A qualidade do leite – parte II

Ponto de congelação e antibióticos

O leite é composto maioritariamente por água, pelo que a sua possível adulteração constitui um fator de grande importância a ter em conta quando se pretende testar a segurança e a qualidade do mesmo para consumo humano.

A adulteração do leite com açúcar, sal, leite em pó ou outras fontes, irá diminuir o seu ponto de congelação, dissimulando, por outro lado, a adição de água que lhe possa ter sido feita previamente. Outro fator que pode encobrir a adição de água ao leite diz respeito ao armazenamento incorreto deste último, com proliferação bacteriana que conduz ao abaixamento do ponto de congelação.

A acidez titulável e o ponto de congelação do leite são muitas vezes testados simultaneamente para assegurar que qualquer acidez resultante do crescimento microbiano não influencia a medição nem oculta a adulteração do leite. Regra geral, o ponto de congelação pode ser usado para avaliar a quantidade de água adicionada ao leite desde que a acidez titulável deste não ultrapasse os 0,18 g de ácido lático/100 ml (Advanced Instruments, 1993).

O leite, logo após a ordenha, apresenta reação ácida com o indicador de pH fenolftaleína, mesmo sem que nenhuma acidez, como o ácido lático, tenha sido produzida por fermentação. A acidez do leite fresco deve-se à presença de caseína, fosfatos, albumina, dióxido de carbono e citratos.

Quando um soluto é dissolvido num solvente puro, as propriedades coligativas do solvente, tal como o seu ponto de congelação, alteram-se de modo diretamente proporcional, dentro de certos limites, à concentração do soluto. A maior parte dos solutos que se conhecem dificultam a cristalização da água, diminuindo o ponto de congelação desta. O mesmo acontece com o leite.

O leite torna-se suscetível a diluições e contaminações a partir do momento em que deixa o úbere da vaca (ou de outro mamífero). O leite que possua um ponto de congelação superior ao estabelecido por determinadas normas poderá ter sido diluído ou a manada respeitante pode ter sido sujeita a condições de seca e má nutrição, influenciando a qualidade do leite produzido. Se o leite possuir um ponto de congelação inferior ao estipulado, pode ser considerado suspeito de contaminação ou de ter azedado. Muitos organismos regulatórios recomendam um ponto de congelação de -525 m°H (equivalente a -507 m°C) para o leite (Advanced Instruments, 1993).

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Figura 1 – Crioscópio

A maneira mais precisa e rápida de medir o ponto de congelação de uma solução é através do uso de um crioscópio (Figura 1). Este aparelho permite o super-arrefecimento da amostra (ou seja, permite que esta se mantenha no estado líquido mesmo quando arrefecida até vários graus abaixo do seu ponto de congelação) com a subsequente indução mecânica do seu congelamento.

O calor de fusão que se liberta subitamente faz com que a temperatura da amostra suba até um patamar onde um equilíbrio líquido-sólido é mantido temporariamente. O tempo durante o qual este equilíbrio se desenvolve e mantém é uma função do diferencial de temperatura entre a amostra e o seu ambiente e das capacidades dos materiais circundantes em conduzir o calor. A temperatura de equilíbrio é, por definição, o ponto de congelação da solução (Figura 2).

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Figura 2 – Gráfico exemplificativo do processo de medição (T vs t) do índice crioscópico do leite
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Figura 3 – Amostras de leites prontas a analisar

A presença de resíduos de antibióticos no leite provém do uso de antimicrobianos na prevenção ou tratamento de doenças no gado como, por exemplo, infeções das glândulas mamárias ou do trato reprodutivo. A pesquisa destes resíduos é de extrema importância para a saúde pública dado existir a possibilidade de desenvolvimento de reações alérgicas ou tóxicas graves nos indivíduos que ingerem o leite contaminado. Por exemplo, uma pessoa que seja altamente alérgica a antibióticos beta lactâmicos pode ter uma reação grave ao beber leite que contenha esta categoria de antibióticos. Além disso, a presença de resíduos de antibióticos no leite também afeta as bactérias formadoras de ácido lático e, consequentemente, a utilização do mesmo leite para a produção de derivados por fermentação (como queijo, iogurtes, entre outros).

Os resíduos de antibióticos são comumente detetados no leite em concentrações muito baixas, da ordem das partes por bilião, o que torna a sua deteção mais difícil. Existem técnicas, como a cromatografia líquida de alta pressão, que fornecem resultados muito precisos. Contudo, é mais comum, devido a um custo mais reduzido e a um tempo de resposta mais curto, usar kits comerciais para a deteção dos resíduos. Estes kits baseiam-se normalmente na inibição do crescimento bacteriano, embora haja outros que se fundamentam em reações imunológicas ou enzimáticas. Não obstante, estes kits podem originar resultados falso-positivos pelo que, em caso de dúvida, é preciso recorrer a outros métodos.

Para a pesquisa de inibidores no leite podem ser usados kits comerciais que permitem a deteção de antibióticos e sulfamidas em leite cru e usam a bactéria Bacillus stearothermophilus var. calidolactis ATTC 10149 como organismo de ensaio (este microrganismo apresenta uma boa sensibilidade aos antibióticos, especialmente à penicilina). O procedimento consiste em adicionar a amostra de leite a uma gelose nutritiva que contém um indicador de pH e esporos do organismo acima referido. Após a incubação típica da gelose a 64°C por algumas horas, o crescimento normal e a produção de ácidos pelo microrganismo provoca a mudança de cor do indicador de púrpura para amarelo (Figura 4).

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Figura 4 – Kit de pesquisa de inibidores no leite (antes do uso e após sementeira e incubação das amostras – leites H1 a H8 todos com resultado negativo para a pesquisa)

O regulamento (CE) n.º 853/2004, que estabelece regras específicas de higiene aplicáveis aos géneros alimentícios de origem animal, determina (secção IX: Leite cru, colostro, produtos láteos e produtos à base de colostro), sem prejuízo da Diretiva 96/23/CE, que os operadores das empresas do setor alimentar devem proceder de forma a garantir que não é colocado leite cru no mercado: a) cujo teor de resíduos de antibióticos ultrapasse os níveis autorizados para qualquer uma das substâncias referidas nos anexos I e III do Regulamento (CEE) n.º 2377/90; ou b) quando o total combinado dos resíduos de todas as substâncias antibióticas ultrapasse qualquer valor máximo permitido. Nesses casos, os operadores deverão informar a autoridade competente e tomar medidas para corrigir a situação.A presença no leite de substâncias inibidoras do crescimento microbiano tem como resultado a manutenção da cor púrpura do indicador de pH. São, normalmente, efetuados dois controlos positivos (penicilina G e sulfadiazina) e um controlo negativo que é realizado com leite isento de antibióticos.

Referências

Advanced Instruments (1993), The Advanced Cryoscope Model 4D3 User´s Guide, Advanced Instruments Inc. Dairy and Food Divison, Edição 1C 05-07-93, Massachusetts

Ana Campos
Técnica Superior

O artigo foi publicado originalmente em DICAs.

A qualidade do leite – parte I


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