José Maria Falcão

Carta aberta à Diretora Regional da Cultura do Alentejo sobre os ataques contra a agricultura moderna

Exma Srª

Drª Ana Paula Amendoeira / Directora Regional da Cultura do Alentejo

CC/ Presidente da Comissão de Agricultura e Mar – Dr Pedro Carmo

CC/ Presidente da Comissão de Cultura e Comunicação

CC/ Director Regional de Agricultura do Alentejo – Prof Dr José Godinho Calado

CC/ Sociedade Civil em geral

Durante muito tempo resisti em surdina a responder a ataques formais, propositados e dirigidos especificamente contra um modo de fazer agriculturas mais moderna, necessariamente mais intensiva no uso dos recursos mas muito mais equilibrada do ponto de vista agronómico, da ocupação do espaço agrícola e cada vez mais amiga do ambiente, obviamente com erros de percurso fruto da ausência de uma verdadeira política agrícola, de soluções alternativas, de um mercado global selvagem e sem regras e sem normas que mitiguem muitos excesso cometidos.

Desisti de o fazer pois nesta democracia invertida conseguimos convencer pela verdade, pelo conhecimento, pela técnica e pela ciência, pessoas e alguns governantes mas não conseguimos ainda lutar contra alguns media que efectivamente são quem muitas vezes “governa” por condicionamento de acção mediática, a vários níveis, de todos os outros.

Vem a propósito o Diário do Alentejo publicar uma entrevista (ou excerto da mesma) com a Directora Regional da Cultura do Alentejo – Drª Ana Paula Amendoeira – em que esta aloca às culturas ditas intensivas a “responsabilidade” da destruição do Património Cultural do nosso País em especial na região do Alqueva.

Infelizmente este tipo de afirmações não são virgens, já têm filhos e netos, e são cada vez mais típicas de players que falam daquilo que não sabem ou que pouco entendem, confundindo tudo e gerando na sociedade civil urbana uma irresponsável e crescente aversão ao sector produtivo e em especial ao que brota do solo nacional!

Não comento o texto nem a falta de ideias concretas uteis pois quero dar o beneficio da dúvida que isto tenha sido mais um excerto desenquadrado que o hábil jornalista utilizou usando a bondade das palavras para fins muito objectivos. Mas há aqui em toda esta entrevista, feita por quem tem fortes responsabilidades, com uma multiplicidade de assessores e meios para se documentar e aculturar, uma ausência de conhecimento do que é a actividade agrícola moderna, gerida em moldes agro-económicos sustentáveis e com forte eficiência no uso dos factores, e uma falta de visão gritante sobre as reais causas do problema, que infelizmente poucos querem entender quanto mais resolver.

Estes maus exemplos de destruição de património de Todos Nós, bem como também os recentes de montados de sobro e azinho, não têm nada a ver com as culturas que se vão implantar , se é amendoal ou olival, vinha ou feijão, cenoura ou batata, nem com a forma como elas são geridas agronomicamente (com uma ocupação espacial do terreno distinta, dando-lhes nomes vulgares de super-intensivo / sebe/ intensivo, tradicional …).

Culpar cegamente o sector agrícola, os agricultores e as suas Famílias, atacando-as na sua dignidade, na forma honrada como prestam um serviço impar à sociedade, comparando-nos todos a selvagens primitivos sem princípios é tão mau como delapidar património de Todos Nós! Em especial quando é feito por players com formação superior, com responsabilidades institucionais e que têm aceso privilegiado aos media e ao conhecimento, em que a figura do contraditório é muitas vezes uma verdadeira panaceia.

Estes problemas têm a ver com PESSOAS, felizmente poucas, gestoras de muitos interesses legítimos, com capacidade económica, mas desprovidas de bom senso, de educação societária e de respeito pelo próximo, que não cumprem a legislação em vigor e sentem uma impunidade a toda a prova quando praticam conscientemente actos criminosos . E essas PESSOAS são conhecidas, têm nomes muito diferentes de “culturas intensivas”, representam interesses conhecidos e são conhecedoras daquilo que de mal estão a fazer ao País, ao seu património e ao sector agrícola em geral.

Infelizmente têm vistas curtas pois não conseguem vislumbrar a mais valia que um património milenar mantido e inserido no meio dum investimento poderia ter na valorização do seu investimento, na abertura a um turismo em crescendo e carente de conhecimento e novidades, na valorização do marketing da venda dos produtos. Como igualmente um conjunto de frondosas azinheiras ou sobreiros podem ter na imagem fotográfica duma paisagem multifacetada reconvertida mas respeitando algumas das suas origens!

Lá diz o ditado que é o medo que guarda a vinha e por isso este é também um problema das PESSOAS QUE MANDAM pois há décadas que são permissivas (com especial selectividade) a este tipo de acções, criando por inacção a vários níveis um clima propicio à impunidade. Zelar pelo património e pela cultura no Alentejo, não é seguramente uma tarefa fácil mesmo quando estamos perante uma pessoa reconhecidamente competente e seguramente sem todos os meios indispensáveis à tarefa. E todos sabemos que as grandes obras e alterações culturais fruto da instalação dum regadio têm normalmente maior risco de impacto negativo pelo que tem de haver medidas de segurança adicionais que visem impedir uma multiplicidade de pequenos erros mas em especial aqueles que saem nos jornais e nos envergonham a Todos.

Seria no mínimo também responsabilidade do sector agrícola e das suas organizações denunciar, sem medo, tudo isto e chamando os bois pelos nomes, pedir medidas urgentes e em todos os locais onde o património foi afectado. Mas o sector está adormecido, encastelado nos seus problemas, olhando para eles como coisas de outros…!

Não me revejo neste silêncio de muitos, de muitas organizações e de muitos políticos e nesta impunidade num País que historicamente sempre soube, quando necessário, impor-se e expulsar gentalha sem escrúpulos! Por isso ousei escrever este texto para não ser mais um igual aos outros!

De pouco serve agora e para evitar mais perdas de um património único, com milhares de anos, que a Direção Regional de Cultura do Alentejo proponha a necessária classificação urgente e excepcional de mais de 1000 monumentos megalíticos, identificados na região do Alqueva. Todos os que foram destruídos estavam classificados e o fim foi o mesmo. Mais uma vez a solução é pífia se não for precedida de medidas firmes e duras.

Impedir que as plantações onde se praticaram estes actos condenáveis prossigam (durante no mínimo vários anos) e a estarem feitas serem aplicadas coimas violentas e exemplares, ou mesmo a obrigação de arranque do investimento (como foi feito à uns anos a uma vinha implantada por um investidor espanhol sem autorização nas margens do Guadiana perto de Campo Maior), é no mínimo aquilo que se devia fazer. Destruir património milenar, arrancar árvores protegidas sem autorização, tem que custar milhões aos infractores! No dia que o primeiro for severamente penalizado seguramente que os próximos terão cuidados triplicados!

Uma actuação imediata das Direcções Regionais da Agricultura, do Ambiente, da Cultura coordenadas com o Ministério Público poderia evitar ainda a vitória dos ufanos delapidadores de património sem princípios. E é por medidas urgentes que a sociedade civil, as populações rurais e os agricultores anónimos anseiam.

Esta maioria silenciosa que agora começa a manifestar-se cumpre com esta “pedrada no charco” o papel inicial em defesa do bom nome dum sector agrícola e dos problemas colaterais aqui referenciados. Esperamos que todos os outros com responsabilidades (Administração, Associações, Agrupamentos de Produtores, Sociedade Civil e Academia) o façam nos mesmos moldes para que nunca mais actos destes sejam notícia!

José Maria Amorim da Costa Falcão

Engenheiro Agrónomo pelo ISA

Gestor Agrícola

Barragem do Pisão – reflexões para um futuro sem desertificação – José Maria Amorim Falcão


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