Manuel Pinheiro

Vinho Verde: Segmentar para ganhar valor?

Em 1998 Presidente da CVRVV, Rui Graça Feijó, propôs à Região abolir a venda de Vinho Verde em garrafão, argumentando que esta embalagem retirava valor à Denominação e era necessário concentrar o mercado na garrafa. A proposta foi fundamentada num estudo de mercado. Após debate, a assembleia votou contra a proposta com dois fundamentos: entender que o garrafão não prejudicava a imagem e atendendo à importância real que o garrafão tinha nessa altura nas vendas.

Os tempos eram outros.

Cinco minutos de leitura sobre o Vinho Verde permitem ter uma ideia de como esta Região se tem reinventado de uma forma robusta nos últimos vinte anos. Na viticultura, metade da área são vinhas renovadas ao abrigo do programa Vitis com uma estratégia focada em castas brancas consideradas mais competitivas, como o Loureiro, o Alvarinho, o Arinto, o Avesso. A produtividade por hectare aumentou. A enologia e os vinhos evoluíram imenso: hoje encontramos vinhos de casta, de lote, vinhos mais leves, vinhos com maceração, com estágio, com madeira.

Nos mercados, numa década, a venda de branco de lote aumentou de menos de 40 milhões de litros para mais de 50, nos segmentos de valor as vendas dobraram. Mais impressionante é o panorama das exportações: em 2000, exportamos 7 milhões de litros. No fecho de 2021, exportamos 33 milhões. O Vinho Verde deixou de ser vendido para as comunidades portuguesas na diáspora:  hoje afirma-se como um grande vinho do mundo, presente em mais de 100 países. É quotidiano que os nossos vinhos sejam bem premiados em concursos internacionais ou bem avaliados por jornalistas das principais revistas. Somos cada vez mais classificados como uma Região de excelentes vinhos. Refiro-me, sobretudo, aos brancos.

O desafio do Vinho Verde não é, pois, a dimensão e a notoriedade. Nem sequer a qualidade do produto. É gerar valor. Embora o nosso preço médio tenha vindo a aumentar, que mais não seja pelo aparecimento de vinhos de casta e outros que não existiam antes, esta evolução está a ser demasiado lenta.

A notoriedade impressionante do Vinho Verde joga, paradoxalmente, em desfavor da sua valorização. O cliente sabe bem que características, que momentos de consumo e que preço atribui ao Vinho Verde. Produzir e vender fora deste quadro é quebrar fronteiras.

Há dois fenómenos que nos vão ajudar. O primeiro é o enoturismo, área em que começamos tarde, mas em que vamos rapidamente ganhar força. Projectos como o Monverde Wine Experience Hotel ou a Quinta de Santa Cristina lançaram as sementes de uma oferta de qualidade. O próximo investimento do grupo Vila Galé, que vai valorizar um local lindíssimo onde se instalou, será um passo de gigante.

O segundo é a chegada de empresas de fora. A terra é cara no Minho. As empresas que estão a chegar e investem aqui vão alavancar a Região. Herdade das Servas, Esporão, grupo Rollier (e outros que estão a chegar), têm projectos que só se rentabilizam em segmentos acima daquele em que nos posicionamos hoje e isso vai-se sentir no preço da uva. Não descontar aqui o efeito que terá o investimento Vega Sicilia no Condado de Tea, na Galiza, perto de nós.

Precisamos de explicar ao cliente que o facto de sermos uma Região de vinhos alegres e populares, não nos impede de sermos em simultâneo uma Região de grandes vinhos. O cliente tem de perceber que a mesma Região que lhe propõe um vinho de menos de cinco euros também dispõe de um de cinquenta euros e ambos são otimas escolhas. Do mesmo modo que o automobilista que procura relação qualidade/preço compra Skoda, o que procura irreverência e juventude compra Seat, o que procura bom senso e fiabilidade compra Volkswagen e o que perde a cabeça por um topo de gama compra Audi. Todos da mesma origem.

Entendo que, como alavanca nesta estratégia de valorização, chegou o momento de segmentar o Vinho Verde junto do cliente.

Em 2020 lançamos um estudo com a Wine Intelligence, uma consultora britânica que vem acompanhando a nossa Região, a qual propõe a criação de um segmento superior dentro do Vinho Verde, no qual caberão vinhos sem gás, com pontuações mais robustas em câmara de prova, com um pouco mais de álcool do que o mínimo do Vinho Verde de base. É um caminho, paralelo com o que outras regiões fizeram. Tem a vantagem de aproveitar e valorizar a “marca” Vinho Verde e está aberto a produtores de toda a Região. Teríamos, pois, para o cliente, o Vinho Verde Clássico e o Vinho Verde “superior” (ou outra designação qualquer). O marketing da CVRVV investiria sobretudo no segmento de topo. O facto de a designação “Vinho Verde” ser partilhada por ambos, permitiria que os vinhos de topo puxem pela base.

A alternativa a esta via seria a de investir nas sub-regiões. Há aqui vários desafios. O primeiro é o da disparidade. Monção e Melgaço já começa a ter algum nome;  Sousa ou Ave, o cliente não os reconhece, sequer, como designações de origem de vinhos. O segundo é que a notoriedade das sub-regiões no mercado externo é nula: não podemos estar metade do ano a dizer que é preciso promover a marca Portugal, pois esta não está consolidada e a outra metade a achar que vamos explicar a um norte-americano o que é um vinho do Paiva  e como se diferencia de um do Cávado. O terceiro é o da dimensão: ao repartir a Região em sub-regiões, limitamos a capacidade de obter uvas ou lotes de vinhos em vários pontos, procurando dimensão ou diversidade, que as cooperativas e as grandes vinificadoras podem ter.

Há quem defenda a possibilidade de reservar o Vinho Verde para os vinhos de entrada e converter a IG Minho num DOC para vinhos de topo. A marca Minho não tem notoriedade alguma como origem de vinhos. Quanto tempo/custo demorará até criarmos uma marca colectiva? E os produtores estão disponíveis para retirar os seus melhores vinhos do Vinho Verde e transferi-los para o “Minho”? E os produtores dos mais de dez concelhos que nunca foram “Minho” estão disponíveis a usar esta designação? Por exemplo, um vinho de Vale de Cambra “Minho”? Ou um de Baião “Minho”? Se Minho é uma solução tão interessante, porque é que até hoje não deu sinal algum desse potencial? E não foi por falta de tentativas…

Porque estou de saída da CVRVV mas este momento de viragem é essencial para a Região à qual tanto devo, deixo o meu contributo. Coloco a cabeça no cepo, eu sei. Como se adivinha, opto pela primeira opção: passar a ter um Vinho Verde “Clássico” e um segmento superior (qualquer que seja o nome) e investir o grosso da promoção neste novo segmento, sendo que ambos devem partilhar a “umbrella” Vinho Verde no rótulo. O nome parece ser um problema, a Região não gosta de “superior”. Tudo bem, tanto faz, até poderia ser “Estrelita”. Encontre-se um nome aceitável e invista-se nele.

Não sei qual a solução por que se optará. Não se iluda, porém, a Região se achar que não precisa de abordar este assunto, identificar uma resposta e agrupar-se em redor desta.

Este assunto carece de mudança e este é o momento. Todos queremos mudança, mas quem realmente está disposto a mudar?

Manuel Pinheiro

Presidente da Comissão de Viticultura da Região dos Vinhos Verdes


Publicado

em

,

por

Etiquetas: