Miguel Vieira Lopes

Estará para breve a quantificação dos serviços do ecossistema nos povoamentos florestais plantados?

No ano de 2020, a UNAC – União da Floresta Mediterrânica conseguiu financiar e levar a bom porto um projecto de investigação, levado a cabo por investigadores do Instituto Superior Técnico, acerca dos serviços do ecossistema oferecidos pelo montado. Este trabalho, designado por ECOPOL, que pode ser encontrado no site da UNAC, teve o enorme valor de sistematizar um grande número de artigos científicos acerca deste assunto, identificar quais os serviços do ecossistema existentes, com evidência científica, e verificar quais os que tinham, para o montado, uma quantificação do benefício oferecido, também baseada em evidências científicas.

Em 2021, ano da maior parte dos seus esforços de divulgação, o projecto tem sido referido e citado como uma justificação técnica e consolidada de benefícios trazidos para a sociedade em geral, pelo montado, que parecendo ubíquas e consensuais, ninguém conseguia até agora quantificar. Este passo foi de extrema importância para a clarificação do debate e quantificação mais pormenorizada destes serviços prestados pelos agricultores que utilizam este espaço como um verdadeiro sistema agroflorestal e que, portanto, utilizam ruminantes para rentabilizar a pastagem em sob-coberto. Ora o produtor de gado pode ser simultaneamente o defensor da floresta e o responsável por tais serviços do ecossistema que, mesmo quando contrabalançados com os malefícios apontados aos animais, têm forte benefícios para todos? Parece que sim, espantem-se os mais distraídos e respirem duas vezes os que discutem estes assuntos de forma mais dogmática, para que a discussão possa, como que uma lufada de ar fresco, fugir das bafientas posições extremadas e levar a algum progresso no tratamento das questões ambientais.

Durante este ano também me surgiram muitas vezes questões sobre a inexistência dessa informação para outros sistemas agrícolas e florestais, em que este tipo de conhecimento poderia ser tremendamente benéfico, tanto para o desenho de política como para a valorização de serviços prestados à sociedade que, não quantificados, servem a sociedade sem remunerar o agricultor ou o produtor florestal. E o que não é justamente remunerado tende a perder vigor.

Um destes grupos de culturas, para o qual a investigação se tem debruçado pouco, é a floresta de produção resultante de povoamentos plantados. De facto, ao invés do que agora se sabe para o sobreiro e a azinheira, não se conhece com pormenor a lista de serviços do ecossistema que são oferecidos pelos povoamentos de eucalipto, pinheiro manso ou pinheiro bravo. Pelo menos, e caso existam os estudos de base, não existe uma seriação e sistematização de conhecimento que permita documentar a base científica com que se pode afirmar que esses serviços existam. Claro que se nem se consegue defender robustamente que eles existem, muito menos serão (ainda que apenas alguns) quantificáveis. Ora esta condição é, na actual dinâmica da análise da sustentabilidade e da sua gestão, condição para que se estabeleça um jogo que não se pode ganhar.

É que os malefícios da floresta plantada andam nas bocas do mundo. Muitos dizem, com mais ou menos base para o fazer, que o eucalipto é mau, e que grandes áreas do nosso país são vítimas destas monoculturas de pinheiro e de eucalipto. Tirando algumas abordagens menos sérias e/ou menos conhecedoras da realidade, estas críticas até podem ter algum fundamento. Não parece razoável dizer que não há desvantagens para o ecossistema e, consequentemente, para a sociedade destes sistemas. No entanto, com a crescente necessidade de quantificar os impactos ambientais para fins de reporting e de gestão sustentável dos activos agrícolas e florestais, torna-se cada vez mais evidente que há muitas lacunas do lado da quantificação dos benefícios. Por exemplo, no caso do carbono, tenho verificado que, frequentemente, a informação acerca das metodologias de contabilização das emissões de carbono é muito mais pormenorizada do que a que temos acerca das remoções. É o tal jogo que não se pode ganhar, porque ao não termos esse grau de pormenor, o cálculo do balanço do carbono pende para um dos lados, aquele que mais se conhece, correndo o risco de subvalorizar as remoções do sistema. Ninguém duvida que os povoamentos plantados para madeira armazenam carbono na madeira, mas se não conhecermos, por exemplo, a percentagem desse carbono que, depois de processada a madeira, não é devolvido à atmosfera, teremos de considerar que tudo é devolvido à atmosfera.

Mas não se trata apenas do carbono. É também importante perceber os benefícios que estas culturas plantadas poderão ter na redução da erosão dos solos nas zonas montanhosas onde muitas vezes se situam, do funcionamento como espécies pioneiras para o sobreiro e azinheira, como refúgio para biodiversidade, e muitos outros serviços.

Esta geração de conhecimento permite ainda definir diferentes estratégias de gestão, que possam potenciar estes serviços do ecossistema, e que poderão, por sua vez, ser recompensados. Permite também estabelecer base de melhor política florestal, que, mais uma vez, deverá beneficiar todos.

Será que vamos ver o complexo agroflorestal a observar esta necessidade e a investir na criação de conhecimento robusto o suficiente para que o produtor florestal que utiliza estes sistemas seja recompensado pelo bem que traz à sociedade?

É que esse propósito não só é válido como é da maior justiça. Não só promove estes mesmos serviços, remunerando-os, como valoriza a ocupação cultural que, muitas vezes de forma incompreendida, não tem alternativa. Sim, porque em muitos sítios onde há eucaliptos não pode haver tomate (que lá estaria se pudesse dado o muito maior valor que gera para o agricultor), como ouvi variadas vezes a ambientalistas que discutem com base em dogmas que não compreendem. A única forma de desfazer estes dogmas é com o conhecimento sólido e sistematizado.

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Miguel Vieira Lopes

COLABORADOR TÉCNICO

mvieiralopes@agroges.pt

O artigo foi publicado originalmente em AGRO.GES.


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