Há alguns dias, a convite de uma entidade que representa o setor agrícola, escrevi um pequeno texto acerca das minhas preocupações sobre o uso de tratores e as questões de segurança que lhe estão envolvidas. No mesmo, deixei algumas reflexões que partilho aqui convosco:
– porque não foi ainda constituída uma plataforma comum que permita de forma objetiva apurar o conjunto de acidentes com estes veículos, independentemente dos mesmos se verificarem em estrada ou em campo?;
– porque tarda a implementação de um sistema de inspeção periódica de tratores no nosso país, atendendo a que este mesmo procedimento já o é realizado em muitos países europeus e inclusivamente no nosso arquipélago dos Açores?;
– porque é que em Portugal, contrariamente ao que já foi implementado em Espanha com o plano ‘PIMA Tierra 2014’, nunca foi proposto um programa de abate de veículos agrícolas antigos com a sua substituição por novos e assim proporcionar a oportunidade aos agricultores de terem tratores de maior eficiência energética, menos poluidores e mais seguros!?
No passado dia 27, ficamos a saber que o Conselho de Ministros deliberou no sentido de aplicar um regime sancionatório aos titulares de tratores agrícolas cujos veículos não estejam equipados com o conhecido arco de Sto António, ficando o seu incumprimento sujeito a uma coima de 120 a 600 euros. Parece-me uma medida precipitada, com baixo impacto na resolução do problema que se pretende ver solucionado, e reativa para com a necessidade de sensibilizar o agricultor para esta problemática, já que da forma como surge, vai ser interpretada como mais uma multa a somar a tantas imposições a que já vai estando sujeito nos últimos tempos..
Comparando; não é multado nenhum condutor titular de uma viatura ligeira anterior a 1966 por não ter cinto de segurança, nem creio que exista na Europa Comunitária idêntica legislação à que agora se pretende impor aos utilizadores de tratores agrícolas em Portugal.
Passo assim a explicar-vos o meu ponto de vista sobre este assunto.
As estruturas de proteção são obrigatórias nos tratores matriculados após 1 de janeiro de 1994, tratores estes que contam 25 ou mais anos, cerca de duas vezes a vida útil prevista para este tipo de bens que numa utilização normal somam com facilidade mais de 20 000 horas de funcionamento, com tudo o que isso significa numa máquina. Assim, a questão em aberto é desde logo, qual o valor comercial de um veículo destes que justifique ainda a montagem de um arco de segurança, ou de outra forma, qual o valor de montagem deste dispositivo (que requer homologação, bem como homologado o conjunto do arco e do trator) que compense ainda a sua montagem num trator desta idade e grau de utilização…?? Será que nestes tratores a única falha de segurança é a ausência do arco de Sto António…??
Mas indo um pouco mais atrás, não deixando de reconhecer a importância deste dispositivo na prevenção de acidentes, recordo que a utilização do mesmo só per si, e nomeadamente sem a alteração do banco do operador e/ou montagem de um dispositivo de retenção (cinto de segurança) hoje obrigatória em todos estes veículos, reduz em muito a sua eficácia já que o embate com capotamento faz frequentemente com que o operador saia da sua zona de segurança e possa ficar novamente sujeito ao risco de esmagado causado até pelo próprio arco. Por aqui resulta que a ser obrigatória uma medida, outra relativa à montagem de um elemento de retenção devia ser implementada para garantir a sua eficácia.
Considerando a elevada percentagem do parque tratores agrícolas com idade superior a 25 anos, soma-se a isto a necessidade imperiosa de fabrico e homologação destes dispositivos em massa, sob pena, de mesmo querendo ir ao encontro da lei, não haver resposta do mercado em tempo útil para fornecimento, montagem e homologação deste equipamento permanecendo até lá em incumprimentos milhares de veículos e utilizadores.
Recentemente, e em resposta aos acidentes com tratores agrícolas que infelizmente ocorrem um pouco por toda a Europa, foram os próprios fabricantes que propuseram um conjunto de novas soluções de segurança através da implementação da conhecida TMR – Tractor Mother Regulation, demonstrando que a segurança e a prevenção de acidentes vai muito além da simples utilização do arco de Sto António. Já não estamos em 1994 e hoje discute-se, por exemplo a importância do uso de sistemas ABS em tratores agrícolas.
Efetivamente o posto de trabalho que hoje representa o posto de condução de um trator agrícola, não acarreta apenas o risco de capotamento. Outros riscos estão associados com a integridade física do operador, como os resultantes da falta de manutenção do veículo, o ruído, as vibrações, o nível de emissões poluentes, ou a necessidade de proteção contra a utilização de produtos fitofarmacêuticos.
Soma-se a isto, o facto dos tratores serem instrumentos que se querem eficientes do ponto de vista energético, com baixos custos de utilização e cada vez mais amigos do ambiente utilizando motorizações que cumpram as metas ambientais de redução dos GEE e assim contribuam para os objetivos propostos no roteiro de neutralidade carbónica, apenas possível de ser alcançado com veículos atuais e com bons níveis de manutenção.
Para obviar esta situação, muitos recorrem à importação de tratores usados. Esta, também não me parece ser a melhor alternativa, já que um agricultor português não faz necessariamente menos horas de utilização que um congénere seu europeu, porque é particularmente importante conhecer a origem desses tratores para não se correr o risco de adquirir “gato por lebre”.
Por este conjunto de motivos, parece-me que mais importante do que deliberar sobre um regime sancionatório para quem nas circunstâncias anteriormente referidas não tem arco de segurança no seu trator, é pensar o problema no seu todo, e não apenas tratando-o como uma ferida que se resolve colocando um penso. Devemos pensar nas inspeções, devemos pensar na substituição de veículos antigos por novos, devemos continuar a aposta na formação e sensibilização dos operadores, e neste caso em concreto multar sim, mas aqueles que tendo o arco de segurança o usem indevidamente.
Infelizmente em Portugal a mecanização agrícola face a outras áreas tecnológicas já teve um papel de maior relevo e fórum alargados de discussão, mas a importância que lhe é dada pelos agricultores e demais entidades públicas e privadas que com ela se relacionam, fez com esta valência fosse recentemente uma das três objetivamente visadas no recém criado Centro de Competências InovTechAgro.
Neste sentido, teria sido oportuna a consulta a este Centro sobre as medidas a tomar nesta matéria, atendendo às 65 entidades que o subscrevem, nomeadamente o Ministério da Agricultura.
Neste contexto, mais consistente do que a criação de um regime sancionatório teria sido importante o debate de um conjunto de medidas e a sua aplicação, que de forma integrada contribuíssem para a redução de acidentes com tratores agrícolas.
Professor Adjunto do Instituto Politécnico de Portalegre
Coimas para tratores agrícolas sem arco de proteção entre os 120 e os 600 euros
InovTechAgro – Inovação, mas não só! – Luís Alcino da Conceição