Gonçalo Santos Andrade

Gonçalo Santos Andrade: “Esperávamos mais do OE. Efeito das medidas é nulo”

Presidente da associação de empresas de frutas e legumes pede “uma ministra que valorize o conhecimento dos agricultores”. Diz que o PRR foi “uma desilusão” e lembra importância do setor agroalimentar, fator de crescimento do país.

Gonçalo Santos Andrade é formado em Engenharia Agrícola, diplomado pela London Business School em Market Driving Strategies e pela AESE Business School em Direção de Empresas. Tem 25 anos de experiência no setor agrícola, sendo hoje administrador da Lusomorango e da Torriba, sócio da agropecuária Casa Prudêncio e chairman da conferência internacional de produtores de fruta e vegetais. É desde 2017 presidente da Portugal Fresh, associação para a Promoção das Frutas, Legumes e Flores de Portugal, setor que vale 3841 milhões (+ 17% face a 2020) e representa 40% de toda a atividade agrícola. E que viu as exportações subirem 2,1% no ano passado, ultrapassando pela primeira vez a barreira dos 1700 milhões de euros.

O novo Orçamento do Estado (OE) para 2022 acaba de ser apresentado. As medidas trazidas são suficientes?
Nós ainda não saímos da crise pandémica que dura há dois anos. Depois tivemos uma seca extrema – com impacto algo diminuído no norte e centro pelas últimas chuvas, mas muito complicada ainda no sul. E neste tempo de pandemia os consumidores da União Europeia (UE) tiveram sempre acesso a produtos de elevada qualidade, altamente seguros e a preços acessíveis. Isso demonstra a importância do setor agroalimentar, que não parou. Nós esperávamos um reforço neste contexto tão complexo e desafiante que veio somar a tudo isto a guerra, que veio acrescentar aos problemas que já se sentiam: escalada gigante de preços nos fatores de produção, nas caixas para colocar os produtos, nos fertilizantes, na energia de combustíveis e transportes.

Esperava mais…
O que previa, até com a apresentação deste governo, que tem enorme força e nos dá a esperança de medidas concretas nos próximos quatro anos e seis meses era um reforço maior no Ministério da Agricultura e Alimentação – e esta mudança de funções foi importante, porque a alimentação é central. Temos de estar conscientes de que os produtos estiveram sempre acessíveis aos consumidores europeus, o que reforça a importância que a política agrícola comum (PAC) tem. O beneficiário principal da PAC é o consumidor. Antes dela, a maioria das famílias portuguesas tinha de investir 60% do orçamento familiar em comida, hoje não chega a 20%.
Neste contexto tão difícil, esperávamos do governo uma maior aposta no OE. Todas as medidas anunciadas são bem vindas, mas a maioria são linhas de crédito ou isenção de taxas como o IVA – o que é bom para apoio à tesouraria, sobretudo para aliviar a questão dos stocks, porque há escassez de muitas matérias-primas -, mas em termos de resultados operacionais o efeito é praticamente nulo.

Outros países têm melhores condições?
Nós temos de comparar sempre a nossa situação com a dos principais concorrentes: Espanha, Itália e até França – e depois a outro nível, nas frutas conservadas como maçã e pera, os do Leste. As medidas têm de ser comparáveis para termos as mesmas armas e ferramentas para competirmos num mercado cada vez mais global.

E hoje são distintas?
Estamos com custos superiores nos combustíveis, na energia e mesmo em alguns fatores de produção – estando no extremo da Europa, somos prejudicados no transporte, que tem aqui muito peso. E o nosso custo de aquisição é maior do que os concorrentes do sul da Europa.

Que medidas adicionais seriam necessárias para concorrer em igualdade com essas empresas?
Nós defendemos mercado que funcione globalmente, mas num contexto de guerra tem de haver medidas específicas. Os agricultores de produções anuais, que neste momento estão em sementeira, não sabem quais serão os seus custos de produção porque desconhece-se como vai estar o custo dos combustíveis daqui a três ou quatro semanas. Um trator agrícola gasta 60 ou 70 litros por hora. É preciso ter estabilidade. O que defendemos são medidas transversais na UE a 27 para haver cada vez menos diferenças entre produtores, mas quando vemos em Espanha um desconto transversal de 20 cêntimos por litro em preços já mais baixos, ficamos muito preocupados. É muito difícil competir num mercado global.

O incentivo ao gasóleo com a majoração de 0,06 não satisfaz?
São medidas bem vindas, mas que nos deixam em menor ponto de competitividade com os espanhóis.

Quanto é que já subiram em média os custos dos produtores agrícolas por efeito da guerra?
No setor das frutas, legumes, plantas ornamentais e flores temos realidades muito diferentes, umas com muita mão-de-obra, outras com mais componente de maquinaria, outras de conservação com peso nas contas, portanto não há uma média, mas das conversas que temos tido com os subsetores, as contas de produção estão a subir entre 20% e 70%. E há custos muito complicados: os contratos de energia quadruplicaram em relação ao ano passado. Em contexto de guerra, temos de ter medidas muito excecionais – não queremos diferentes dos outros países, mas parecidas, para concorrer globalmente. Nas exportações, que chegaram a 1731 milhões num volume de negócios de 3841 milhões, o nosso principal mercado é Espanha: são 30%. É importante estarmos competitivos. E 81% destas exportações são para a UE a 27 – Espanha, França, Holanda, Alemanha e Reino Unido são os maiores. E a Alemanha é um caso interessante, porque em 2014 era o nono mercado dos nossos produtos e nós investimos na promoção da marca Portugal, mostrámos ao mundo na Fruit Logistica de Berlim, de que fomos parceiros em 2015, a diferenciação do nosso produto e essa posição subiu para quarto. Somos um país pequeno, por isso a diferenciação tem de ser pela qualidade, pelo serviço premium. E nestes dez anos de Portugal Fresh e principalmente desde 2015, são os próprios clientes a virem ter connosco e reconhecer a mais-valia do aroma, do sabor e dar cor dos nossos produtos, fruto da influência do Atlântico. Não somos o primeiro país a pôr produtos no mercado, mas somos os que durante mais semanas produzimos e isso é valorizado. Mas temos de ter visão global.

Já tem dados do 1.º trimestre?
Os dados que temos são de fevereiro, mas não gostamos de comparar anos porque é tudo diferente: em janeiro de 2021 esteve muito frio e com isso tivemos ótimas condições para diferenciação floral, foi um bom ano agronómico. Se compararmos homólogos dá-nos a leitura errada. O que posso dizer é que o nosso objetivo é passar pela primeira vez 1800 milhões nas exportações. E até 2030 ir além dos 2500 milhões. Isto é possível se houver, do governo, uma estratégia de reservas de água totalmente diferente.

Diferente como?
Tem de haver uma aposta muito forte, para o setor ser competitivo. A agricultura não gasta água, usa-a e transforma-a em alimentos. Há que entender isto. Temos […]

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