistemas de captura de carbono

A captura (ou sequestro), armazenamento e valorização do carbono que é emitido em excesso para a atmosfera é uma das medidas para atingir a neutralidade carbónica em 2050, como estabelecido pela Comissão Europeia. Mas a maior parte dos processos estão ainda em estudo ou em desenvolvimento tecnológico e, por isso, são soluções que ainda vão demorar a estar em prática e que precisam de alguns incentivos, tanto pedagógicos como financeiros. Esta é a convicção dos cinco convidados do debate de hoje. A saber: Adélio Mendes, professor catedrático da Faculdade de Engenharia da Universidade do Porto (FEUP); Ana Sousa, investigadora do Centro de Estudos do Ambiente e do Mar da Universidade de Aveiro; Francisco Avillez, coordenador científico e sócio fundador da Agroges; José Palha, presidente da Associação Nacional de Produtores de Cereais (ANPOC) e ainda Miguel Aranda da Silva, diretor da área de resíduos da Veolia Portugal. Aqui ficam as principais conclusões.

1. O papel das florestas e da agricultura

  • Uma das formas de capturar e armazenar CO2 é através da natureza, nos solos, nas plantas e nos oceanos. Afinal “as árvores são um dos principais elementos de armazenagem de CO2”, por causa da fotossíntese, comenta Francisco Avillez. Mas, apesar de serem processos naturais, eles podem ser maximizados pela ação do homem, para que seja possível capturar ainda mais o excesso de CO2 que está na atmosfera. Isto porque haverá sempre carbono, ele “foi eleito pela natureza como o vector que agrega energia e matérias-primas e, por isso, não é mau, o seu excesso na atmosfera é que é”, explica Adélio Mendes.
  • Nas florestas, o objetivo é aumentar a área plantada, mas só isso não chega. É preciso uma boa gestão do solo e do ordenamento do território, porque estamos a concentrar mais os esforço na prevenção do que em apagar os fogos, diz Francisco Avillez, e “cada fogo destrói anos de sequestro de carbono”, acrescenta.
  • Na agricultura, a captura de carbono está ligada ao aumento das matérias orgânicas no solo o que é conseguido através do aumento da produtividade, mas também de uma melhor gestão das terras e dos resíduos. Ou seja, se se conseguissem aproveitar mais resíduos orgânicos (da pecuária e das casas das pessoas), eles poderiam ser aplicados nos solos para servir como fertilizante natural e, dessa forma, aumentar a produtividade. “Resolve-se o problema dos resíduos [que são cerca de um milhão de toneladas por ano só em Portugal], de segurança alimentar e de sequestro de CO2”, diz Miguel Aranda da Silva.
  • Mas de acordo com o Roteiro para a Neutralidade Carbónica 2050 (RNC2050), este aumento da produtividade tem de ser feito através de práticas sustentáveis e, segundo José Palha, isso pode reduzir a produtividade e afectar os rendimentos dos agricultores. “Daí que sejam precisos incentivos em dinheiro”, acrescenta. Além disso, “os agricultores ainda não são todos esclarecidos” porque é uma actividade envelhecida com questões geracionais. “Estas políticas têm de sempre acompanhadas por uma componente pedagógica”, repara.

2. Armazenar CO2 nas plantas marinhas (não são algas)

  • Já é conhecida a possibilidade de captura e armazenamento de CO2 no fundo dos oceanos e mares, mas também é possível fazê-lo em pradarias marinhas e sapais. As pradarias marinhas são zonas de ervas marinhas que se encontram em áreas de água pouco profundas, como por exemplo, o estuário do Tejo ou a Ria de Aveiro. E os sapais são também zonas de vegetação marinha (mas esta é rasa) que se podem encontrar junto à foz dos rios ou em águas mais paradas.
  • De acordo com Ana Sousa, o armazenamento neste tipo de plantas é mais duradouro do que nos ecossistemas terrestres porque “têm menos oxigénio e, por isso, o CO2 permanece guardado durante séculos”.
  • Recentemente houve uma reunião entre a Ocean Alive, que está a desenvolver um projeto para armazenar CO2 nestes locais, e várias entidades, entre elas o ministério do Mar e a Associação Portuguesa do Ambiente (APA) onde foi discutida a possibilidade de incluir estes habitats aquáticos no RNC2050, conta Ana Sousa. “Mas tem de ser feita mais investigação”, diz.

3. Transformar o CO2 em substâncias de valor comercial

  • A captura e armazenamento de carbono não é apenas um processo natural. Ele também pode ser feito em centrais termoeléctricas a carvão ou gás natural e nas indústrias, ambas grandes produtoras de emissões. “Podemos retirar o CO2 da chaminé de uma central a carvão e purificá-lo e armazená-lo, mas também podemos valorizá-lo para produzir substâncias de valor comercial”, diz Adélio Mendes. Por exemplo, explica, podem fazê-lo reagir com o hidrogénio para produzir metanol, que pode ser usado como combustível, ou celulose, a partir da qual se pode depois fazer papel. Há ainda projetos a serem desenvolvidos nas universidades e empresas para usar o CO2 para produzir benzendo ou amoníaco, muito usado na indústria química e de adubos.
  • “Na minha opinião, armazenar o CO2 [das indústrias e centrais a carvão] deve ser entendido como estratégia de emergência e transitória, porque muito destes sistemas não são estáveis a longo prazo. Mas a valorização do CO2 pode dar-lhe uma segunda vida e só consigo fechar o ciclo se pegar no carbono e produzir matéria-prima que não tenha emissões”, conclui Adélio Mendes.

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