Duas empresas do Alto Minho – a produtora de vinhos Soalheiro e a têxtil Tintex – desenvolveram um tecido alternativo ao couro feito com algodão orgânico e bagaço de uva passível de ser utilizado em diversos tipos de produtos.
“Além de aliar duas importantes indústrias portuguesas – têxtil e vinho – este tecido cumpre o objetivo de procurar soluções de economia circular, ou seja, de dar uma nova vida a resíduos vegetais que, de outra forma, seriam desperdício”, explicaram à agência Lusa os promotores do projeto.
Para além da localização – o produtor de vinhos Alvarinho está instalado em Melgaço e a empresa de tingimento, acabamento e revestimento de malhas Tintex situa-se em Vila Nova de Cerveira, a cerca de meia centena de quilómetros de distância – as duas companhias têm em comum uma aposta assumida na sustentabilidade e inovação.
E foi assim que, numa visita feita há alguns meses ao Soalheiro pelo diretor de inovação da Tintex – um “apaixonado por vinhos” que quis conhecer os projetos de inovação que a empresa vitivinícola tinha em curso -, surgiu a ideia de aplicar os resíduos vegetais das uvas, resultantes das vindimas, no fabrico de um tecido alternativo ao couro.
“Temos um resíduo que são os bagaços das uvas, que resultam da prensagem [extração do sumo que dá origem ao vinho]. Esses bagaços têm várias possibilidades de ser utilizados na indústria vitivinícola, mas a sua valorização não é significativa. E então surgiu a ideia, com a Tintex, de fazer uma experiência e utilizar este resíduo vegetal (que no fundo são películas de uva) para revestir um tecido orgânico”, explicou à agência Lusa o gestor e enólogo do Soalheiro, Luís Cerdeira.
Desta experiência resultou a criação, há apenas alguns dias, do primeiro tecido de algodão orgânico com incorporação de uva, estando agora em aberto a sua utilização em diversos produtos e fins como um sucedâneo do couro.
“Agora é que é começa o sonho”, afirma Luís Cerdeira.
Já o diretor de inovação da Tintex, Pedro Magalhães, diz esperar ter, “até à próxima vindima, diversos tipos de produtos” com o novo tipo de tecido incorporado, “seja em rótulo para garrafas ou em alguns tipos de vestuário”.
“As possibilidades são muitas e dependem dos nossos clientes, embora sempre em parceria connosco”, sustentou.
Conforme explicou à Lusa Pedro Magalhães, esta parceria com a Soalheiro surgiu no seguimento de um projeto em que a Tintex esteve envolvida – o TexBoost, para desenvolvimento de uma nova geração de soluções têxteis inovadoras – e ao abrigo do qual se lançou na produção de um substrato têxtil que pudesse ser considerado como uma alternativa ao couro incorporando, sobre uma malha de algodão, materiais como serrim e casca de pinheiro.
Neste âmbito, a empresa tem atualmente em submissão a patente de um “material têxtil alternativo ao couro fabricado a partir de subprodutos e resíduos de origem vegetal”, cujo pedido foi apresentado em junho de 2016 e que espera ver concluído “num horizonte de três anos”.
“Já tivemos avaliações intercalares com resultado positivo, mas ainda falta muito tempo [para concluir o processo]. Mas como está feito o pedido internacional, a tecnologia e o ‘know how’ já estão protegidos”, disse o diretor de inovação da Tintex.
A intenção é “entrar com este produto nos mercados europeu, norte-americano e, possivelmente, também no Brasil” e em setores tão diversos como a saúde, moda, marroquinaria, calçado ou mobiliário.
Muito solicitada por alguns gigantes da moda que procuram de tecidos com menor impacto no meio ambiente (menor consumo de água, utilização de matérias-primas naturais, tecidos biodegradáveis), a têxtil de Vila Nova de Cerveira trabalha atualmente com várias marcas, nomeadamente do Norte da Europa e escandinavas (como o é caso da COS, do grupo sueco H&M), estando “a tentar entrar também nos EUA”.
Com cerca de 130 trabalhadores, dos quais 10 dedicados exclusivamente a atividades de inovação, a Tintex investe cerca de um milhão de euros por ano em Investigação & Desenvolvimento (I&D) e prevê que o segmento dos têxteis técnicos venha a responder, no prazo de cinco anos, por 20% da faturação da empresa.
Em 2020, o volume de negócios da companhia ascendeu a 11 milhões de euros, mas o objetivo é atingir os 20 milhões de euros em cinco anos, precisamente por via da aposta nos têxteis técnicos sustentáveis, com utilização de biopolímeros e de resíduos normalmente desvalorizados.
Esta mesma aposta na inovação e na sustentabilidade tem vindo a ser feita pelo Soalheiro na produção dos seus vinhos: desde 2006 que a empresa tem certificação biológica das suas vinhas, cujas uvas são usadas na produção de vinhos naturais, sem adição de sulfitos e com o mínimo de intervenção humana (sem filtração).
A empresa tem também em curso um processo de certificação de todos os seus vinhos com selo vegan, tendo instalado, no ano passado, uma cobertura vegetal na adega que permitirá uma poupança energética estimada de 26% ao ano.
Este ano, o Soalheiro está a renovar toda a sua gama com uma garrafa sustentável, com menos 19% de vidro e com redução das emissões de carbono utilizadas na sua produção e transporte.
Feitas em Portugal (quando antes eram produzidas no centro da Europa), 90% das garrafas Soalheiro irão adotar este novo formato até ao final do ano, o que permitirá uma poupança estimada de 56 toneladas de vidro ao ano.
Adicionalmente, também as embalagens usadas pela empresa foram repensadas para reduzir 39% do consumo de cartão, oriundo de florestas geridas de modo responsável (certificado FSC).