O produto mais exportado de São Tomé e Príncipe já não é o cacau, mas sim o óleo de palma, resultante de palmeiras plantadas após a destruição de uma floresta que era o habitat de espécies em vias de extinção.
Apesar da sua origem africana, a palmeira que produz o óleo de palma – hoje utilizado em variadíssimos produtos, incluindo biodiesel, dado o seu baixo custo e adaptabilidade – existe com maior dimensão na Ásia, nomeadamente Indonésia e Malásia, palco de mais de 80% da produção.
Em 2020, a Indonésia produziu 43,5 milhões de toneladas de óleo de palma e a Malásia 19,5 milhões.
Em São Tomé e Príncipe, a primeira unidade industrial começou a sua produção em dezembro de 2019, com uma capacidade para produzir 10.000 toneladas anuais de óleo de palma, através de uma empresa (Agripalma), com capital belga (88%) e do Estado são-tomense (12%).
Para a criação da Agripalma foi acordada a concessão de 5.000 hectares para o cultivo industrial de palmeira de óleo de palma, estando atualmente ocupados 2.100 hectares.
O presidente da Liga para a Proteção da Natureza (LPN), Jorge Palmeirim, tem acompanhado de perto os estragos ambientais das palmeiras nas florestas de São Tomé e Príncipe, lembrando a sua importância devido às espécies endémicas, como algumas aves, repteis, anfíbios e plantas.
“É lamentável que uma empresa belga se predisponha a destruir floresta preciosa para São Tomé e Príncipe e também para o mundo”, disse, receando que esta expansão para territórios africanos aumente.
Atualmente, vários Estados africanos produzem óleo de palma, como a Nigéria, República Democrática do Congo, Gana, Camarões e Costa do Marfim, todos países em desenvolvimento. Angola já foi sondada por empresários para a plantação e o Governo indicou possíveis zonas para tal, como as províncias do Bengo, Benguela, Cabinda, Cuanza Norte e Uíje.
Jorge Palmeirim interpreta esta “tentação africana” dos produtores com o facto de se tratar de países que, de uma forma geral, não têm leis suficientes para proteger o ambiente e também devido às suas vastas dimensões.
“É grave o que estas empresas fazem, mas também a postura da União Europeia que levou à explosão da produção de óleo de palma quando exigiu a adição de biodiesel ao combustível”, disse, acrescentando: “Estão a exportar a destruição da biodiversidade”.
“Como o óleo de palma é bastante barato, a sua produção avançou, substituindo as florestas húmidas e ocupando os melhores terrenos, como em São Tomé e Príncipe, onde crescem nas zonas planas e de maior biodiversidade”.
Jorge Palmeirim reconhece a importância das fontes de rendimento e dos empregos que esta produção tem criado. Só em São Tomé e Príncipe, a Agripalma afirma que criou 793 empregos diretos e indiretos.
“Os países precisam, de facto, de fontes de rendimento e de emprego, mas muitas vezes há alternativas muito melhores do que as que são exportadas”, referiu.
“Se a preocupação fosse a criação de emprego estariam focados nas alternativas mais saudáveis e sustentáveis”, sublinhou, defendendo um investimento em produções mais amigáveis do ponto de vista ambiental, como o cacau, o produto que sempre liderou as exportações são-tomenses até 2020, quando o óleo de palma o superou.
“A produção de cacau pode ser feita debaixo das copas das árvores e, não sendo inócua, é mais amigável do ponto de vista ambiental e da sustentabilidade, pois não implica a desflorestação”, adiantou.
Para Rui Barreira, que coordena a área da conservação da Associação Natureza Portugal (ANP), organização que trabalha com a World Wide Fund For Nature (WWF), o maior ameaça é a desmatação chegar à biosfera daquele país, localizada na ilha do Príncipe, que tem esta classificação da UNESCO devido às espécies únicas que ali vivem.
“Podemos estar perante um crime ambiental, agora que o foco internacional se está a virar para África, pois o sudoeste asiático deixou de ser tão atrativo, conforme já referiu um recente relatório da WWF”, disse.
Para Rui Barreira, o impacto da desflorestação a que obriga a produção de óleo de palma em algumas espécies “é brutal”, sendo disso exemplo o orangotango, o rinoceronte, elefantes e tigres da Sumatra, que perderam os seus habitats para o palmeiral.
Estima-se que, todos os anos, a biodiversidade associada às monoculturas industriais conduza à morte de 50.000 animais e plantas.
“Vão destruir o pouco que resta das florestas e das melhores florestas de baixa altitude”, lamentou, defendendo escolhas responsáveis na altura em que o consumidor adquire um produto, pois o óleo de palma está presente em produtos tão distintos como pizzas, sabonetes, velas, detergentes, bolachas, combustível…
“Os grandes retalhistas mundiais devem garantir que, nas suas cadeias de abastecimento, o óleo de palma que utilizam não provenham destas áreas desmatadas”, defendeu.
O biólogo Hugo Sampaio, da Sociedade Portuguesa de Estudo das Aves (SPEA), observa as aves em São Tomé e Príncipe desde 2013, classificando-as como “muito associadas à floresta nativa”.
“São aves florestais, precisam da floresta para sobreviverem. Se destruírem este habitat, elas vão desaparecer”, disse à Lusa.
A galinhola (Bostrychia bocagei), o anjolô (Neospiza concolor) e o picanço-de-são-tomé (Lanius newtonii) têm em comum serem aves em vias de extinção e viverem em São Tomé e em mais nenhuma outra parte do mundo.
Segundo Hugo Sampaio, as mais ameaçadas são as que vivem dentro da floresta e a galinhola a que “mais sofre” porque está nas terras baixas e mais próximas das áreas concessionadas para a produção de óleo de palma.
“Onde havia muita biodiversidade, inclusive espécies ameaçadas, passou a existir a plantação”, lamentou.
Para o biólogo, a produção de cacau e café é menos agressiva para estas aves, porque é feita com floresta de sombra.
“O cacau e o café são produzidos em floresta, que é gerida, reduzindo a densidade de árvores, plantando algumas árvores para dar nutrientes à terra, mas que acaba por ser um habitat florestal muito rico em termos de biodiversidade”, disse.