Nos últimos sete anos e meio, a Casa do Douro foi objecto de produção legislativa, de trabalho judicial e administrativo, de trabalho parlamentar e de organismos públicos, IVV, IVDP e DRAPN, e ainda da atenção dos viticultores e organizações, tal como da opinião pública, que a conduziram ao ponto em que nos encontramos. Muito diferente daquele que, consentido até 2014, a sepultava numa crescente dívida colossal que a todos prejudicava. Desde esse ano, a Casa do Douro foi tema duma Resolução da Assembleia da República, de três Leis, quatro Decretos-Lei, três Portarias, cinco Despachos de membros do Governo, vários acórdãos do Tribunal Constitucional, sentenças de processos e providências cautelares do Tribunal Administrativo e Fiscal, processos comuns, dezenas e dezenas de horas de audição na Comissão de Agricultura da AR!
O valor da Casa do Douro, estimável no seu nome, é inestimável para o sector dos Vinhos do Douro e Porto: facialmente com uma história invejável (fará cem anos daqui a 10!, algo não menosprezável em instituições portuguesas, tantas delas tão fugazes), tem intrinsecamente um potencial espantoso de imagem de marca, poder de influência e de representação da produção vitícola da Região Demarcada do Douro, apesar do contrapeso de algumas fases menos boas.
Independentemente das centenas de empresas, cooperativas ou outras associações da sua constelação, em que cabem os milhares de viticultores destes vinhos de montanha, a Casa do Douro é a Casa do Douro, e será difícil a qualquer outra alguma vez representar o Sector, a Região e os Vinhos aqui produzidos, com a mesma força que o seu nome tem. Este cunho vir-lhe-á do seu carácter fundacional, em que a região saía duma grave crise e em que teve a capacidade de ultrapassar desafios importantes como o da II Grande Guerra, e dar garantia de estabilidade aos lavradores, se bem que num ambiente e com instrumentos de produção e comercialização fortemente reguladas, que hoje estariam completamente à margem do Direito Europeu e Constitucional Português.
À Casa do Douro concorreram, em 2014/2015, a ALD e a FRD. Esta última foi a seleccionada e tal, apesar de ser em cumprimento da lei, originou um défice de autoridade, ao sentir-se como excluída uma parte da lavoura duriense. Foi uma questão metodológica que criou esse problema real e de percepção, e muito por força dalguma precipitação e avidez de interpretação. Ficou turbulento, algo que teria sido, à partida, criado para resolver um problema, o da representação da Produção. Tal turbulência teve consequências políticas, e em Portugal mais uma vez se tentou resolver o problema com mais criação legislativa, em vez de o centrar na sua substância. Daí a cair-se na tentação dum saudosista regresso ao passado, procurado e instrumentalizado por uma minoria política que condicionou a AR.
O futuro da Casa do Douro tem de estar alinhado com os interesses dos viticultores. Por isso a importância deste momento, em que as circunstâncias permitem algum tempo para reflexão e realinhamentos. Coincidem neste tempo, o repristinar de legislação de 2014 pelo acórdão recente do TC, a expectativa dum novo Governo mais livre, o esforço da Administradora nomeada para a regularização de dívidas, interrompido, mas que teve sequência pelo da Comissão Administrativa que tem trabalhado afincadamente até hoje na inventariação, esclarecimento de contas, resolução de problemas e salvaguarda de activos, no âmbito do processo extraordinário para o saneamento financeiro do património da Casa do Douro, cujo relatório e conclusão estará prestes a uma nova fase.
Do seu prestígio potencial deveria sair a representação no Conselho Interprofissional do IVDP, com pluralidade, pela Produção. E estamos num momento crucial para se poder encetar esse caminho de recuperação do seu valor. De forma moderna, livre e ao nível das suas congéneres internacionais.
Apesar de haver processos e providências cautelares em tribunal, relacionados com as recentes eleições da FRD, o ambiente em que se respira é bem diferente do que o que existiu até há sete anos. Seria bom que os viticultores, as empresas, as suas organizações e federações realizassem, agora, um evento de discussão e catársis, virado para o futuro, para, de forma arejada, livre e moderna, se fazer um entendimento maduro sobre esta instituição e que a torne, de novo, referência, motor da região, promotora do aumento da procura dos seus vinhos, do turismo no Douro, do desenvolvimento sustentável. Organizado pela FRD e pela ALD, e outras que adiram, já existentes ou ex-novo, que junte num auditório, em congresso ou simposium, todos os que, livremente, queiram discutir o futuro, mesmo com ideias diferentes, desligados de velhos mitos, decididos a afastar adamastores e a olhar de frente os problemas, a sua solução e a esperança para a nossa vida. Pensamos que nem os que os promovem nem os que lhe são alvo, desejem gastar tempo com os processos pendentes, e seria muito mais bem empregue se fosse em prol criativo da região.
A Casa do Douro merece isso e mais que isso, não em nome de nenhum dos seus passados, mas em nome do seu Futuro, da geração jovem, dos novos investidores que a região carece!
Consultor e escritor, ex Director Regional de Agricultura e Pescas do Norte, 2011-2018; ex Vice-Presidente do IVV, 2019-2021.