Agricultores rendem-se à produção de frutas e legumes

Superfície agrícola dedicada às hortícolas e à produção de frutos pequenos, subtropicais e secos disparou na última década em Portugal, de acordo com o INE

Com as Nações Unidas a decretar 2021 o Ano Internacional das Frutas e Legumes, Portugal perfila-se com pose de quem está ali para vencer. Nas hortícolas, os agricultores portugueses elevaram em 7% a área dedicada à produção, nos dez anos que terminaram em 2019. Nos frutos, só na produção de pequenas bagas, a área teve um crescimento “notável” de 2792%. Os pomares subtropicais mais do que duplicaram a área, e o mesmo aconteceu aos frutos de casca rija, de acordo com os dados preliminares do recenseamento agrícola do Instituto Nacional de Estatística.

Apesar de o país estar a perder terras aráveis desde 1989, muito por força da redução das áreas de cereais para grão e de batata, o INE assinala que, pelo contrário, houve um aumento de 42% na superfície de leguminosas para grão, uma evolução que o instituto associa em parte “à diversificação das culturas, prática cultural elegível no âmbito da componente greening” – efeito dos programas de apoio.
No caso das hortícolas, o INE considera que os 7% de aumento da área “traduz a dinâmica do setor”, mas destaca em especial os 11% a mais na área de estufas, “a refletir o esforço no investimento” neste tipo de produção.

Em relação às frutas, além do crescimento da área dedicada aos pequenos frutos, para 6,1 mil hectares, houve outra mudança “muito significativa” na década: a instalação de pomares de frutos tropicais, cuja área “mais do que duplicou” (+149%), com duas culturas incontornáveis, os pomares de kiwi (+126%) e os de abacate, com mais de 2,1 mil hectares, sobretudo no Algarve.

Também os pomares das frutas tradicionais se expandiram. Foi o caso dos citrinos (+16%), das macieiras (+15%), das pereiras (+55) e das cerejeiras (+20%).

Além disso, a produção dos frutos de casca rija conheceu “uma forte aposta”, quase duplicando a área (+96%). Neste caso, a mudança foi protagonizada pelos novos pomares de amendoeiras, em especial, no Alentejo e na Beira Interior, determinando um aumento de 97% nesta cultura, e também pelos castanheiros (+52%) e pelas nogueiras (+127%).

O efeito das ajudas

Para a evolução ocorrida, o próprio INE assume que terá contado o incentivo à fruticultura previsto no Programa de Desenvolvimento Rural (PDR 2020), “sendo um dos setores com maior relevância nas medidas de apoio ao investimento”. Já a superfície dedicada ao olival cresceu 12%, tendo a área de vinha permanecido sem alterações.

O Ribatejo e o Oeste continuam a ser a principal região produtora de frutas e hortícolas, onde tomate para indústria, arroz, milho, batata, pera e maçã atingem as maiores produções, de acordo com dados do INE.

Muito do investimento realizado tem-se traduzido num aumento das exportações e, em alguns casos, o país tornou-se mesmo exportador líquido, de que são exemplo o tomate para indústria, as maçãs e peras, as cenouras e nabos, as couves e as alfaces, indicam os dados do INE relativos ao período entre janeiro e outubro de 2020, comparando com o mesmo período de 2019.

Há situações em que o país produz e exporta mas mesmo assim as importações ganham. É o caso da batata, dos citrinos, das uvas, das cerejas, mas também de pêssegos e damascos, melões e melancias, cebolas e alhos, pepinos e vagens.

A propósito dos mercados, Gonçalo Santos de Andrade, presidente da Portugal Fresh, vê o futuro do setor com “otimismo moderado”, mas espera “um aumento da procura pelo crescimento dos hábitos saudáveis e da demografia em algumas geografias, principalmente nos mercados asiáticos”.

As razões da FAO

Os benefícios das frutas e legumes vão muito além do retorno económico para quem as produz e comercializa. A agência das Nações Unidas para a agricultura e alimentação (FAO) entendeu dedicar 2021 a estes setores com vários argumentos: a começar pela sua importância para uma dieta saudável, pelo impacto na preservação da biodiversidade e pelo seu contributo para a melhoria da qualidade de vida dos agricultores familiares.

Gonçalo Santos de Andrade vê a decisão da FAO como uma oportunidade para comunicar que o país tem uma produção “mais amiga do ambiente, altamente inovadora e tecnológica”, mas também como “um prémio a uma área de produção que nunca parou durante a pandemia para que fosse possível os consumidores terem acesso a produtos altamente seguros, frescos e saudáveis”.

“O grande desafio é o acesso à água”

O presidente da Portugal Fresh, Gonçalo Santos de Andrade, considera que a gestão da água vai ser crítica no futuro para o desenvolvimento do setor, mas acredita que os consumidores vão ter consciência da importância de uma alimentação saudável, na qual a fruta e os legumes são essenciais.

Quais as principais fragilidades na produção e comércio das frutas e legumes em Portugal?

O grande desafio que o setor está a enfrentar é o acesso à água. Tem de haver uma estratégia para ligarmos o país de norte a sul através da água. Só é possível fixar pessoas em territórios de baixa densidade se tivermos uma estratégia adequada de reserva de águas superficiais. É também preciso maior cooperação empresarial para atingir certos mercados.

E as mais-valias?

As condições edafoclimáticas de Portugal, únicas a nível do sul da Europa, que a influência atlântica nos confere, favoráveis à produção de produtos de elevada qualidade, devem ser aproveitadas ao máximo tendo em conta um equilíbrio adequado entre a sustentabilidade ambiental, social e económica. Com a construção de novas infraestruturas de reserva de águas superficiais podemos dar um passo importante no combate às alterações climáticas baixando a temperatura média nessas geografias. Por outro lado, o valor das exportações duplicou na última década mas há que continuar a trabalhar nas possibilidades de maximizar o retorno do valor à produção.

Como perspetiva o futuro deste setor?

Os próximos dois anos vão ser altamente desafiantes. O poder de compra dos consumidores vai cair abruptamente com o fim das ajudas na maioria dos países, podendo afetar negativamente a remuneração justa dos nossos produtos. Mantemos por isso um otimismo moderado, mas estamos convictos de que os consumidores vão privilegiar dietas saudáveis e equilibradas, nas quais os nossos produtos desempenham um papel fundamental.

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