“Água é um bem precioso que temos de consumir o menos possível”

Com secas cada vez mais frequentes e prolongadas em Portugal, é urgente repensar medidas que permitam enfrentar a falta de água. Em entrevista à Renascença e à agência Ecclesia, Filipe Duarte Santos, geofísico, professor jubilado da Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa e presidente do CNADS, diz que este é um problema “de todo o sul da Europa”, e fala dos projetos que era bom o país copiar.

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Portugal podia ter ido já mais longe ou mais rápido nas medidas que já tomou?

[…] Há perdas físicas na canalização, mas depois também há usos da água que não são contabilizados, e essa é uma situação que não é desejável, mas tem-se mantido. O outro aspeto é na agricultura de regadio, que é muito importante e é competitiva, e temos de pensar que estamos num mundo que é competitivo, temos uma economia mundial.

Mas a produção agrícola não é mundial, é local. Não seria necessário adaptar a produção agrícola em Portugal às condições ambientais que estão em profunda mutação no país?

Nós temos que ter uma agricultura que seja viável do ponto de vista económico. Isto não quer dizer que não tenhamos também um outro tipo de agricultura, mais ecológica, isso é tudo muito importante. Mas, por exemplo, temos condições ideais para produzir azeite, somos o maior produtor do mundo de cortiça, também temos agora a questão das amendoeiras, tudo isso é bastante competitivo. Penso que temos de compatibilizar o aspeto económico com o aspeto ambiental, e isto é que é desenvolvimento sustentável. É difícil, mas é um equilíbrio.

No que respeita à agricultura de regadio, existem bons exemplos de empresários e agricultores que utilizam as metodologias mais modernas de eficiência do uso da água, a chamada agricultura de precisão. Mas há também no país muita agricultura que é feita com uma irrigação por gravidade, sem usar bombas para elevar, quer dizer, sem pressão no transporte da água. Aí perde-se muita água.

Por exemplo, o rio Mira é uma bacia hidrográfica que neste momento tem uma escassez de água extrema num estudo recente que foi publicado. E aí a irrigação é feita por gravidade: é a partir da barragem que a água é conduzida e chega onde chegar, mas se não for distribuída por todos os sítios, há alguma que se perde, ao passo que se for por pressão, através de bombas, gasta energia e é mais caro.

Mas, esta é a realidade em que todos os países estão concentrados, não é um problema só de Portugal é um problema também de Espanha, de todo o sul da Europa, de toda a região mediterrânica. Estamos todos com os mesmos problemas e estamos todos a tentar resolvê-los.

Portugal e Espanha deviam coordenar-se melhor na gestão da água?

Essa é uma questão difícil. Os espanhóis têm um pouco a impressão – e estou a falar por experiência própria – de que nós não estamos tão preocupados com a água como eles estão.

É preciso lembrar que Espanha tem regiões que são muito mais áridas do que as nossas, no Sul. Mas o que é que eles fizeram nessas regiões muito áridas que se estão a tornar hiper-áridas, como a região de Múrcia e Alicante? Têm um transvase de água que vem do Tejo, e é esse transvase que permite uma horticultura extremamente importante do ponto de vista social, porque tem 250 mil “regantes”, como dizem em Espanha, que vivem dessa horticultura com a água que vem do Tejo.

O que está a acontecer agora é que o Tejo começa a não ter água para isso, e o que o governo espanhol tem feito é dizer: “temos de diminuir o caudal” que vai para o transvase Tejo-Segura, esse aqueduto gigante, com 300 e tal quilómetros. E as autonomias do Sul dizem: “não, isso é impossível, como é que nós vivemos?”. Então, a solução é utilizar mais as águas residuais urbanas, porque há população, e havendo população há águas residuais urbanas… estão a ver a relação?

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E a dessalinização?

É cara e tem problemas ambientais, mas também se podem tentar resolver, e resolvem-se alguns deles. A dessalinização faz sentido quando se está próximo do mar, mas também se pode fazer a dessalinização das águas salobras, não só das águas do mar. Por outro lado, tem um custo, porque utiliza bastante energia elétrica, mas que pode ser gerada através de fontes renováveis, e Portugal tem quantidades fabulosas de fontes renováveis.

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Relativamente à floresta, aprendemos alguma coisa com os incêndios 2017, até em termos de plantação e gestão da mancha verde que temos no país?

Acho que sim, tem-se feito um esforço muito meritório no sentido de uma melhor ordenação da floresta em Portugal e de uma diversificação das espécies. Uma ideia que penso que é extremamente importante é o pagamento dos serviços do ecossistema florestal, porque a floresta é o mais importante para reter a água no solo.

A diferença entre um deserto e uma zona que não é desértica é o solo ter matéria orgânica, microrganismos, e se tivermos uma floresta, esses microrganismos e o carbono que está retido no solo, tudo isso é fundamental para reter a água.

Talvez o facto de muita gente viver hoje em centros urbanos faça esquecer que grande parte do território é florestal…

Sim, sem dúvida. Isso é também importante, tem uma conexão com o clima: a floresta quando cresce sequestra o dióxido de carbono da atmosfera, através da fotossíntese, um processo natural, é um sumidouro de CO2 e contribui para que as nossas emissões não sejam tão elevadas. […]

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