Economia circular. Lamas das ETAR fertilizam gratuitamente explorações agrícolas

Sabia que o material resultante das Estações de Tratamento de Águas Residuais (ETAR) pode ser valorizado directamente na agricultura, para fertilizar os solos? E que essas lamas são distribuídas gratuitamente aos agricultores? Pois é isso mesmo que a recém criada (em Dezembro) AEVO — Associação de Empresas de Valorização de Orgânicos quer intensificar e alargar a todo o País, ultrapassando a burocracia dos licenciamentos. Sabia que o material resultante das Estações de Tratamento de Águas Residuais (ETAR) pode ser valorizado directamente na agricultura, para Sabia que o material resultante das Estações de Tratamento de Águas Residuais (ETAR) pode ser valorizado directamente na agricultura, para fertilizar os solos? E que essas lamas são distribuídas gratuitamente aos agricultores? Pois é isso mesmo que a recém criada (em Dezembro) AEVO — Associação de Empresas de Valorização de Orgânicos quer intensificar e alargar a todo o País, ultrapassando a burocracia dos licenciamentos.

A utilização de lamas e de composto é particularmente útil para os agricultores, na altura de sementeira, já que estes materiais são muito ricos em matéria orgânica, escassa nos solos nacionais, e potenciam a qualidade e quantidade dos produtos produzidos.

“Desde há muitos anos que utilizo lamas urbanas na minha cultura principal, o milho. Os resultados são muito interessantes pois os solos em que trabalho – região Centro e Sul – são muito pobres em matéria orgânica. A melhoria das suas características físicas, químicas e biológicas é evidente”, garante o empresário Joaquim Pedro Torres, da Valinveste e organizador da AgroGlobal.

Por exemplo, numa plantação de milho, a poupança dos agricultores com adubos pode atingir os 350 euros/ano

Todos os terrenos agrícolas e florestais, com especial incidência nos mais pobres e, por isso, mais susceptíveis à erosão e degradação, beneficiam com a utilização deste material para valorização agrícola.

Na agricultura, as culturas onde maioritariamente há aplicação de lamas são a indústria do tomate, milho, sorgo, vinha (instalação), prados e pastagens, floresta, montado, entre outros. Estas são, actualmente as mais comuns, mas convém salientar que qualquer cultura beneficiaria se os terrenos fossem fertilizados com lamas.

Associadas da AEVO

Mas quem são estes “amigos” dos agricultores? As associadas da AEVO são Operadores de Gestão de Resíduos (OGR) responsáveis pela recolha, tratamento e reutilização de cerca de 70% da produção nacional de lamas de ETAR. Actualmente, os associados da AEVO fazem a recolha destas lamas em mais de 120 concelhos portugueses, de Norte a Sul, sendo que estas são utilizadas em valorização agrícola em mais de 40 concelhos.

Ricardo Fortunato Silva

Esta actividade é “um exemplo concreto de economia circular, já que estes resíduos são transformados num material que permite a fertilização, através da valorização orgânica, de terrenos agrícolas e florestais, proporcionando ganhos económicos a todas as partes envolvidas no processo, tudo isso aliado à questão ambiental, já que só esta actividade permite que estas lamas recebam o tratamento recomendado, não sendo encaminhadas para soluções menos correctas (aterro ou incineração) e permitindo que as ETAR mantenham o seu normal funcionamento”, explica o presidente da AEVO, Ricardo Fortunato Silva.

Licenciamento é um entrave

Mas aquele responsável realça que a Associação foi criada em Dezembro de 2020 porque “há entraves ao desenvolvimento desta actividade, que é distribuída gratuitamente aos agricultores, que para as receberem precisam de um licenciamento que demora anos a ser aprovado. A gestão de resíduos orgânicos é uma actividade muito regulamentada mas essa regulamentação não funciona”.

“O licenciamento, que obriga à identificação das parcelas agrícolas, a origem das lamas, é um processo que deve ser feito pelas empresas de gestão de resíduos e as Direcções Regionais de Agricultura. Um processo que devia demorar 35 dias e chega a demorar três anos”, queixa-se Ricardo Fortunato Silva.

Para Joaquim Pedro Torres, “torna-se difícil de compreender as dificuldades de toda a ordem colocadas à utilização de efluentes urbanos e outros na produção agrícola. Esta prática ancestral, obviamente controlada ao nível microbiológico e de metais pesados, apresenta vantagens agronómicas, mas também económicas e ambientais. Permite redução na aplicação de adubos na sua grande maioria importados e, no plano ambiental, valoriza um resíduo que, de outra forma, terá como destino, na melhor das hipóteses, o aterro sanitário uma vez que não existe capacidade para a sua compostagem”.

Estando os conceitos de economia circular e sustentabilidade na ordem do dia “parecem existir todos os motivos para incentivar a utilização agrícola da matéria orgânica proveniente de efluentes, tanto mais que, sob as condições de clima mediterrânico, esta é rapidamente mineralizada e nunca atingiremos, infelizmente, os níveis de matéria orgânica no solo das principais zonas produtivas do globo”, salienta o empresário da Valinveste.

A lama fertilizante

Mas como se transforma um desperdício num fertilizante? As lamas de ETAR resultam do processo de tratamento das águas residuais e precisam de ser retiradas quase diariamente destas infraestruturas, uma vez que a maioria das ETAR não têm, ou tendo, têm um espaço muito reduzido de armazenamento.

Caso as lamas não sejam recolhidas, as ETAR deixam de ter condições para funcionar normalmente, e as águas residuais têm de ir directamente para os rios ou o mar. De referir que diariamente são produzidas em Portugal mais de duas mil toneladas de lamas.

Pastagem antes e após a aplicação de lamas

Por isso mesmo, o Governo decidiu, conjuntamente com o Ministério do Ambiente, colocar durante o Estado de Emergência, a actividade destas empresas em Serviços Mínimos Essenciais de manutenção obrigatória. Já durante a greve dos motoristas de matérias perigosas, este sector havia sido considerado como prioritário, no abastecimento de combustíveis, pois não pode parar.

Tratamento

Antes de serem reutilizadas para fins agrícolas, estas lamas têm de passar por um processo de higienização (um processo em que estas são misturadas com cal – calagem -, de forma a eliminar os microrganismos patogénicos), o processo mais comum em Portugal.

Esta higienização, sendo um processo “conhecido e eficaz”, têm sido delegada e executada pelos OGR nas suas plataformas, uma vez que nem todas as ETAR têm capacidade ou tendo-a, delegam essa responsabilidade aos OGR.

Outra alternativa é a compostagem, um processo biológico natural, com duração de cerca de três meses, em que as lamas, misturadas com outros resíduos orgânicos, atingem altas temperaturas que levam à eliminação microbiológica, dando origem a um produto higienizado e estabilizado, para fertilização agrícola.

No entanto, esta alternativa tem a desvantagem de ser mais morosa do que a valorização agrícola directa após higienização, e requer uma capacidade de processamento muito elevada, algo que não existe em Portugal, apesar de algumas das empresas do sector estarem fortemente a investir no aumento dessa capacidade.

Assim, após a recolha nas ETAR, as lamas são transportadas para uma plataforma de um OGR para serem armazenadas (breve período, caso já venham higienizadas das ETAR), para serem higienizadas (processo que demora menos de uma semana) ou para sofrerem compostagem (processo nunca inferior a três meses).

Reutilização

Após estes processos o material resultante pode ser valorizado directamente na agricultura, para fertilizar os solos, após diversos procedimentos legais de licenciamento.

Compostagem

O composto, material que resulta da compostagem, é considerado um correctivo agrícola orgânico que se assemelha a terra, e pode ser utilizado directamente nos terrenos agrícolas, ou noutros fins semelhantes, sem que tenha de obedecer aos critérios de licenciamento das lamas, uma vez que deixa de ser considerado um resíduo.

Já as lamas higienizadas, para serem utilizadas na valorização agrícola, necessitam de um Plano de Gestão de Lamas (PGL) e de uma Declaração de Planeamento de Operações (DPO), ambos aprovados pela Direcção Regional de Agricultura e Pescas, com pareceres obrigatórios da CCDR e ARH “muito detalhados e morosos”, frisa o presidente da AEVO.

Estes processos obrigam a várias análises e estudos, de modo a garantir que as lamas utilizadas são seguras para utilização agrícola, e não colocam em risco o ambiente ou a saúde pública.

A utilização de lamas e de composto é particularmente útil para os agricultores, na altura de sementeira, já que estes materiais são muito ricos em matéria orgânica, escassa nos solos nacionais, e potenciam a qualidade e quantidade dos produtos produzidos.

Quem beneficia

A actividade dos OGR proporciona diversos benefícios ambientais e económicos a todos os intervenientes neste processo. A utilização das lamas na valorização da agricultura vai de encontro às políticas europeias, sendo a solução que melhor protege o ambiente e a saúde pública ao mesmo tempo que contribui para uma economia circular, onde resíduos são transformados num material que valoriza os solos portugueses.

Os agricultores são parceiros fundamentais desta actividade, já que cedem os seus terrenos para que os OGR apliquem as lamas na valorização agrícola, oferecendo um destino ambientalmente correcto para este material. Em troca, têm um benefício económico e agronómico, dado que estas lamas lhes são cedidas gratuitamente, o que lhes permite reduzir substancialmente o custo com adubos e fertilizantes químicos, fertilizando os terrenos agrícolas de forma natural e com claros benefícios para as culturas e para o ambiente.

Por exemplo, numa plantação de milho, a poupança dos agricultores com adubos pode atingir os 350 euros/ano. Contudo, se a este valor acrescentarmos os ganhos com o aumento de produção pela fertilização através da VAD, as mais-valias do agricultor chegam aos 500 euros por hectare/ano.

Joaquim Pedro Torres

Ricardo Fortunato Silva salienta ainda o “importantíssimo e pouco referido papel que as lamas têm na prevenção contra os incêndios florestais. Isto porque uma grande parte das lamas são aplicadas em floresta (pastagem sob coberto de montado) e esta aplicação é sucedida, sempre, da mobilização dos terrenos florestais, deixando-os limpos de mato e de massa combustível lenhosa”.

E Joaquim Pedro Torres, para “aligeirar” o tema, não resiste a citar o Professor Quelhas dos Santos, “uma referência do Instituto Superior de Agronomia” que escrevia num seu livro sobre fertilização que “o valor fertilizante dos estrumes humanos já era do conhecimento dos chineses há mais de 1000 anos a.C. e, em tempos na Alemanha, os estrumes humanos eram vendidos aos agricultores, tendo o dos luteranos um valor mais elevado que o dos católicos devido ao facto de os primeiros, por não terem restrições ao consumo de carne, originarem dejectos mais ricos em azoto”.

Agricultura e Mar Actual


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