Proposta de um caderno de encargos para a Agricultura Portuguesa, no decurso da próxima legislatura – Gonçalo Caleia Rodrigues, José Castro Coelho e António Cipriano Pinheiro

Refletindo sobre o estado da nossa agricultura e sobre o nosso baixo grau de autossuficiência alimentar, pareceu-nos que seria oportuno analisarmos três áreas de políticas públicas agrícolas que, a nosso ver, devem merecer toda a prioridade de atenção e investimento, no decurso da próxima legislatura/governo. São elas:

  1. A melhoria global da eficiência de uso dos fatores de produção;
  2. A expansão e incremento do regadio;
  3. A promoção e concretização do associativismo agrícola.

A primeira prioridade é decisiva para bem orientar, sintonizar e aproveitar os financiamentos disponibilizados pela nova PAC (estratégias “Farm to Fork” e “Green Deal”) e o PEPAC, todos eles centrados no combate às alterações climáticas, na prossecução da neutralidade carbónica e na preservação/aumento da biodiversidade, enquanto que as duas seguintes concorrem, essencialmente, para o aumento do volume e/ou do valor da produção agrícola, concorrendo para uma menor dependência alimentar do país, uma maior competitividade económica e, por conseguinte, uma maior capacidade de atração/retenção de jovens no setor.

Analisemos as três prioridades aqui preconizadas.

  1. A melhoria global da eficiência (técnica e económica) de uso dos fatores de produção

Esta primeira prioridade é fundamental para melhorar a sustentabilidade económica, ambiental e social, através da redução dos custos de produção e dos impactes ambientais da agricultura, sendo decisiva, entre outras coisas, para a melhoria da rendibilidade económica e para a redução das emissões de GEE. A maior eficiência na aplicação de fatores, resultante da adesão às novas tecnologias digitais e de precisão, etc., é fruto da maior interligação entre a investigação e a produção.

Tendo que conviver com um clima em mudança, o setor agrícola nacional tem tentando ser menos “consumidor”. Segundo os dados apurados pela FENAREG (Federação Nacional de Regantes de Portugal, 2019) ocorreu, ao longo dos últimos 50 anos uma notável e significativa redução do consumo de água por hectare. Em 1960 era de cerca de 15.000 m3/ha; já em 2014 era de 6600 m3/ha. Faltam apurar dados mais recentes, mas se olharmos para o regadio de Alqueva, em pleno Alentejo, ou seja, a zona com maiores necessidades/défices hídricos do país, onde são produzidas culturas como o olival, o amendoal, a vinha o trigo e o milho (entre outras), em 2020 o consumo médio era de “apenas” 2.700 m3/ha – muito longe do que encontrávamos há 5 décadas atrás.

Esta redução foi, em grande parte, possível por todo um esforço de inovação e de introdução de novas tecnologias que o setor, conscientemente, necessitou e soube adotar. O mote essencial foi, e continua a ser, o de aplicar a água da maneira mais eficiente e uniforme possível. Para tal, os agricultores enveredaram por uma estratégia de realizar toda e qualquer tarefa de uma forma otimizada, observando e registando os dados climáticos, pedológicos e agronómicos das suas explorações, recorrendo a ferramentas de apoio à decisão, a tecnologias capazes de realizar as operações de forma adaptada à variabilidade espacial das parcelas e a sistemas de rega mais eficientes. Isto permitiu ao agricultor regante aplicar apenas a água estritamente indispensável, no local certo e no momento oportuno, tornando-se cada vez mais eficiente, melhorando produtividades e criando uma pegada ambiental cada vez mais diminutas.

As novas tecnologias digitais, deste admirável mundo novo, aumentam as possibilidades de aplicar e ampliar o conhecimento e a interação entre todos os elos das cadeias produtivas. Podem ajudar a resolver uma equação complexa e com inúmeras variáveis económicas, sociais e ambientais, em que é preciso produzir mais alimentos à escala mundial, com qualidade e com menor uso/consumo de recursos naturais. A “digitalização da agricultura” pode e deve ser entendida como interdisciplinar e transversal, não limitada a culturas agrícolas, regiões e/ou classes/escalas de produtores. Num mundo cada vez mais dinâmico, a agricultura tem a possibilidade de utilizar avanços científicos e tecnológicos como as tecnologias de informação e comunicação (TICs), a internet das coisas (IoT), a inteligência artificial (AI), a agricultura de precisão (PA), a automação, a robótica e os “big & small data”.

  1. A expansão e incremento do regadio

Tentemos, antes do mais, entender a importância estratégica e vital do regadio para a Agricultura Portuguesa. Em 2019, segundo os dados do mais recente Recenseamento Agrícola (RA de 2019), a Superfície Agrícola Utilizada (SAU) era de, aproximadamente, 3,96 milhões de hectares. Nesse ano, a Superfície Irrigável era de 630.517 hectares (cerca de 16% da SAU), enquanto a Superfície Regada foi de 566.204 hectares. Contudo, é importante referir que o regadio é uma prática adotada em cerca de 45% das explorações existentes em Portugal, sendo que é predominante em apenas 18% do total. De maior importância é o impacto do regadio no valor da produção gerado nas explorações agrícolas. De acordo com o RA de 2019, um hectare exclusivamente de sequeiro gera um valor bruto da produção padrão (VBPP) de 997 euros contrastando com o valor de 5509 euros criado por um hectare predominantemente de regadio (algo como 5,5 vezes mais).

Se considerarmos os números anteriores e que a precipitação média em Portugal Continental é da ordem dos 500 mm/ano, e que uma dotação média de rega anual é da ordem dos 700 mm, chegaremos a um ratio de 997/500 = 1,994 €/mm para o sequeiro e de 5509/(500+700) = 4,591 €/mm para o regadio. Ou seja, o VBPP por milímetro de água disponível é 2,3 vezes maior no regadio por comparação com o sequeiro. Se considerarmos o diferencial entre sequeiro e regadio (5509-997/1200-500) obteremos ainda um fator multiplicador maior, da ordem de 6,45 vezes. A questão não é tanto a de saber se a agricultura de sequeiro é ou não viável, mas antes a de reconhecer que a riqueza (económica), a sustentabilidade (ambiental), a resiliência e o dinamismo (social) criados por força do regadio são incomparavelmente maiores.

  1. A promoção e concretização do associativismo agrícola

O associativismo agrícola concorre, de forma decisiva, sobretudo se atendermos à modesta escala da generalidade das nossas explorações/empresas agrícolas, cuja média de dimensão se situa, hoje em dia, ao redor dos 15 hectares, para uma integração horizontal e vertical do setor. A integração horizontal (Associações de Produtores, de Regantes, Cooperativas, etc.) é fundamental para ganhar escala a propósito de investimentos decisivos e avultados, sobretudo nos domínios das infraestruturas de produção, concentração, transformação e conservação da produção. Só assim poderemos ter escala e ambicionar a ter marcas reconhecidas e o respetivo acréscimo do valor acrescentado.

Na vertente da integração vertical, é claro que a existência de associações agrícolas coesas, com escala e com marcas comerciais reconhecidas pelo consumidor final, é decisiva para ajudar a equilibrar os termos negociais entre os produtores/agricultores e os grandes distribuidores de alimentos.

Neste sentido, tal como o Eng.º Pedro Santos (Director-geral da CONSULAI) assinalou, também aqui no Agroportal, há uns dias atrás, “é de assinalar o facto do Ministério da Agricultura “ganhar” a “Alimentação”, o que é uma boa notícia pelas oportunidades que podem ser criadas, e potenciadas, com o reforço da produção; … é claramente um bom sinal”.

Em suma, os principais desafios com que nos confrontamos para a próxima legislatura/governo são os de sermos capazes de conseguir:

  • um maior dinamismo e integração entre as atividades de investigação, ensino, produção, agroindústria, comércio, assistência técnica e extensão rural;
  • aproveitar um mundo rural mais conectado e fortalecer o processo de educação à distância (EAD) no campo;
  • atrair mais jovens (com um perfil inovador, empreendedor e multiplicador) e capacitar os produtores agrícolas para gerarem soluções cada vez mais interdisciplinares no dia-a-dia das suas explorações/propriedades rurais elevando a produtividade, com menor pressão sobre os recursos naturais;
  • a transformação digital na agricultura pode contribuir significativamente para alcançar esses objetivos, por meio de: uma maior partilha de informações; um aumento da produtividade e da eficiência do uso de fatores; uma redução do desperdício de fatores e produtos; uma melhor e maior integração do campo e das cidades; uma melhor gestão e uso eficiente do território.

Por último, gostaríamos de dizer que estamos disponíveis para esclarecer/debater estas e outras políticas que contribuam, simultaneamente, para melhorar o bem-estar dos nossos consumidores (pondo à sua disposição melhores produtos e a preços mais baixos) e aumentar os rendimentos dos nossos produtores agrícolas.

Gonçalo Caleia Rodrigues, José Castro Coelho e António Cipriano Pinheiro


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