Maria do Céu Antunes

“Podemos contar com 350 milhões [da bazuca] para a agricultura em 2021-2022”

A ministra da Agricultura apresenta esta terça-feira a Bruxelas as prioridades da Política Agrícola Comum. Um dos desafios é compatibilizar a proposta da Comissão com metas climáticas do Green Deal e a estratégia “do prado ao prato”, reduzindo pesticidas sem retirar rendimento aos agricultores.

Quando este jornal chegar às mãos dos leitores, a ministra da Agricultura já deveria estar em Bruxelas. Mas um teste positivo à covid-19 obriga-a a apresentar hoje as prioridades setoriais para a Política Agrícola Comum (PAC) em videoconferência. Sem sintomas, a governante está empenhada em fazer avançar a reforma e os apoios aos agricultores.

Esta reforma da PAC promete ser diferente de todas as outras. Qual é o calendário de entrada em vigor e como se articula com o regulamento de transição e aplicação, a partir deste mês?
Quase três anos depois da apresentação da proposta da Comissão Europeia sobre a reforma da PAC, não está concluída. É expectável que tenhamos condições para, a partir de janeiro 2023, termos novos planos estratégicos em cada um dos Estados-membros e contribuir para uma transição justa, para uma Política Agrícola mais verde, com gestão eficiente dos recursos naturais, preservação da biodiversidade, mas garantindo o rendimento aos agricultores e que os alimentos chegam aos consumidores a preço justo. Em quantidade e qualidade.

É nossa prioridade enquanto Presidência Portuguesa da UE na área da agricultura, entre outros temas, que se conclua o processo negocial entre a Comissão, Parlamento e Conselho, com o mandato que o Conselho obteve dos seus pares, em outubro, no Luxemburgo. E com base nesse mandato podermos concluir o que se prende com os três regulamentos que constituem a PAC: o Horizontal, o da Organização Comum dos Mercados e o que vai permitir a cada um dos Estados-membros desenvolver o seu plano estratégico, tendo por base um conjunto de orientações.

Então o que é prioritário?
Durante a primavera deste ano, diria em abril/maio, podermos ter este acordo. Todas as instituições estão empenhadas para podermos ambicionar que em janeiro de 2023 estejam reunidas as condições para implementar esta reforma. Se assim não for, corremos o risco de não ter os planos estratégicos aprovados e, em janeiro de 2023, não termos condições para implementar o que é prioritário para a nossa presidência – uma Europa mais resiliente, onde a modernização das políticas públicas, nomeadamente da Política Agrícola, tem consequências naquilo que pretendemos para uma Europa digital, preocupada com questões ambientais, mais global, onde a sua presença no mundo saia reforçada. E também uma Europa social mais justa, com o lugar para todas e todos. Com a reforma da PAC e com a modernização das políticas públicas em relação à agricultura, queremos assegurar a resiliência e a capacidade de resposta que temos de ter para responder a crises como esta. Mas por outro lado, com medidas setoriais, ajudar à recuperação dos setores mais fragilizados e que vão continuar a sofrer com o impacto desta crise, e fazer o reforço estrutural do sistema agroalimentar europeu, garantindo a nossa autonomia estratégica.

Quão importante é a reunião hoje?
Esse encontro é importante porque vai permitir juntar os eurodeputados em torno destas matérias. E dar conta da nossa ambição: que esta PAC nos permita ter capacidade para dar resposta aos desafios que temos pela frente. Sem perder o foco do que é a PAC, na sua génese (garantir a resiliência e a capacidade de produzir alimentos em quantidade e qualidade para fazer face às necessidades dos Estados-membros e lembro que a PAC foi criada no pós-guerra, com a Europa fragilizada), há ainda alguns pontos em que é necessário dirimir, como discórdias entre o Conselho, a Comissão e o Parlamento.

E o que é que mais os afasta?
Há uma dimensão no que respeita à arquitetura verde. Isto significa maior ambição como ponto de partida para que o agricultor, ao receber as ajudas da PAC, preserve esta dimensão ecológica associada à produção animal, vegetal, ao bem-estar animal, mas também uma componente saúde. Se nós tivermos os animais mais saudáveis, as plantas livres de pragas e a precisar de menos tratamento, vamos também estar a promover a saúde humana. Esta é uma dimensão que nos importa muito valorizar. Mas por outro lado, se esta dimensão fica como condição base para o agricultor receber os fundos, depois há uma dimensão que é voluntária de adesão por parte do agricultor, mas obrigatória para cada Estado-membro. E o Conselho aprovou uma meta de que cada Estado-membro coloque 20% do seu pagamento no primeiro pilar – pagamentos diretos do orçamento afeto a estas medidas excecionais a que o agricultor se poderá candidatar para ir mais longe e poder contribuir para as metas. O Parlamento acha que esta percentagem deve ser 30%, e a Comissão não coloca balizas. Acredito que vamos encontrar um equilíbrio.

Entre os 20% e os 30%?
Com certeza que sim. Até porque é fundamental este acordo para podermos implementar políticas mais verdes, mais consentâneas com esta ambição, nomeadamente de a Europa atingir em 2050 a neutralidade carbónica – onde agricultura tem um papel importante, e onde quer ter um contributo líquido. Esta é uma dimensão de alguma discórdia, mas existem outras, talvez mais técnicas, nomeadamente em relação ao modelo de prestação de contas, mas não são situações que nos afastem.

Temos ainda os objetivos do Pacto Ecológico Europeu, a estratégia Farm to Fork, do prado ao prato, ou a da biodiversidade 2030, onde cada Estado-membro já iniciou um diálogo estruturado com a Comissão e está a receber contributos para que os planos estratégicos possam ser construídos a partir daí. Em Portugal, em concreto, já recebemos e na construção do nosso plano já ouvimos o setor, com diagnósticos setoriais. Terminou a 8 de janeiro a consulta pública alargada, a que não estávamos obrigados, mas que entendemos que era fundamental.

E já há conclusões desta consulta?
Tivemos 70 contributos. Estamos a avaliá-los para os podermos introduzir nesta fase de diagnóstico de análise SWOT e de desenho das lógicas de intervenção. A intenção do governo é chegar ao final da presidência, no início do semestre, com uma primeira proposta já do plano estratégico da PAC para apresentar à Comissão e termos estes dois anos para fazer uma transição justa, em que ninguém fique para trás, mas que o agricultor, o produtor, tenha o tempo necessário e os meios para fazer esta transição para uma nova forma, reforçada e adaptada às exigências atuais, seja por via da digitalização seja pela das alterações climáticas e das novas exigências que os consumidores colocam como desafio.

Quais as maiores fragilidades da proposta da Comissão Europeia no que toca a compatibilizar Green Deal, Farm to Fork e a operacionalização da PAC?
Temos um grande desafio pela frente. A nova reforma quer dar resposta aos desenvolvimentos mas temos de garantir a segurança alimentar, promover o desenvolvimento rural onde queremos que todas as regiões do país e todos os Estados-membros, com as suas especificidades, possam inverter as tendências do abandono, do êxodo das populações para territórios mais urbanos, trazer mais jovens para a agricultura. Queremos que aconteça em Portugal o que vemos na Europa a nível de média etária dos agricultores, ter políticas ativas da gestão do território que o tornem mais sustentável e impeçam os flagelos que decorrem das alterações climáticas. Estes são desafios que temos de saber encontrar forma de compatibilizar: a produção dos alimentos, fazer face às alterações climáticas e à conservação da biodiversidade. Por outro lado, como é que recompensamos o produtor pela gestão dos serviços dos ecossistemas, para conseguirmos garantir sistemas mais sustentáveis de produção, produção biológica sem perda de rendimento nas explorações e a sua viabilidade. Porque se perdemos a viabilidade das operações vamos ter mais abandono do mundo rural.

Essas são as perguntas dos agricultores. Qual é a resposta?
É que, para garantirmos tudo isto, temos de ter sistemas preditivos – que com base nos dados nos permitam a todo tempo ter as melhores respostas. E hoje esses dados existem, têm de ser trabalhados e estar disponíveis. Precisamos de ter processos inovadores, de ter mais conhecimento, de ter uma agricultura de precisão que seja disponível a todos, pequenos, médios ou grandes agricultores, e possamos manter e desenvolver a atividade agrícola em todos os territórios. E fixar as pessoas – e aqui há muitas dimensões que tem de ser trabalhadas. Por exemplo, no uso eficiente da água há cada vez mais soluções tecnológicas à nossa disposição, em Portugal; queremos avançar neste ano com o sistema de certificação dos sistemas de regadio para permitir uma melhor gestão deste recurso. Vamos trabalhar a dimensão da não mobilização do solo, criando condições para que o solo seja um excelente contributo para absorver carbono. E precisamos de trabalhar o passivo ambiental, que tem que ver com os efluentes pecuários, e encontrar forma de os transformarmos incorporando outros produtos da agricultura num composto orgânico que nos permita, por exemplo, fazer a substituição dos fertilizantes de síntese, que são um problema, associado às questões da garantia da qualidade do solo. Tudo isto são soluções a ser trabalhadas.

Quando os agricultores ouvem falar em digitalizar, modernizar, perguntam: que ajudas poderão vir aí nesse sentido?
As medidas excecionais de que eu falava no primeiro pilar vão ser trabalhadas para o agricultor poder aumentar o seu nível de apoio. Por exemplo, um produtor pecuário pode receber mais ajuda se entregar o seu efluente, tratado de determinada maneira, para poder ser introduzido na produção de hortofrutícolas – estamos a trabalhar no sentido de criar esses documentos. O governo português, muito consciente desta necessidade, inscreveu no Plano de Recuperação e Resiliência 93 milhões de euros para fazer face ao desenvolvimento de investigação, desenvolvimento tecnológico, conhecimento para podermos fazer face a esta mudança de paradigma. Vamos utilizar, através de uma rede de centros de transferência de competências que já existem e que vão ser modernizados, para termos respostas efetivas e resolvermos estas questões aos nossos agricultores.

Portanto, não são subsídios propriamente ditos?
Não. Isto é desenvolvimento. E depois vamos criar condições para que o financiamento possa ajudar a replicar estas práticas.

Que balanço faz de 2020?
A primeira nota é o facto de os agricultores, com a sua resiliência, capacidade de continuar a trabalhar de sol a sol mesmo com receio do desconhecido que é este vírus, não parou e continuou a fazer chegar às nossas mesas alimentos. Isto foi possível com o ajuste necessário de forma muito rápida. Aquilo que defendíamos há muito, as vendas e feiras online, passaram a existir.

A pandemia empurrou a agricultura para o digital?
Soubemos que Vinhais vai fazer a Feira do Fumeiro através das plataformas e através de uma campanha que lançámos, alimentequemoalimenta.pt, que teve uma repercussão imensa. Através dessa plataforma, temos mais de mil produtores inscritos, mais de 100 mil interações até à data, 37 ou 38 mercados locais inscritos, mais de duas dezenas de plataformas locais na tentativa de aproximar as pessoas… E pela primeira vez já estamos a financiar e entrega ao domicílio, que passou a ser uma nova forma de aquisição dos nossos produtos.

Financiar as entregas ao domicílio como? Há apoios nesse sentido?
Há apoios nesse sentido: o agricultor quando se candidata a estas políticas públicas para fomentar as cadeias curtas e entregar os seus produtos, para além de um valor pecuniário que recebe diariamente, ganha por cada deslocação que faz da sua exploração, da sua propriedade, até o ponto de entrega. Até aqui o promotor tinha um valor de 100 mil euros, numa primeira fase, que alterámos para fazer obras de adaptação, hoje duplicou. O agricultor recebe ainda 48 euros diários para fazer esta deslocação. Mas, se fizer entregas ao domicílio também essa deslocação é elegível. As pessoas passaram a comprar assim e os agricultores sentem que é uma oportunidade que não podem deixar de lado. Portanto, houve resiliência, capacidade de produção e de adaptação e continuámos a exportar. O setor agrícola aumentou as exportações em 2020, em 5,8%. E todo o complexo agroalimentar aumentou em 2,5%. É claro que há uma diminuição das importações. O cidadão está mais atento às escolhas locais.

Os agricultores queixam-se de terem perdido pessoas para trabalhar nos campos com as escolas fecharam e sem ensino online… Como comenta?
A manutenção das escolas a funcionar por via remota causa desigualdades brutais às nossas crianças e jovens. Durante o primeiro período desta pandemia, fomos acompanhando todo o processo com as confederações, presidentes de câmara, ministério da Economia – com quem fizemos um grupo de trabalho – , para garantirmos que nada faltasse, e tivemos sempre muita atenção a esta dimensão dos recursos humanos, e aquilo que nos foram sempre transmitindo, e que continuam a transmitir, é que, efetivamente, os recursos que existem hoje estão adaptados e ajustados àquilo que são as necessidades de produção.

Portanto, não vão faltar a recursos humanos no campo?
Estou convicta que não. Aliás, o compromisso que reiterei com as confederações é que vamos voltar a fazer reuniões por videoconferência, para ir acompanhando esta e outras problemáticas.

Vamos voltar à PAC. Agora há mais responsabilização nos Estados-membros, que já não podem deitar culpas a Bruxelas. A responsabilidade da tutela sobe?
Há um certo grau de subsidiariedade aos Estados-membros para construírem o seu plano estratégico em função da sua realidade. Mas há um conjunto de linhas mestras que têm de informar todos os planos estratégicos que vão ter de ser aprovados pela Comissão. Agora como é que o fazemos, qual é o calendário, desde que cumpramos o objetivo em 2026, aí fica à nossa responsabilidade. A Comissão apresenta como objetivo que, no final deste ciclo de programação, possamos ter 25% da superfície agrícola utilizável em modo de produção biológico. Mas não obriga a que cada Estado-membro atinja esse montante porque, basicamente, aquilo que é necessário é que os 27 cheguem esta média. A forma como cada um dos Estados-membros se organiza para aumentar e para participar vai depender daquilo que entendermos que é a condição de partida de cada um e das linhas orientadoras.

Nesse caso específico, Portugal está numa boa condição de partida para chegar a esses 25%?
Estamos praticamente em igualdade de oportunidades com outros. Temos desafios grandes pela frente. Claro. Mas os nossos agricultores, como mostraram durante esta pandemia, têm uma capacidade de adaptação, uma resiliência muito forte. Aquilo que nós queremos verdadeiramente é, a seu lado, encontrar forma de ajudar a fazer esta mudança de paradigma.

Sobre o novo paradigma terá a Comissão Europeia chegado à conclusão que eram metas inalcançáveis reduzir o uso dos fitofármacos, fertilizantes e manter o rendimento dos agricultores?
​​​​​​​Deixa-me dizer que já há muito trabalho feito. Por exemplo, em relação à neutralidade carbónica, a agricultura tem que contribuir para chegarmos à neutralidade carbónica em 2050, no entanto, existem metas que estão estabelecidas, por exemplo, para termos aqui a possibilidade de redução de fertilizantes de síntese em 20% em 2030. Existe também o objetivo, no âmbito do Green Deal e do Farm to Fork de podermos substituir aquilo que são os fitofármacos, pesticidas e queremos fazer um questionário a todos os Estados-membros e – numa reunião que está prevista a acontecer em abril, em Portugal -, trabalhar esta dimensão e substituir a luta química pela luta biológica. E, portanto, temos de ter legislação comunitária – que ainda não existe – e estamos conscientes que a produção de alimentos seguros também passa por incorporar esta redução de pesticidas, fitofármacos, fertilizantes.

Portanto, os agricultores acham que são metas inalcançáveis, mas a Comissão não desistiu dessas metas, não é essa a indicação?
Não, não. E gostava de dizer que o Governo português está empenhadíssimo em criar os instrumentos que sejam alavancadores deste paradigma. Hoje os agricultores portugueses já têm práticas muito importantes, do ponto de vista agrícola e que têm que ser valorizadas. Dou-lhe um, exemplo. Há pouco falava sobre as nossas exportações que continuam a acontecer porque os agricultores, mesmo aqueles que produzem em regimes mais intensivos, mais competitivos, têm implementado um conjunto de boas práticas e têm o reconhecimento de uma entidade Europeia, que os audita, o Global Gap

A que alimentos se está a referir?
Frutas, legumes, azeite, posso falar nos animais… O que mais exportámos em 2019 foram as frutas, os citrinos e os melões, os vinhos e os mostos, os animais vivos, leite laticínios, ovos de aves e mel natural, produtos hortícolas, plantas, raízes e tubérculos comestíveis e a maior parte, se não a totalidade, têm que ter esta dita chancela internacional Global Gap para poderem ter reconhecimento no mercado externove e mesmo no mercado interno. Temos que ir mais longe.

Há pouco tocou no tema da soberania alimentar europeia. Como será implementada?
Na estratégia nacional que nós propusemos, enquanto prioridade, enquanto presidência, temos perceção que há três dimensões. Primeiro, nós temos que recuperar a Europa e temos que, ao recuperarmos a Europa dos efeitos desta pandemia nós temos que ser capazes de fazer uma transição para modelos que estejam mais preparados para resposta aos efeitos das alterações climáticas e transição digital. Para podermos ter uma segunda dimensão em relação ao pilar social, onde queremos que estas transições sejam justas e inclusivas, e que nos permitam, ao recuperarmos da crise, promovermos a coesão, a convergência e a solidariedade entre Estados-membros, e dentro de cada um dos Estados-membros. Depois, a terceira da autonomia estratégica.

Na prática, esta estratégia vai permitir substituir ainda mais importações?
No fundo aquilo que nós queremos é não nos fecharmos, sobre as economias mundiais, mas criar condições para termos esta autonomia estratégica, em dimensões com a agrícola, a indústria, na saúde, em diversas dimensões que nos permitam, a todo tempo, a ser mais fortes e dar respostas, nomeadamente em situações difíceis como esta. Isto faz-se com investigação, desenvolvimento, inovação e, portanto, claramente estamos alinhados nessa dimensão, sem perder esta questão ligada a uma cooperação da Europa com o mundo, para podermos sair reforçados. Indo à dimensão agrícola e à dimensão nacional. O nosso grau de auto-aprovisionamento está estável, diria eu, nos 85%. Mas gostava de trazer aqui um dado de que por vezes não se fala, a taxa de cobertura das exportações sobre as importações, que passou de 36%, em 2000 para 64% em 2019. E isto é o papel dos nossos agricultores, dos nossos transformadores, é notável. Temos setores que produzem muito mais do que as necessidades nacionais. Por exemplo, o vinho com 113%, o azeite com 160%, as hortícolas com 155%, tomate 175%, o leite com 106%, a manteiga 152%, a carne de bovinos 53%, os suínos 69% e as aves de capoeira com 86%. Mas se olharmos para o outro nível de produção, como os cereais, o nosso nível de auto-aprovisionamento é de 18% sendo que o trigo é apenas de 4%. Do ponto de vista da estratégia dos cereais, queremos atingir um grau de auto-aprovisionamento de 38% – meta ambiciosa, porque país não tem condições edafoclimáticas para podermos produzir muito mais ou, conseguindo, os custos de produção são brutais. O mesmo que se passa com os outros Estados-membros, podermos atingir um nível de produção que nos permita a nossa autonomia estratégica, aumentar o nosso grau de cobertura, em relação ao que produzimos e podemos exportar, e em relação àquilo que importamos. Até porque, com base nisso, também vamos diminuir a pegada ecológica.

Mas a Europa não se pode fechar ou pode?
Não nos podemos fechar sobre nós próprios. Aliás porque há uma dimensão da política europeia que, do ponto de vista da presidência portuguesa, queremos desenvolver, nomeadamente no comércio internacional, que queremos mais aberto, mas muito baseado em regras, onde possamos não só estabelecer novos acordos comerciais, como também implementar de forma mais eficaz os acordos que existem hoje. Trabalhamos juntos nessa dimensão. Lembro que a saída do Reino Unido trouxe grandes desafios e traz-nos grandes desafios. A toda a União Europeia, mas a Portugal também, porque é um dos nossos principais importadores.

Nomeadamente no vinho e vinho do Porto…
Também. Mas também na fruta, nas hortícolas, assim como nós lhes compramos algumas coisas, por exemplo, álcool. Portanto, tem de haver esta dimensão de não nos fecharmos com um certo auto-protecionismo da Europa sobre o mundo. Mas nesta perspetiva de que estamos numa economia global, onde Europa tem de aproveitar as fragilidades postas a nu nesta pandemia, saindo reforçada.

Da chamada bazuca, que parte virá para a agricultura?
​​​​​​​No âmbito do Next Generation podemos contar com cerca de 350 milhões de euros, para serem utilizados em 2021 e 22. Estamos a trabalhar com o setor para criar mecanismos que nos permitam já utilizar esta verba para este modelo de transição, dotando os nossos agricultores de melhores recursos. Queremos abrir uma linha para substituir tratores obsoletos e que não correspondam, do ponto de vista ambiental, àquilo que é esperado, e, do ponto de vista da segurança dos utilizadores, queremos ser mais eficientes na utilização de energia enquanto fator de produção caro e que penaliza os nossos agricultores. E, inclusive, financiar a utilização do recurso a energias limpas, com painéis fotovoltaicos nas explorações agrícolas. E é uma prioridade da presidência portuguesa criar condições para aprovar, durante estes seis meses, os planos de recuperação e resiliência dos vários Estados membros, onde Portugal também está. Contamos com 93 milhões de euros que há pouco tive oportunidade de mencionar. No Ministério da Agricultura, no governo, estamos empenhadíssimo em criar condições que, do ponto de vista da política pública permitiam fazer a alavancagem desta transição para este modelo, mais verde e mais digital. E, portanto, tudo aquilo que estamos a desenhar, tudo aquilo que queremos disponibilizar ao agricultor, viabilizando as suas explorações, aumentando o seu rendimento, vêm ao encontro destas iniciativas que tendam a criar condições para diminuir custos de produção e aumentar a sua competitividade, seja ao nível do mercado interno seja ao nível global.

O artigo foi publicado originalmente em DN.

Live: Prioridades da Presidência Portuguesa na Comissão AGRI


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