Hoje é um dia que pode mudar a forma como vamos olhar para as garrafas de bebidas alcoólicas, que podem começar a trazer informações sobre riscos cancerígenos. A medida – que causa grande discórdia – vai hoje a discussão no Parlamento Europeu e os responsáveis do setor estão de cabelos em pé. Garantem que não há evidências e que se deve apostar no consumo com moderação.
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Vantagens na saúde e não só Sara Cerdas é eurodeputada socialista e vice-presidente da Comissão Especial de Combate ao Cancro, e não lhe sobram dúvidas sobre a relevância das propostas que vão hoje a votos no plenário europeu: o consumo de álcool em qualquer medida tem uma associação causal como fator de risco de cancro.
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Por cá, a possibilidade de esta medida vir a ser uma realidade também não foi vista com bons olhos e a VINI – Vinhos de Portugal até enviou uma carta – a que o i teve acesso – a pedir o apoio dos eurodeputados portugueses. Garantindo que “alguns aspetos deste relatório danificam de forma gravosa a imagem e prestígio do setor vitivinícola a nível nacional e europeu”, a VINI acrescenta que “a cultura do vinho faz parte dos nossos valores enquanto europeus, é uma bebida inserida na dieta mediterrânica”, e que, por isso, a aprovação deste relatório tal como está “irá danificar todo o trabalho que este setor tem feito ao longo dos últimos anos”.
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E se a VINI está preocupada, os produtores também o estão, garante. Por isso, a proposta “é que o relatório seja aprovado mas que seja para o consumo de bebidas alcoólicas só como consumo abusivo e não como consumo per si”.
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‘Não tem pés nem cabeça’ Do lado da Comissão Vitivinícola Regional (CVR) do Dão, não há dúvidas que “todo o setor dos vinhos está indignado com esta situação porque, de facto, não há nenhum fundamento objetivo”. As palavras são de Arlindo Cunha presidente desta CVR que é duro nas palavras: “Isto é uma violência, é um ato sem justificação, não tem a mais pequena razão de ser”, atira, lembrando que se tem defendido que o vinho, tal como muitos outros produtos, “tem de ser consumidos com moderação e, portanto, as pessoas têm que fazer as suas escolhas”.
E continua: “Associar o vinho, pura e simplesmente, a efeitos cancerígenos, é uma coisa que nos parece um ato de irresponsabilidade porque a questão não está provada, está longe de ser consensual e, aliás, o vinho, por outro lado, ao contrário do tabaco, faz bem a outros aspetos da saúde, designadamente, como sabemos, por causa dos polifenóis”, disse, mostrando-se muito confiante de que “os deputados europeus não vão, obviamente, aceitar isso”.
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Lembrando que este setor exporta quase mil milhões de euros por ano de produto “genuinamente nacional”, Arlindo Cunha acrescenta ainda que “é dos setores mais competitivos e dinâmicos da nossa agricultura e da nossa economia”. Por isso, finaliza com certezas: “Estamos perante uma tentativa de legislação que não tem pés nem cabeça e é absolutamente irresponsável”.
A opinião não é muito diferente da do colega Francisco Mateus, presidente da CVR Alentejo que diz ao i que esta medida coloca o vinho “como um produto que não deve ser consumido porque é negativo para a saúde”. Por isso é “drástica, excessiva e não tem em conta todo o contexto cultural em que o vinho está integrado”.
Garante que não é uma medida que se possa “ver com satisfação”, lembrando que este setor em Portugal “tem dado passos grandes no sentido de promover o consumo moderado de vinho e, portanto, olhamos para estas iniciativas com muita preocupação e na expectativa que haja bom senso da parte de quem toma estas medidas e que elas não sejam tratadas assim sem se prever o impacto negativo que pode trazer para Portugal e para todos os países onde a produção de vinho tem um impacto cultural muito grande”.
Não há dúvidas, nas suas palavras que, a ser aprovada, é quase como “dar um toque de morte a um setor com todos os impactos que isso depois tem”.
Em números, diz, na Europa, o consumo de vinho, cresceu em 20 anos cerca de 30%. Defende sempre o consumo moderado, claro, até porque esse é “o caminho certo”. “Um caminho de educação, de demonstrar às pessoas as consequências que pode ter. Estarmos a avançar aqui com estas medidas drásticas, acho que isto, muito possivelmente o que vai fazer é trilhar caminhos alternativos, provavelmente até ilegais, no sentido de haver produção, comércio, que é feito por caminhos ilegais e isso também não é bom”, alerta.
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E lamenta colocar-se o vinho “quase como um produto que não deve ser consumido”, questionando os problemas que terá no futuro. “Imagine se esta medida sair e se daqui a 10 anos se der uma redução da área que existe na Europa. Estamos a olhar para um futuro em que o vinho deixou de existir? Estamos a olhar para o vinho como um produto em que só as pessoas ricas é que podem consumir? Estamos a tornar o vinho num produto em que é vedado o consumo ao cidadão normal? Acho que são caminhos que não devemos tomar. Prefiro apostar na educação, no discernimento das pessoas”, finaliza Francisco Mateus.
A opinião acaba por ser um ponto comum a muitos representantes do setor. Hugo Fonseca, diretor de produção da Quinta da Pacheca, diz que esta “vai ser uma questão muito complicada”.
Claro que o consumo de vinho em excesso traz problemas mas o moderado não. O moderado, garante, até “tem alguma mais valia mesmo ao nível da saúde, como é o caso dos vinhos tintos com a parte dos polifenóis e a parte de antioxidantes”.
Assim, diz ao i, o importante é “continuar a insistir nas campanhas de beber com moderação”. E diz que não se deveria entrar na questão de o vinho ser prejudicial porque, quando bebido com moderação, “não é verdade e a questão de generalizar seria um duro golpe no setor”.
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O responsável acredita que esta situação não mexerá muito com a quantidade de produto comercializado mas sim com a colocação do produto no mercado. “O vinho é um produto para a mesa, para acompanhar um bom prato. Já está num patamar que não é por si só uma bebida alcoólica, tem uma parte cultural extremamente importante. Se fizermos uma análise, cada país tem a sua gastronomia e depois os vinhos também estão muito direcionados para a sua própria gastronomia. Há uma parte tradicional, cultural, que está muito associada ao produto em si”, defende.
Com moderação, há ‘efeitos positivos’ Primeiro é preciso lembrar que “o equilíbrio alimentar é fundamental para a boa saúde e, como tal, todas as entidades envolvidas – dos decisores políticos às autoridades de Saúde; dos produtores aos consumidores – são hoje unânimes em reconhecer que o consumo de alimentos e bebidas deve ser feito de forma responsável e moderada”. Quem o diz é Luís Mira, secretário-geral da Confederação dos Agricultores de Portugal (CAP) […]