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Pinheiro-bravo: a conífera mais abundante em Portugal

O pinheiro-bravo é a espécie resinosa mais abundante de norte a sul do país e, além do papel socioeconómico que desempenha, as suas características ecológicas foram determinantes na história e na paisagem portuguesas. Saiba porquê neste artigo em colaboração com Edmundo Manuel de Sousa*.

Árvore de grande porte que pode elevar-se até aos 40 metros de altura, com folhas em forma de agulha que se mantêm todo o ano, e raízes profundas que o tornam bastante resistente ao vento, o pinheiro-bravo é a espécie resinosa mais comum de norte a sul de Portugal e também a mais abundante das coníferas, ou seja, das plantas que produzem pinhas.

De nome científico Pinus pinaster Aiton, esta espécie de crescimento rápido e longevidade média – a sua vida não ultrapassa em muito os 200 anos – representa 22% da floresta em Portugal continental e está também presente nos arquipélagos dos Açores e Madeira.

Resistente à seca, ao frio e às geadas, o pinheiro-bravo consegue crescer em condições desfavoráveis, com exceção para a sombra, pois é intolerante ao ensombramento. Apesar de encontrar melhores condições em zonas de temperatura média anual entre 11º a 15º C. e de precipitação média anual entre 550-1200 mm (com pelo menos 100 mm no verão), consegue desenvolver-se em quase todo o país, até aos cerca de 700 a 900 metros de altitude.

O pinheiro-bravo também é tolerante a solos pobres e degradados, embora prefira os siliciosos, permeáveis, soltos e arenosos, com profundidades entre os 30 e os 60 cm, onde as raízes se podem desenvolver. Não tolera, no entanto, níveis muito elevados de salinidade ou calcário.

Esta sua adaptabilidade, a par da elevada produção de sementes, contribuiu para que tenha sido, por excelência, a espécie escolhida para a arborização das dunas litorais e dos baldios serranos, integrando as mais antigas iniciativas de florestação planeada em Portugal. Nas regiões autónomas, estas suas características têm ainda permitido a plantação de floresta em terrenos muito declivosos, como proteção contra a erosão e enxurradas.

O pinheiro-bravo tem características típicas de espécie pioneira na sucessão ecológica: produz muitas sementes, tem crescimento rápido e capacidade de se adaptar a solos pobres e degradados, o que contribuiu para a sua escolha na arborização das dunas litorais e dos baldios serranos.

A área de distribuição atual do pinheiro-bravo no nosso país resulta destas ações humanas, o que permite hoje encontrá-lo ao longo da faixa litoral desde as bacias do Tejo e Sado até o rio Minho e no interior das regiões Norte e Centro (a norte, de preferência em encostas de exposição sudoeste, onde a influência marítima ainda se faz sentir), onde o encontramos misturado com pinheiro-manso, azinheira, sobreiro e outros carvalhos. De resto, esta intervenção humana é tão antiga, que não se sabe com exatidão qual seria a sua área de distribuição natural.

Sabemos, no entanto, que o pinheiro-bravo é originário do Sudoeste da Europa e Norte de África, e tem distribuição dispersa pela bacia mediterrânica e pelas costas atlânticas de Portugal, Espanha e França, onde encontra condições ideais para viver, nomeadamente uma humidade atmosférica com influência atlântica que ajuda ao seu crescimento rápido.

Mais longe desta sua área original, a espécie foi introduzida em vários países – Bélgica, Reino Unido, Austrália, Nova Zelândia e África do Sul – e é considerada invasora em alguns. Por exemplo, foi classificada como um dos cinco pinheiros mais invasivos fora da Europa e causa problemas em particular na África do Sul.

A família das Pinaceae, a que pertence, inclui outros pinheiros como o pinheiro-manso (Pinus pinea), o pinheiro-larício (P. nigra), o pinheiro-radiata (P. radiata), o pinheiro-silvestre ou de casquinha (P. sylvestris) e o pinheiro-de-alepo (P. halepensis), todos eles também existentes em Portugal.

Na Península Ibérica reconhecem-se ainda duas subespécies do pinheiro-bravo: Pinus pinaster subsp. atlantica de distribuição litoral atlântica e P. pinaster subsp. escarena, de distribuição mais continental e mediterrânica. Esta primeira subespécie, também conhecida como pinheiro-marítimo, é uma das mais representadas nos habitats de dunas costeiras – classificado entre os habitats prioritários de conservação em Portugal (Diretiva Habitats e Rede Natura 2000 – código 2270) – pela riqueza da vegetação arbustiva espontânea de urzes, tojos, carrascos, zimbros e camarinhas, que tem vindo a perder-se.

Área de pinheiro-bravo diminuiu após séculos de expansão em Portugal

A área de distribuição do pinheiro-bravo em Portugal começou a aumentar em resultado da intervenção humana a partir dos séculos XII e XIII, principalmente pela sua utilização na contenção das areias litorais que, pela força dos ventos, invadiam campos de cultivo e se acumulavam na foz dos rios.

O pinhal de Leiria terá sido uma das primeiras iniciativas a promover o aumento da espécie em Portugal: foi mandando plantar pelo rei D. Afonso III (1210-1279), e a sua área foi ampliada por ordem de D. Dinis, entre 1279 e 1325, com sementeiras de pinheiro-bravo ao longo da costa.

No período alto dos Descobrimentos (nos séculos XV e XVI), a madeira dos pinheiros era usada nas embarcações -assim como a sua resina na calafetagem -, procurada como matéria-prima e fonte de energia para vários ofícios e para o lume e aquecimento das famílias. Esta procura crescente esteve na origem da publicação da Lei das Árvores (1562), que obrigava à plantação de espécies para madeira, incluindo pinheiro-bravo.

Com elevada procura de madeira a manter-se ao longo do tempo, no século XVIII a desflorestação em Portugal era elevada: estimava-se entre 4 e 7% a área de floresta em 1870 (hoje estima-se mais de 35%). Em 1886 foram criados os Serviços Florestais e dado início aos trabalhos de florestação de baldios nas regiões serranas do interior do país e de fixação das dunas. Mais uma vez, o pinheiro-bravo foi uma das espécies eleitas. Assim, desde finais do século XIX, e principalmente a partir da década de 40 do século XX, a área de pinheiro-bravo aumentou através da sua expansão para as regiões serranas do interior do país.

Durante estas décadas, o pinheiro-bravo manteve grande importância na vida quotidiana da população rural. À data era comum cortar varas para lenha – cozinhar e aquecer as casas durante o Inverno – e as pinhas e agulhas (caruma) eram usadas para atear o lume e para fazer a cama dos animais. Esta recuperação de material lenhoso garantia a limpeza dos matos. A resina era também uma fonte extra e importante de rendimento anual.

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© Centro Pinus

A ampliação da área de pinheiro-bravo prosseguiu até 1970-1980, altura em que se intensificou e em que a espécie chegou a ocupar 1,3 milhões de hectares, cerca de 40% da floresta portuguesa. Este aumento deveu-se também aos incentivos à arborização dados pelo Governo para travar a degradação do solo, regular os regimes hidrológicos e aumentar a produtividade regional.

Desde então, a tendência inverteu-se e a área de pinheiro-bravo tem-se vindo a reduzir. Em 2015, ocupava cerca de 714 mil hectares em Portugal Continental, mantendo-se, ainda assim, juntamente com o eucalipto (845 mil hectares) e o sobreiro (720 mil hectares) entre as espécies mais representadas na floresta portuguesa.

Vários têm sido os fatores apontados para o decréscimo da área de pinheiro-bravo: o abandono e despovoamento de áreas rurais, a conversão de floresta em espaços urbanos, a falta de investimento em reflorestação, a substituição por outras espécies, as pragas e doenças que têm afetado áreas crescentes de pinhal (como é o caso da murchidão do pinheiro) e a vaga de incêndios que tem assolado o país.

O pinheiro-bravo está ligado à história do nosso país, para o bem e para o mal. Foi a espécie usada por excelência como matéria-prima ao longo da história e as suas características fizeram dela a escolhida nas arborizações, algumas delas muito contestadas nos anos 50, como retrata o romance de Aquilino Ribeiro “Quando os Lobos Uivam”, quando o Estado Novo decidiu apropriar-se dos baldios que as comunidades usavam para seu bem e sustento, para ali plantar pinhais. As arborizações que se mantiveram durante boa parte do século XX deram origem à tão publicitada “maior mancha contínua de pinhal de Europa”, parte da qual tem vindo a arder nos últimos anos.

Conhecimentos e usos do pinheiro-bravo

A relevância da espécie em Portugal (e países vizinhos) levou a que se tenha acumulado, ao longo de décadas, um sólido conhecimento sobre a gestão do pinhal-bravo no nosso país e que tenham sido desenvolvidas várias ferramentas de apoio à gestão, incluindo manuais, tabelas de volume e de produção e modelos de simulação do crescimento e da produção.

Este conhecimento tem vindo a apoiar e potenciar o contributo socioeconómico do pinheiro-bravo em Portugal, através do aproveitamento de quase tudo o que esta espécie nos oferece.

A madeira mantém-se como o seu mais importante contributo. O diâmetro do tronco (que pode chegar a cerca de 1,4 metros) e a sua forma são os fatores que mais influenciam o tipo de aproveitamento potencial da madeira de pinheiro-bravo, desde a sua utilização na indústria – construção civil, marcenaria, mobiliário, painéis de madeira, embalagens, entre outros – à produção de pasta de papel, em que se mantém como única fonte de fibra longa para o fabrico da pasta kraft não branqueada.

Mas quase tudo no pinheiro-bravo pode ser aproveitado: as pinhas ardem com facilidade e são usadas para atear o lume; a casca, usada tradicionalmente no curtimento de couros, é hoje integrada em compostos e substrato de culturas e pavimentação de jardins; e a resina – que era há décadas uma produção de referência em Portugal e que está hoje em tímida recuperação – dá origem a terebintina, breu, pez-louro, aguarrás, parafina, entre outros produtos com dezenas de aplicações industriais.

Em paralelo, agulhas, casca, rebentos jovens, resina e pinhas jovens têm propriedades medicinais antissépticas, expetorantes, diuréticas, sudoríferas, rubefacientes e tonificantes. Ao valor direto desta espécie acresce ainda o derivado de outras atividades complementares a ela associadas, como a produção de cogumelos, a apicultura, a pastorícia, a caça ou o turismo de natureza e a proteção de dunas.

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© Centro Pinus

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Fonte: Distribuição natural do pinheiro-bravo, com base no artigo “Genetics of Pinus pinaster Aiton with Cytoplasmic and Nuclear Markers” (p.11)

Sabia que…

– O Pinhal de Leiria (instalado no séc. XII) é considerado o mais antigo exemplo mundial de reflorestação.

– O pinheiro-bravo começa a florir por volta dos 7-8 anos, e a floração, que ocorre na Primavera, torna-se regular por volta dos 10-15 anos. As flores femininas, chamadas amentilhos, surgem na ponta dos rebentos anuais, no cimo da copa, enquanto as inflorescências masculinas (douradas e em forma de espiga) estão localizadas nas partes intermédia e baixa da copa.

– As pinhas atingem a maturidade 18 meses após a floração, no outono do ano seguinte, e as sementes podem ser libertadas a partir da primavera/verão posteriores. A produção de semente viável ao nascimento de novos pinheiros-bravos só acontece a partir dos 15-20 anos de idade das árvores.

– O género Pinus, o mais antigo da família das Pináceas, teve origem há cerca de 150 milhões de anos. Pensa-se que, durante a última glaciação, o Sul da Europa e algumas zonas mediterrânicas tenham servido de refúgio a populações que depois colonizaram outras áreas. Desde então, tem vindo a adaptar-se a pressões diversas, incluindo climáticas e de diferentes regimes de fogo.

*ARTIGO EM COLABORAÇÃO

Edmundo Manuel Rodrigues de Sousa

Engenheiro Silvicultor e Mestre em Produção Vegetal pelo ISA – Instituto Superior de Agronomia, Edmundo Manuel Rodrigues de Sousa é Doutorado pela Universidade Claude-Bernard Lyon1. É atualmente Investigador do INIAV – Instituto Nacional de Investigação Agrária e Veterinária, onde é responsável pelo laboratório de Entomologia SAFSV. Em paralelo, é membro da equipa de coordenação do Centro de Competências do Pinheiro bravo e da unidade de pesquisa Green-it, do ITQB – Instituto de Tecnologia Química e Biológica.

edmundo.sousa@iniav.pt

Foto de topo © Laura Alpizar

O artigo foi publicado originalmente em Florestas.pt.


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