Jaime Piçarra

Notas da Semana – “Tempestade Perfeita” – Jaime Piçarra

Regressamos, a partir de hoje, às Notas da Semana, um formato de comunicação interna da IACA e que vai passar a fazer parte da Newsletter, de uma forma regular, tanto quanto possível, e que procurará espelhar as reflexões e o que de mais relevante acontecer, em cada semana, com impacto na Indústria da Alimentação Animal e na nossa atividade na Fileira Pecuária.

Centramo-nos hoje na conjuntura atual, bastante difícil, em que regressámos a uma volatilidade dos preços das matérias-primas e aos tempos da crise financeira de há 10 anos, em que, por exemplo, em julho de 2010, as cotações de bagaço de soja, atingiram os 500 $/tonelada, arrastando a generalidade das principais matérias-primas. Em setembro de 2010 o Conselho Agrícola discutiu o impacto dos custos da alimentação animal na produção animal e o G20 foi instado a tomar medidas no sentido de evitar protecionismos e privilegiar o abastecimento do mercado mundial.

A IACA tem vindo a manifestar publicamente as suas preocupações quanto ao agravamento dos preços do trigo, cevada, milho, soja e derivados, que, em algumas destas matérias-primas registam aumentos na ordem dos 30 a 40%, desde o passado outono. As mesmas preocupações têm sido manifestadas quanto à escassez de bagaço de colza e de girassol e relativamente ao facto de as empresas da produção de alimentação animal se verem obrigadas a refletir estas tendências nos seus consumidores, mas tem sido impossível fazê-lo na sua totalidade. Com mais ou menos cobertura, as condições de aprovisionamento exigem disponibilidades financeiras que as empresas não conseguem assegurar.

As razões para esta conjuntura são muitas, desde logo, as compras de stocks pela China e o desenvolvimento das suas produções pecuárias, em particular nos suínos, com efetivos repostos em 70% dos níveis pré-PSA. Também a redução de produção em alguns pontos do globo e as consequentes previsões de stocks em baixa, face a uma procura em alta, quer nos EUA, quer no Brasil ou na Ucrânia, juntamente com as greves na Argentina e a imposição de taxas à exportação na Rússia para os cereais fazem um caldo perfeito para dizimar este setor.  Por outro lado, as restrições e os confinamentos, nos diferentes países têm limitado a circulação e o consumo de combustíveis, com impacto nos bagaços de oleaginosas.

Alguns analistas pensam que já se atingiu o pico, que o MATIF está a dar sinais de estabilidade, que países como o Egipto estão a recusar contratos de compras de trigo pelos preços insuportáveis e que a China irá abrandar as compras por já ter stocks suficientes.

Tudo isto é uma incógnita…não é possível antecipar uma inversão da tendência no curto prazo, ou seja, ainda que os preços possam ajustar-se, continuaremos em alta, provavelmente, ao longo do primeiro semestre. E a volatilidade dos preços, que decorre da incerteza e instabilidade provocada pela pandemia e do regresso a algum protecionismo, vai continuar, o que é confirmado pelas previsões do Ministério da Agricultura Norte-Americano (USDA), do Conselho Internacional dos Cereais (IGC) ou do Rabobank.

A juntar a tudo isto, temos restrições no acesso a aditivos e vitaminas provenientes da China, como as vitaminas C e B12, absolutamente essenciais, pelo encerramento de empresas na província de Hubei, confrontada com novos casos de COVID.

Durante a semana, contactámos os nossos colegas das Associações pecuárias a dar conta das preocupações e dos impactos, sendo unânime que as condições de mercado, nomeadamente, a relação com o retalho alimentar, não permite que os custos da alimentação animal sejam repercutidos nos preços da carne, leite e ovos. Muitas explorações estão claramente “no vermelho”.

Perante esta situação, que tenderá a ser insustentável se nada for feito, avançámos com uma proposta à FEFAC, desde logo aceite e enviada hoje, de uma exposição à Ministra da Agricultura Maria do Céu Antunes e Presidente do Conselho, para que este tema seja discutido no próximo Conselho Agrícola de 25 de janeiro, na segunda-feira. De resto, na agenda, para além da análise dos acordos comerciais da União Europeia, está o pedido da Eslovénia, a que se irão juntar outros Estados-membros, para discutir este ponto dos custos da alimentação animal e o impacto na pecuária.

Por outro lado, ainda está por resolver, pese embora a eleição do novo Presidente dos EUA, a retaliação norte-americana por exemplo em relação ao milho, ou da União Europeia ao trigo, melaços ou polpa de beterraba. É urgente, e é um apelo que fazemos ao Conselho e Comissão Europeia, normalizar as relações transatlânticas.

Tudo isto acontece numa altura em que se publica (esta semana) um Decreto-Lei sobre os biocombustíveis que, apesar de aumentar, em 2021, de 10 para 11% a incorporação, restringe a utilização de matérias agrícolas e não impõe quaisquer limites, nem aos óleos virgens (colza ou soja), nem aos óleos alimentares usados, essencialmente importados e da China. Esta legislação pode colocar em causa a viabilidade das extratoras de sementes no médio e longo prazo, e a disponibilidade de bagaços, sobretudo de colza, que vamos ter de importar, com as consequências que daí advêm.

Temos assim um clima de tempestade perfeita e foi isto mesmo que hoje, de forma clara, transmitimos à Ministra da Agricultura, Maria do Céu Antunes e ao Conselho Agrícola. Também os nossos colegas fizeram chegar aos respetivos Ministros idênticas mensagens e preocupações.

O que para nós é ainda mais preocupante, é a sensação de vivermos em diferentes realidades: a agenda política, centrada no ambiente, ecologia e alterações climáticas, com os seus fundamentalismos, e a dura realidade imposta pela pandemia.

Não temos nada contra. As prioridades estão alinhadas com as responsabilidades da Indústria, mas questionamos os prazos e a velocidade da sua implementação, tanto mais que vivemos num mercado global.

A União Europeia não é uma Ilha.

Em nossa opinião, o grande objetivo neste momento, face à gravidade da crise da COVID-19 – cumprindo toda a legislação ambiental, segurança alimentar e bem-estar animal, com uma gestão complexa dos recursos humanos e face ao que já aqui referimos – tem de estar centrado em dois dos pilares da sustentabilidade: económico e social.

No contexto atual, sem empresas viáveis e geradoras de emprego nada mais tem sentido.

Não estão em causa a proteção ambiental e a luta contra as alterações climáticas, ou a saúde e bem-estar animal, que naturalmente defendemos e valorizamos, mas os fundamentalismos que nos querem impor.

A resiliência tem, naturalmente, os seus limites…

Jaime Piçarra
Secretário-Geral

O artigo foi publicado originalmente em IACA.


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