Se alguém chegou até aqui na ilusão de ler que “os políticos são todos uns filhos da mãe”, peço desculpa pela desilusão, mas já que entrou fique mais um pouco, até ao fim destas linhas. Poderá concordar comigo, abster-se ou discordar e, se entender, comentar. E então, entre a minha posição a e a sua oposição, talvez possamos chegar a um acordo ou consenso. Afinal, é isso que a política devia ser.
Na verdade, eu penso que os políticos não são tão bons como dizem nem tão maus como parecem. Parecem maus porque passam a vida a dizer mal uns dos outros e são mais eficazes a puxar os outros para baixo do que a elevar-se acima da média. E porque alguns escolhem a via populista de dizer ao povo que o povo é bom e os políticos (os outros, claro!) são maus. Ora os políticos não são extraterrestres nem uma raça à parte. Em democracia, são eleitos pelos seus pares. A política é uma atividade que deve ser valorizada porque lhe cabe a tarefa de gerir a “polis”, a cidade, entendida como toda a comunidade humana e não apenas a parte urbana onde se concentra a maior parte da população.
É verdade que um político para ser eleito precisa de votos e a maioria dos votos está na cidade, mas os cidadãos também precisam da comida, da água, da paisagem, da ocupação do território e de tudo o que está no campo. Por isso eu acho que os políticos, sobretudo os políticos importantes dos partidos importantes, do “arco do poder”, deviam dar maior atenção à agricultura, para além de palavras de circunstância.
Por opção pessoal, não fui, não sou nem tenciono ser a curto prazo militante de algum partido, pois, como dirigente associativo, fico mais livre para defender o “partido da agricultura” sem ter os vários partidos e políticos como adversários. Da esquerda à direita, todos precisam dos agricultores e nós precisamos que todos nos escutem. Mas deixo aqui o desafio aos agricultores e técnicos do setor agrícola para se envolverem na política. Precisamos de gente com capacidade e influência nos vários partidos e no parlamento. Gente com capacidade técnica, mas também com peso político, porque é preciso ter peso político para alcançar o poder de mudar o que está mal e conservar o que está bem. Gente com capacidade para falar e decidir sobre agricultura. Gente capaz de se impor no parlamento, na oposição e sobretudo no governo.
Nos últimos anos, temos assistido à intervenção de movimentos que pretendem, entre outras coisas, proibir a atividade pecuária e mudar as escolhas alimentares dos consumidores, trocando a carne por uma alimentação vegetariana ou um estilo de vida vegan. Curiosamente, ao fim de muito ativismo, muitas intervenções com ajuda de “boa imprensa”, influencers e redes sociais, fez-se um inquérito e ficámos a saber que 99,8% dos portugueses ainda comem carne e peixe. Mas os ativistas não desistem, porque é próprio da sua essência estar sempre em “atividade”. Dão a volta ao quarteirão e procuram outra porta para entrar no parlamento, por exemplo, a proteção dos animais abandonados. E uma vez lá dentro, todos os anos, na hora do orçamento, lá aparece uma proposta para taxar o consumo de carne e aumentar o iva do leite achocolatado ou dos adubos. Propostas que foram até agora chumbadas porque prevaleceu o bom senso e o realismo de alguns políticos e o trabalho dedicado de organizações agrícolas. Mas não se pode adormecer à sombra da bananeira. Voltarão, no futuro, estas e outras propostas. Tal como “lá fora”, porque estas modas são quase sempre importadas, mais cedo ou mais tarde lá virá a proposta da “segunda-feira sem carne”, com o objetivo de avançar depois para a “semana sem carne” e por aí adiante. Agora imaginem que um governo não tem maioria e precisa de três ou quatro votos para aprovar um orçamento ou outra coisa parecida. Em vez do queijo limiano, ainda arriscamos ter um orçamento tofu…
Agricultor, produtor de leite e vice-presidente da Aprolep
A nova PAC, a mecanização e os pequenos investimentos na agricultura – Carlos Neves