A atribuição de apoios aos agricultores afetados pelos incêndios de 2017 na zona do Pinhal Interior decorreu “de forma desigual” e falta o Estado ressarcir o Fundo Revita em 900 mil euros, indica a comissão eventual de inquérito parlamentar.
Os agricultores lesados residentes nos concelhos de Castanheira de Pera, Figueiró dos Vinhos e Pedrógão Grande, distrito de Leiria, tiveram apoios do Fundo Revita, mas a atribuição dessas ajudas “constitui um incumprimento do regulamento interno”, aponta o relatório da comissão eventual de inquérito parlamentar à atuação do Estado na atribuição de apoios na sequência dos incêndios de 2017 na zona do Pinhal Interior.
O projeto de relatório, que teve como relator o deputado Jorge Paulo Oliveira (PSD), foi hoje apresentado na respetiva comissão, avançando com um conjunto de 83 conclusões e 36 recomendações sobre agricultura, atividades económicas, floresta e habitação.
Relativamente às recomendações, a comissão propõe que a agricultura passe a ser “um auxiliar precioso” para o combate ao abandono dos territórios de baixa densidade, a desburocratização dos processos de candidatura aos programas de apoio nacionais, a criação de um enquadramento legal extraordinário a aplicar em casos de calamidade e emergência, e a criação de um gabinete de crise.
Sobre a atribuição de parte dos donativos do Revita para apoiar os agricultores, a decisão foi tomada ao abrigo do regulamento de funcionamento e gestão do fundo, designadamente a alínea que prevê “outras necessidades de apoio devidamente identificadas, desde que não cobertas por medidas de política pública, em vigor ou de caráter extraordinário, dirigidas às áreas e populações afetadas pelos incêndios”.
No entanto, acontece que já estava em vigor uma medida de política pública de apoio aos agricultores, através do despacho n.º 6420-A/2017, que adapta o regime de aplicação da operação 6.2.2 para o Restabelecimento do Potencial Produtivo do Programa de Desenvolvimento Rural do Continente (PDR 2020) para uma subvenção não reembolsável de 100% até 5.000 euros.
O relatório da comissão eventual de inquérito parlamentar refere que a decisão do Conselho de Gestão do Fundo Revita de canalizar parte dos donativos para o apoio aos agricultores foi tomada por “desconhecimento do despacho n.º 6420-A/2017”.
Através do Revita, foram apoiados 1.131 agricultores, num montante total de 3,4 milhões de euros (3.440.358,26 euros) de subsídios concedidos, “o que correspondeu a 58% da dotação total do fundo”.
Considerando que o primeiro-ministro, António Costa, afirmou que o apoio aos agricultores pelo Revita foi uma decisão do Governo, e que o Estado disponibilizou 2,5 milhões de euros para cobrir esse investimento, “fica assim por ressarcir o fundo em 900 mil euros que foram gastos para além do valor investido pelo Estado”, conclui a comissão, lembrando que a fiscalização destas ajudas foi considerada “pouco transparente e sem critérios de avaliação” na auditoria do Tribunal de Contas.
“O facto de 58% do valor do Fundo Revita ter sido atribuído para o apoio aos agricultores impediu que fosse considerada a possibilidade de canalizar esse valor para outras necessidades habitacionais”, lê-se no relatório.
Entre as 23 conclusões sobre os apoios à agricultura, verificou-se que os residentes nos concelhos de Ansião, Alvaiázere, Arganil, Góis, Penela, Pampilhosa da Serra, Oleiros e Sertã não tiveram acesso às ajudas do Fundo Revita, tendo disponível o apoio decorrente da operação 6.2.2. para o Restabelecimento do Potencial Produtivo, com as candidaturas até 5.000 euros a receberem 100% de financiamento a fundo perdido, mas a medida “não era do conhecimento geral”.
Quanto aos apoios superiores a 5.000 euros, a perceção de “burocratização e complexidade excessivas” do processo de candidatura ao PDR 2020 obstaculizou a candidatura de grande parte dos agricultores lesados, expôs a comissão.
Outra das conclusões é que nos levantamentos de danos e prejuízos agrícolas “existe um diferencial 2.267.967 de euros”, com a Direção Regional de Agricultura e Pescas (DRAP) do Centro a estimar um valor de 19.300.000 de euros e a Comissão de Coordenação e Desenvolvimento Regional (CCDR) do Centro a apontar 21.567.967 de euros.
Tal como o Tribunal de Contas, a comissão “não encontrou uma justificação cabal” para a origem deste diferencial nos levantamentos.
Quanto à expetativa do Governo de criar ou desenvolver 33 parques de madeira queimada, em resultado dos incêndios de 2017, “apenas 14 entraram em funcionamento para o fim destinado, o que corresponde a uma execução de 42%”, revela a comissão, acrescentando que, segundo o Instituto da Conservação da Natureza e das Florestas (ICNF), da proposta de armazenamento de 1,66 milhões de toneladas de madeira, os parques de madeira criados armazenaram, até 31 de julho de 2020, 158 mil toneladas, representando “uma taxa de execução de 15%”.
O incêndio que deflagrou em 17 de junho de 2017 em Escalos Fundeiros, no concelho de Pedrógão Grande, e que alastrou depois a municípios vizinhos, nos distritos de Leiria, Coimbra e Castelo Branco, provocou 66 mortos e 253 feridos, sete deles com gravidade, e destruiu cerca de 500 casas, 261 das quais eram habitações permanentes, e 50 empresas.