O Baixo Alentejo apresentou em 2019 um saldo migratório positivo, o que sucede pela primeira vez nos últimos anos. Os números foram agora divulgados pelo Instituto Nacional de Estatística (INE). Feitas as contas, entre quem emigrou e quem se instalou no território, há mais 697 pessoas a viver na região.
Texto Marta Louro
Até ao final do ano passado, e contrariamente ao que se verificou em anos anteriores, o saldo migratório – que resulta da diferença entre o número de imigrantes e o número de emigrantes – apresentou um valor positivo. Em 2019, entre as pessoas que emigraram e as que se instaram no território, o Baixo Alentejo “ganhou” 697 pessoas. Os dados do Instituto Nacional de Estatística (INE) mostram que, na região, são os concelhos de Beja (182), Ferreira do Alentejo (79) e Serpa (62) que apresentam os números mais elevados. Com um saldo migratório mais baixo, mas ainda assim, com valores positivos, encontram-se Alvito (35), Aljustrel (24) e Barrancos (3).
Em declarações ao “DA”, a demógrafa Maria Filomena Mendes diz tratar-se de “uma excelente notícia”, porque nos últimos anos – entre 2015 e 2018 – existiu sempre um saldo negativo. “Em 2019, não só se verificou um saldo diferente, como também foi um valor significativo, porque entraram 697 pessoas a mais, do que aquelas que saíram”.
Em seu entender, “é importante perceber a que se deve este aumento e este valor, porque quando analisamos um saldo migratório, temos de ter em conta as suas componentes, isto é, podemos ter um saldo positivo porque temos um valor de imigrantes a aumentar, porque temos um valor de emigrantes a diminuir, ou ainda porque as pessoas saem menos ou entram mais na região”.
“Se o Baixo Alentejo tiver um comportamento semelhante ao resto do país, podemos concluir que, por um lado, entra mais gente na região (há uma maior capacidade de atração e de fixação de pessoas) e, por outro, pode haver também uma diminuição dos emigrantes”. Se assim for, essa diminuição “é um sinal de que, em particular as pessoas mais jovens e mais qualificadas conseguem encontrar emprego e têm capacidade para fazer a sua vida na região sem ter de se deslocarem para outras zonas do país ou do mundo”, explica.
Segundo Maria Filomena Mendes, estamos perante uma “tendência bastante significativa, não só para a dinâmica da população, como também para o desenvolvimento da região e para a sua capacidade de atração e fixação, porque o que acontece muitas vezes é que conseguimos atrair [mais população], mas é de forma temporária, e por isso, não conseguimos manter saldos positivos durante muito tempo”. “Este ano”, prossegue, “é provável que também exista uma diminuição no número de emigrantes, mas, não existem, neste momento, dados que permitam perceber e analisar a situação”.
AUMENTO DE LEGALIZAÇÕES
Para o presidente da delegação da Beja da Associação para a Defesa dos Direitos dos Imigrantes (Solim), Alberto Matos, o valor do saldo migratório “significa que houve um aumento do número de imigrantes registados legalmente, ou seja, legalizados com autorização de residência, o que é bastante positivo”. Esta realidade, defende, “resulta, também, daquilo que tem sido feito nos últimos anos por organizações como a Solim e outras, que se têm debatido pela legalização e que têm aproveitado a nova lei da imigração”.
“É um contributo indispensável para a sociedade portuguesa, mas também porque estando os imigrantes numa situação legalizada, estão menos vulneráveis à exploração e ao trabalho escravo que, infelizmente existe na nossa região. Essas pessoas, ao estarem a contribuir para a Segurança Social, pagam impostos, e, portanto, sem ter nenhuma perspetiva economicista do problema, existe, também um ganho para a sociedade portuguesa”, acrescenta.
O saldo migratório positivo representa, assim, “um bom indicador [para a região], mas é apenas isso, porque há ainda muito a fazer para a integração e para a qualidade de vida, sobretudo da habitação. Sabemos que se vive, ainda, em condições miseráveis, principalmente nas comunidades imigrantes”.
Segundo Alberto Matos, está “montado” um “sistema de trabalho e de lucro montado, em parte relacionado com a azeitona e o amendoal”, no qual “os patrões não contratam ninguém diretamente e utilizam intermediários e empresas de trabalho temporário, sobretudo prestadoras de serviços. Algumas trabalham fora da lei e nem pagam os salários. Essa realidade é frequente nos últimos meses de campanha, em que os trabalhadores ficam à sua sorte em casas miseráveis”.
No Baixo Alentejo, principalmente no concelho de Beja, os imigrantes são de origem asiática: Índia, Paquistão, Nepal, Bangladesh ou Tailândia. Há também uma fortíssima presença de imigrantes oriundos da África Ocidental, de países como o Senegal, a Guiné-Bissau, a Serra Leoa, a Nigéria ou Máli. “Vêm para cá, porque há trabalho, mesmo que às vezes sem grandes condições. Existe uma esperança de legalização, que permite que as pessoas, se estiverem a trabalhar, com contrato e a descontar para a Segurança Social, possam legalizar-se. A língua é uma barreira, mas não muito. É um obstáculo que ao fim de um ano ou dois é ultrapassado”, conclui.
“HÁ UM ABANDONO E CADA UM TEM DE ANDAR COM AS SUAS PRÓPRIAS PERNAS”
Paulo Brimpande, 36 anos, da Guiné-Bissau, está em Beja há oito. Deixou a família e o país que o viu crescer devido a um problema oftalmológico. A sua vinda para Portugal teve um único motivo: procurar melhores condições de saúde. Primeiro esteve em Lisboa, onde foi operado, mais tarde veio para Beja. Apesar de já não trocar o Cante alentejano pela música guineense, recorda as dificuldades que sentiu no primeiro ano: “Senti dificuldades financeiras, a embaixada [da Guiné-Bissau] não quer saber de nós. Há um abandono e cada um tem de andar com as suas próprias pernas”.
Passados oito anos, e a trabalhar numa exploração agrícola, há sete, tem no frio a sua principal dificuldade. Uma dificuldade que até hoje ainda não conseguiu ultrapassar. Paulo encontrou em Beja, a oportunidade para realizar “o sonho de tirar a carta de condução”, e espera agora “conseguir concluir o 12º ano”. A saudade “bate forte em alturas especiais”, como no Natal ou no aniversário dos familiares, mas a “vida de imigrante é difícil. Estou cá e graças a Deus estou bem, (…) Portugal deu-me aquilo que o meu país me negou”.
O artigo foi publicado originalmente em Diário do Alentejo.