Sarah Ahmed escreveu, na Revista de Vinhos de Abril, um artigo sobre Trás-os-Montes, região do Nordeste de Portugal onde esteve recentemente e que, segundo esta brilhante e reconhecida enautora, seria das poucas que ainda não tinha visitado. É um artigo cheio de autenticidade em que as suas observações ponderadas usam adjectivos acertados. Das notas que foi tomando e que nessas linhas nos dá a ler, nos seus “três dias velozes e furiosos” nestes planaltos, montes e vales, nota-se que captou muito bem a ecogeografia caleidoscópica destes vinhos diferentes e variados, produzidos de castas de selecção ou de vinhas velhas com exposição e frio, altitudes, amplitudes térmicas e campos batidos pelos ventos e, ainda, em despenhadeiros, difíceis para as próprias cepas se conseguirem manter de pé! Com uma comparação evocativa com as serras e encostas de Portalegre, elogia a sua elegância, a frescura, a textura e, sobretudo, o serem “super-característicos”.
Trás-os-Montes é uma região extensa e muito variada, pequena em produções e quantidades, com os seus locais de eleição potencialmente muito bons, mas com as suas particulares dificuldades em fazer vicejar parreiras e uvas. Algumas deixaram fama e estão extintas (por exemplo, o vinho das Arcas em Macedo de Cavaleiros, que ia para o Arcebispo e de que tão bem dizia o Visconde de Villa Maior na sua obra, hoje apenas lendário…) mas outros estão a reaparecer (como os do Lombo, produzidos pela Santa Casa da Misericórdia, que nesta Páscoa aqui em nossa casa fizeram companhia ao borrego, ao chá e ao folar e sobre que em breve escreverei umas notas merecidíssimas).
Gostei imenso do artigo de Sarah Ahmed e não me julgo com capacidade de contra-argumentar seja o que for a esta grande especialista dedicada a Portugal. Este meu comentário ao seu artigo parecerá presunçoso dada a abissal diferença de conhecimentos entre nós, mas “honi soit qui mal y pense”. É que o facto de aparecer esse artigo faz com que haja a oportunidade de poder chamar a atenção para uma coisa: estes pequenos vinhos, pequenos nas suas produções, estão a fazer um trabalho grande, o de puxar para cima o valor do vinho de Portugal. E este ponto é da maior importância. Todos estaremos de acordo, quero crer: subir o valor pago pelo vinho português é um imperativo decisivo nos próximos anos. Em Trás-os-Montes, como nas outras regiões vitivinícolas do País. Há imenso trabalho a fazer-se para isso. No qual estão empenhados, de Norte a Sul e do interior ao litoral, estes pequenos grandes vinhos.
Em Novembro, estive em Melgaço numa conferência sobre Alvarinho promovida pela Real Associação de Viana do Castelo, expondo uma interpretação sobre o decair comercial dos Vinhos de Viana face aos do Porto, ocorrido especialmente no decurso do século XVII, correlacionando-o com as alterações climáticas da época (então as temperaturas médias desceram acentuadamente). Houve várias intervenções e, no debate que se seguiu, tal como nas conversas que duraram depois até ao cocktail no Museu, onde tivemos uma excelente prova, afirmava-se esse denominador comum: o da pouca valorização do vinho verde, nesse caso. Mais do que a história, a preocupação com algo tangível.
O aumento de valor do vinho português é essencial para o aumento do valor das uvas e para a sustentabilidade da fileira. Obrigará a rever paradigmas e critérios, atitudes de produção e comerciais? Sem dúvida. Mas é determinante para o futuro. Não cabe aqui uma qualquer receita nem há varinhas mágicas que o façam sem uma profunda reflexão e profissional abordagem. Mas que é urgente, é. Há vinho do Oregon, EUA, a atravessar o Atlântico e a ir para a Grã-Bretanha a mais de 100 £ a garrafa e há espumante inglês a ser vendido a mais de 40 £ a garrafa, produzido a partir de uvas de vinhas plantadas em Inglaterra há… duas ou três dezenas de anos! Pode dizer-se que em Sussex, East Anglia, South Wales e Cornwall não havia, há trinta e tal anos, praticamente nenhum pé de videira, mas, agora, há-os a produzir espumantes a bater-se com os Champagne em mercados domésticos e com preços que remuneram muito bem os produtores. E poderia citar muitos exemplos, alguns aqui ao lado na nossa companheira ibérica. Não é segredo nenhum: basta ir-se aos sites de vinhos ingleses, ou espanhóis, ou outros, na net. Ora, tudo isto e muito mais nos deve fazer reflectir.
O aumento de custos dos factores de produção, da energia e do transporte estão já a fazer subir os preços finais dos produtos. Isso pode, mas não deve servir de pretexto para que não haja o aumento de valor na fileira para a sua sustentabilidade económica. Garanti-la para lá do tumulto comercial em que agora estamos a mergulhar, e com que vamos ter de lidar durante anos, implica esforço, inovação e exigência de qualidade. Esta preocupação tem sido transversal em muitos artigos de opinião, ultimamente. Seria bom que deixasse de ser apenas uma preocupação em artigos de opinião e que se transformasse numa discussão profissional e operativa. Por que é urgente. Os pequenos grandes vinhos já o terão compreendido. Estão a fazê-lo. À sua escala. Os outros também terão que o fazer, à sua.
Consultor e escritor, ex Director Regional de Agricultura e Pescas do Norte, 2011-2018; ex Vice-Presidente do IVV, 2019-2021.