Como se pode preparar o setor em tempos conturbados – Carlos Buxadé Carbó

Depois de um largo período de confinamento, o regresso à “normalidade” ficou marcado pelos encontros nos grandes eventos. Foi o caso da 15ª edição da FIGAN, que decorreu de 21 a 24 de setembro, em Saragoça, onde estivemos à conversa com o jubilado Prof. Dr. Carlos Buxadé Carbó, que nos descreveu as dificuldades da organização da Feira e as suas perspetivas para o futuro da Suinicultura.

Como foi organizar esta Feira depois do confinamento?

Foi muito complicado. Era evidente que as pessoas tinham vontade de vir e de se encontrarem, tinham sobretudo um interesse emocional, mas havia também muito medo. Não nos podemos esquecer que a Covid-19 continua e isto levou-nos a decisões muito difíceis.

Em primeiro lugar, tivemos de mudar as datas. A Feira foi marcada primeiramente para março, depois foi adiada para o início de setembro, mas como estava demasiado próxima do período de férias acabámos por decidir pela data de 21 a 24 de setembro. No final, todos estes fatores nos fizeram perder superfície e visitantes, mas foi feito o possível.

Qual o balanço da Feira?

Embora tenha sido muito difícil e complicado, o resultado foi melhor do que esperávamos. Podemos dizer que foi bom. Perdemos cerca de 30% da superfície, mas só houve uma quebra aproximada de 18% dos visitantes, em comparação com os números de 2019. Mas não há comparação possível, são dois mundos distintos.

Contudo, percebe-se que as pessoas estão muito felizes e já falam de 2023. Estamos contentes e a verdade é que esta feira superou as expetativas.

Fomos o último grande evento, com a Feira Agrícola a decorrer em fevereiro de 2020 e o confinamento a começar em março, e agora somos os primeiros com um grande evento. Isso é muito bom.

Foi fácil reunir pessoas para participar nas Jornadas Técnicas?

Normalmente temos nesta feira entre 50 e 52 reuniões. Este ano só tivemos 29. Não foi tanto o problema dos intervenientes, mas sim as empresas que tiveram receio de estar presentes.

Não nos podemos esquecer que limitámos o número de pessoas por sala. Em todas as salas havia um indicador de gases e algumas reuniões tiveram de parar, para proceder à ventilação, e depois retomar os trabalhos.

Foi tudo muito mais complicado.

Havia sobretudo três temas que a organização receava: quantas pessoas viriam; quantas caberiam numa sala, que deveria ter lotação reduzida; trazer os intervenientes que vinham do estrangeiro, que depois não puderam comparecer, como por exemplo os norte-americanos. Mesmo os do Canadá, foi muito difícil trazê-los até Espanha.

Este ano, as delegações estrangeiras também sofreram uma significativa redução… A única delegação estrangeira foi a de Portugal. Mas Portugal e Espanha são os mesmos, a Península Ibérica é outra história. Somos colegas do Oeste!

Já no que respeita aos restantes países, foi impossível trazê-los pela situação sanitária. Normalmente temos 30 delegações estrangeiras. Mas desta vez foi impossível que viessem da Ásia ou da América do Sul. Mesmo os europeus vieram sem ser em delegações para não criar um problema de comparação. Vieram bastantes franceses e alemães, por exemplo, mas de forma direta e não oficial.

Outra das ausências sentida foi a dos laboratórios. Também se deveu à pandemia?

Sim. Por restrições das empresas-mãe. Houve laboratórios que tinham o espaço reservado, o stand montado
e tudo pago, mas os chefes nos Estados Unidos ou na Alemanha não deram autorização.

Relativamente ao Concurso de Novedades y Mejoras Técnicas, houve muitas surpresas?

Sim. Ficámos muito surpreendidos pela positiva. Dos que se apresentaram, pudemos eleger 37, e daqui sobressaem dois aspetos, as melhorias técnicas e a inovação. Em termos de novidades em inovação, houve poucas – ainda assim houve. Mas há muitas melhorias técnicas importantes. Neste aspeto foi um êxito, maior do que esperávamos.

A verdade é que durante o confinamento as empresas estiveram encerradas mas a trabalhar o design. Isto viu-se no Concurso de Novidades deste ano.

Por exemplo, a empresa que faz todo o tipo de reboques com alta tecnologia trouxe novidades nos seus camiões. Ao falar com a diretora-geral, disse-me que aproveitaram todo este tempo de confinamento para trabalhar nos projetos. E isto levou a muitas vendas de camiões graças a estas inovações.

Também no tema da digitalização houve um grande avanço. As empresas prepararam-se no sentido de uma maior consolidação do desenho, implementação e melhorias. Preparam-se bem para a abertura do mercado.

No confinamento houve o problema do fornecimento das matérias-primas para as empresas. Como avalia a questão dos preços das matérias-primas?

Este é o grande problema. Sobretudo o preço do aço. Por exemplo, falei com um diretor de uma empresa que me dizia que tinha uma operação encerrada, abriu-a em 2019 e tinha de fechá-la aqui, mas a máquina que em 2019 custava 300 mil euros agora custa 480 mil. Havia a esperança de que, com a quebra de uma das mais importantes empresas chinesas, o aço baixasse o preço em março ou abril, mas continuou a subir. E isto é um grande problema. Temos problemas ao nível dos fornecimentos e dos preços das matérias-primas.

Relativamente ao setor da Suinicultura, quais são os principais desafios de um futuro imediato?

Acredito que no futuro vamos ter três problemas: matéria-prima, mercado externo e decréscimo do consumo da carne de porco.

Em Espanha, por exemplo, no ponto alto, eram consumidos 62 quilos por pessoa. Neste momento, estamos à volta dos 40 kgs. E continua a baixar. Os  egans são já 200 mil, os vegetarianos 2 milhões e os flexivegetarianos 7 a 8 milhões – e a crescer.

A população está cada vez mais envelhecida e os jovens nascem com outra filosofia. Evidentemente que as carnes vão sofrer com tudo isto. A juntar a este cenário vêm os alimentos vegetais com sabor a carne (plant based), que aqui já estão a toda a velocidade. E dentro de cinco a sete anos chegam as proteínas industriais de laboratório (com os alimentos concentrados, os insetos, etc.).

Como vê o cenário atual da suinicultura, nomeadamente no que respeita ao mercado chinês?

Há anos que digo que se iria passar o que está a acontecer agora. E vai continuar.

Há uns tempos, quando os preços estavam nas nuvens, eu afirmei que iriam baixar até aos 0,95€. E este já foi atingido.

O grande problema é que os suinicultores não têm uma visão a longo prazo. E pensam que a China vai continuar a comprar cada vez mais e a preços mais altos, e que a cada dia vão ser mais felizes e ganhar mais dinheiro. Mas não é verdade. Tudo são ciclos. E agora estamos numa situação muito complicada. Espanha está a entrar numa situação dramática. Exportamos cerca de 50% do que produzimos e a China baixou as compras e comprará menos ainda no futuro.

A China está a recuperar o efetivo, parte da proteína de porco será substituída por proteína de aves, por razões de matéria-prima.
O país mudou a sua estratégia e deixa de comprar animais para comprar matéria-prima, e com isto faz aumentar os preços das matérias-primas.

Será uma estratégia de bluff chinesa ou está de facto a repor o efetivo?

Para começar há muitas Chinas. Mas creio realmente que a estratégia chinesa é muito clara. Eu estive com eles há um par de anos em Cuba, no Congresso Tropical Internacional, onde estavam todos os grandes hierárquicos chineses e em conversa disseram-me que a Peste Suína Africana (PSA) no país tinha sido uma bênção porque conseguiram eliminar milhares de pequenos produtores que só davam problemas. Uns foram eliminados porque tinham a peste, outros porque não conseguiam vender. Com isto ficaram as grandes explorações, totalmente equipadas e com uma grande eficácia de produção.

Esta é a filosofia chinesa. Neste momento estamos a ver a ponta do icebergue, que é a matéria-prima e o mercado, mas por baixo está toda esta filosofia.

Há quem diga que se passou o mesmo com a Rússia. Mas não é o mesmo porque quando se perdeu a Rússia ganhou-se a China, mas se esta se perder e não houver o mercado russo, para onde iremos? Podemos ir para Singapura, Taiwan, mas não é o mesmo.

No meu ponto de vista, vêm aí momentos complicados. O meu conselho, desde há cinco anos, é que não ampliem. Em vez disso, consolidem, melhorem, baixem custos, melhorem as tecnologias, melhorem o produto.

A China já não compra “porcaria”. É certo que continua a comprar “porcaria” mas quer comprar carne boa, com sabor, e não animais super magros e super baratos.

E isto faz abrir-se ao mercado canadiano, por exemplo. Daqui a quatro, cinco anos a situação será muito complexa, a menos que a Peste Suína Africana volte a crescer na China.

E isto os suinicultores não o veem. Além disso, a banca quando se aperceber do que se está a passar deixará de dar dinheiro à suinicultura. Não nos enganemos, a banca pensa com a cabeça e não com o coração.

Acredita que os preços possam voltar a aumentar?

Sim, mas a curto prazo. Em Espanha vemos os preços a baixar há cinco meses. Quando me falam de bluff por parte os chineses eu pergunto onde está o bluff?

O grande problema é que os suinicultores não querem encarar a realidade e continuam a construir explorações. Todos os dias vemos novas instalações.

Devemos temer a PSA?

E se eu lhe disser que em Espanha importámos leitões de zonas muito próximas da PSA? Além disso, temos o problema do excesso de população de javalis, assim como de coelhos, lobos e veados. Mas os animalistas e companhia não deixam que se aplique uma lei correta para os controlar e ainda recentemente foi aprovada a lei que proíbe a caça ao lobo ibérico.

De que forma se pode a suinicultura preparar para a onda crescente das preocupações ambientais?

Isto é como a lava do vulcão em La Palma: avança devagar mas de forma imparável. Há que mudar as estratégias. Não se pode pôr portas no campo.

Os consumos de carne de porco vão continuar a baixar, haverá menos dinheiro e a situação será cada vez mais difícil. Temos a concorrência de países como os Estados Unidos, Canadá ou Austrália. Os americanos são preferidos pela Grã-Bretanha, o Japão está mais próximo da Austrália ou do Chile do que nós.

Há que considerar que se acabaram os crescimentos e tudo vai voltar a um cenário mais pequeno, na qual se deve procurar ter sobretudo uma relação custo-qualidade, ser competitivo neste campo, vender o modelo europeu de qualidade, bem-estar animal e respeito pelo ambiente ao resto do mundo, e que isto faça com que os mercados o reconheçam e o paguem.

Como se consegue exportar este modelo europeu que é mais caro?

Não é fácil e o consumidor não vai pagar. Este é o grande desafio. O problema é que as questões ambientalistas são sociais e não zootécnicas. É o mesmo problema que temos com o lobo em Espanha. Não somos capazes de aplicar uma legislação zootécnica, pelo contrário, acaba de sair a lei de proteção do lobo. Temos 360 alcateias oficiais. Supõe-se que sejam mais de 400 mas tecnicamente só cabem 50. O mesmo se passa com os coelhos, que são protegidos e invadem os terrenos cultivados tornando-se num desastre.

Com estas políticas alheadas da realidade zootécnica, a produção torna-se mais cara. O problema é que os decisores são urbanos e a consciência urbana está cada vez mais afastada da realidade rural, o que torna esta trincheira cada vez maior. Eles não entendem a nossa
linguagem e aplicam apenas a sua. Eles falam “russo” e nós “alemão.”. Esse é o principal problema.

Qual vai ser o caminho do bem-estar animal?

Vou contar uma história. Eu criava cães de raça Boxer e antes cortávamos os pavilhões auriculares e as caudas.

A lei mudou e proibiu o corte do pavilhão auricular porque este protege a orelha. Estou totalmente de acordo, mas as caudas? Estão mortas e podem dar origem a problemas de saúde ao animal. Mas não pude continuar a cortá-las… o que resultou num desastre e eu deixei de criar boxers. Para cortar a cauda era necessário que um veterinário fizesse o diagnóstico de infeção, o que se tornou insustentável.

A questão é que, como dizia há pouco, os decisores falam um idioma que não é o rural e ainda temos os animalistas, e os jovens que crescem com uma educação antirrural, o que complica a situação. Este é um problema grave e o pior é que as pessoas escutam apenas o que querem ouvir.

O consumo de carne de porco está condenado?

Quando surgirem as proteínas vegetais, que não implicam matar animais e não levam aditivos, vai ser difícil convencer os jovens a comer carne. Qualquer tipo de carne. Os mais novos vão nascer com esta filosofia tal como agora nascem com o telemóvel ou o computador.

Podem acreditar que dentro de poucos anos vamos ter uma impressora 3D nas mesas dos restaurantes: pedimos a proteína industrial e a impressora dá-nos tal e qual como é pedido, com mais ou menos sal, com mais ou menos gordura, mais ou menos sabor. E esta sai na hora. Como é que se pode competir com um lombo de porco?

A mudança já começou e a velocidade vai mudar…

O artigo foi publicado originalmente em FPAS.


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