Uma grande expectativa e uma quase certeza: uma das primeiras, senão mesmo a primeira cultura agrícola a fazer-se em Marte, será uma vinha! Assim foi na Terra com Noé, depois do dilúvio, desembarcando da sua Arca como se estivesse noutro planeta: plantou uma vinha, produziu vinho, apanhou uma bebedeira (comemorativa, com certeza!) e andou a correr nu pelos campos – leia-se o Génesis para a história toda.
Em Marte, uma vinha será. Estritamente hidropónica, numa primeira fase, cultura protegida com nutrição e hidratação controladas, enraizada num bom substrato, com suporte, condução e todas as operações culturais robotizadas, avaliação da maturação das uvas e sua colheita num momento óptimo e vinificação automática que produzirá um vinho pioneiro que só poderá ser, pois claro, surpreendente em todos os aspectos. Não, não creio que possa ser decepcionante porque as coisas feitas com interesse, paixão e base científica, nunca são decepcionantes, são sempre, sempre, cheias de lições, independentemente dos primeiros resultados. Ah, haverá ainda os subprodutos, que em Marte não serão subprodutos mas matérias preciosas pela sua raridade e que terão vários destinos – um deles, o de ficar a aguardar oportunidade. Tal como ficarão a aguardar oportunidade uma boa parte dos vinhos produzidos e dos destilados (pois!) que vier a haver. Oportunidade, no caso dos vinhos e destilados, de vir para a Terra. As viagens sempre fizeram bem aos vinhos e não sabemos que propriedades a navegação interplanetária não lhes irá conferir: uma delas, a do preço na terra – e do direito, exclusivo em absoluto, de deles se poder provar! A marca que adquirir o poder patrocinar a existência de vinhas, vinhos, bagaceiras e outras aguardentes e bebidas relacionadas, em Marte, será uma marca com visão de futuro. O vinho de Marte tem notoriedade mesmo antes de existir! Se a vinha em Marte tiver patrocínio português, não será arriscado dizer-se que terá tourigas, tinta roriz e amarela, vinhão, ramisco, alvarinho evidentemente, loureiro e arinto, mais umas quantas de clones seleccionados, do Continente e das Ilhas, todas em pé-franco. Numa segunda fase de Vitis vinifera vinifera em Marte (não serão necessários quaisquer híbridos no quarto planeta), será muito interessante saber da sua adaptação e desenvolvimento em cultura no solo, em estufas controladas. Isentas de doenças, serão luxuriantes. Darão vinhos poderosos de argumentos e novidades. Outra coisa será, se serão bons e agradáveis de beber, simplesmente. Bons e bem pagos.
Na Terra, há algumas coisas que já começaram, continuam e prosseguirão a passar-se como em Marte no futuro: as vinhas e todo o processo da vitivinicultura será cada vez mais automático e a intervenção do homem remetida para tomadas de decisão e para a fruição da cultura e dos seus produtos. Já assim acontece nalgumas famílias e empresas que são donas do espaço em que vicejam as plantas sem ser forçosamente os vitivinicultores, sendo a actividade exercida por parentes ou pessoas com outro tipo de relação económica. E o processo produtivo agrícola em si irá depender muito mais (ou quase só) da informação, da energia e… da água. Uma nova agricultura dará características novas à sociedade. Tal como dará sempre novos vinhos. A par dos que já temos e para os quais, enquanto houver willing to pay, haverá produtores. Que manterão as tradições dos que são donos da terra, dos processos e da sua notoriedade. E aqui bate um dos pontos dos vinhos que, na Terra, são portugueses: têm que fazer muito mais por ir a Marte, isto é, por ganhar notoriedade. Precisam de marting, isto é, de marketing! De um contínuo, persistente e frutuoso processo de marketing. Que os valorize, que os pague melhor para melhor serem pagas as uvas.
Antes de Marte, temos Portugal. Em que temos que ser melhores para sermos bem pagos. Temos que nos deixar de complexos e selecionar a sério entre o bom e o mau, aprovando o primeiro e relegando para vinagre ou queima o segundo. O conhecimento de que o vinho português é bom (mas tem que ter qualidade), escasso e identificável com características positivas (história, sustentabilidade, qualidades intrínsecas), especial nalguns dos seus atributos (o Porto, o Madeira, os Verdes, o Douro, os outros…….), tem que ser difundido e incutido culturalmente nos nossos produtores (já o é mas não chega), nos nossos operadores turísticos e horeca (já o é mas não chega), nos nossos clientes internacionais (já o é mas não chega) e no grande público nacional e internacional (quase nada é feito com intensidade e continuidade, o vinho português está ausente dos grandes meios e órgãos de comunicação internacionais generalistas).
Portugal não é Marte. Para já, não há vinhas em Marte. Mas seria um grande sonho o de um dia plantarmos lá umas videiras. Até lá, poderíamos ir pensando em pôr em órbita os nossos vinhos, na qualidade e no valor. Só de órbita em órbita se lá chega. A Marte.
Nota final: a ideia de uma vinha em Marte é da NASA e está a ser alvo dum projecto entre esta agência e entidades da Geórgia. A oposição pseudo-ambientalista que tem inspirado já foi antecipada por Luís de Camões nos Lusíadas, Canto IV, 94-104.
Consultor e escritor, ex Director Regional de Agricultura e Pescas do Norte, 2011-2018; ex Vice-Presidente do IVV, 2019-2021.